Carta de D. Pedro das Sete Partidas a seu irmão D. Duarte, em 1426
É claro que esta perspectiva estratégica e este programa político nesta carta traçados por D. Pedro foram descartados, para o mais profundo dos infernos, em Alfarrobeira (a batalha em que saiu vencedor o partido do “é fartar, vilagem”…). Educado por D. Filipa de Aviz no culto da camisa ensanguentada, que D. Pedro trazia no dia da sua morte em Alfarrobeira, e bebendo através desta tia as ideias do avô e o ódio à “vilanagem”, D. João II vai retomar esta estratégia e este programa político. Foi, porém, sol de pouca dura (embora de imenso alcance, tanto para Portugal como para todo o mundo).
A “vilanagem” conseguiu assassiná-lo (apesar de todos os apertados cuidados dos “serviços” de Antão de Faria que só o que lhe chegava às mãos via esposa não filtravam…) e desse modo alcançou colocar no trono um cúmplice (pelo menos) da mais alta “vilanagem”… E assim se entrou na “apagada e vil tristeza” de que a intervalos regulares conseguimos sair mas apenas por períodos demasiado curtos.
Este resumo da “Carta de Bruges” (enviada pelo Infante D. Pedro a D. Duarte, em 1426) é de Robert Ricard e consta do seu estudo «L’Infant D. Pedro de Portugal et “O Livro da Virtuosa Bemfeitoria”», in Bulletin des Études Portugaises, do Institut Français au Portugal, Nova série, tomo XVII, 1953, pp. 10-11).
O governo do Estado deve basear-se nas quatro virtudes cardeais e, sob esse ponto de vista, a situação de Portugal não é satisfatória. A força reside em parte na população; é pois preciso evitar o despovoamento, diminuindo os tributos que pesam sobre o povo.
Impõem-se medidas que travem a diminuição do número de cavalos e de armas. É preciso assegurar um salário fixo e decente aos coudéis, a fim de se evitarem os abusos que eles cometem para assegurar a sua subsistência.
É necessário igualmente diminuir o número de dias de trabalho gratuito que o povo tem de assegurar, e agir de tal forma que o reino se abasteça suficientemente de víveres e de armas; uma viagem de inspeção, atenta a estes aspetos, deveria na realidade fazer-se de dois em dois anos.
A justiça só parece reinar em Portugal no coração do Rei e de D. Duarte; e dá ideia que de lá não sai, porque se assim não fosse aqueles que têm por encargo administrá-la comportar-se-iam mais honestamente. A justiça deve dar a cada qual aquilo que lhe é devido, e dar-lho sem delonga. É principalmente deste último ponto de vista que as coisas deixam a desejar: o grande mal está na lentidão da justiça.
Quanto à temperança, devemos confiar sobretudo na ação do clero, mas ele tem a impressão de que a situação em Portugal é melhor do que a dos países estrangeiros que visitou.
Enfim, um dos erros que lesam a prudência é o número exagerado das pessoas que fazem parte da casa do Rei e da dos príncipes. De onde decorrem as despesas exageradas que recaem sobre o povo, sob a forma de impostos e de requisições de animais. Acresce que toda a gente ambiciona viver na Corte, sem outra forma de ofício.»
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