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Sábado, Julho 27, 2024

Descriminação e racismo em contexto académico

Joana Forte
Joana Forte
Jornalista e activista social. Presidente da associação Integrar Diligente

Juventude na CPLP e Afrodescendência e Sistema Educativo debatidos na Assembleia da República e na NOVA FCSH: é Portugal um país que descrimina ou integra os jovens afrodescendentes e africanos?

Tendo participado no passado dia 30 de janeiro em dois eventos “Ano da CPLP para a Juventude” na assembleia da república, enquanto membro da associação “Integrar Diligente” e na 1ª sessão do Ciclo de Debates Narrativas Afro-Europeias – “Afrodescendência e Sistema Educativo” na Nova-FCSH, não podiam ser mais díspares as apreciações sobre os mesmos em termos de representatividade discursiva e protagonistas, não obstante o elo comum de ligação ao abordarem a Juventude na CPLP, Afrodescendência e Educação.

“Ano da CPLP para a Juventude” na assembleia da república

De facto, se no 1º e como seria expectável, imperou o discurso formal, pré-formatado e do politicamente correto, numa audiência praticamente sem representatividade jovem, quer dos países da CPLP, quer de afrodescendentes apesar da Representação da Juventude Portuguesa, enquanto anfitrião e como também parte da CPLP já que os que participaram, confinados às galerias, apenas puderam ouvir, será de destacar as intervenções de Carlos Monteiro, Secretário de Estado para a Juventude de Cabo Verde que alertou para a urgência de se tomarem medidas concretas para a Juventude no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pelo tanto que ainda há para fazer e de Luís Monteiro, deputado do Grupo Parlamentar do BE, que frisou a efetiva necessidade de incluir os jovens e as suas problemáticas na discussão, nomeadamente no que diz respeito à descriminação, ao racismo e à desigualdade, quer quotidianos, quer estruturais, discussão essa que deverá tornar-se, assim, mais acessível e participativa.

Relativamente às intervenções da audiência, Quitéria Andrade, da associação Conexão Lusófona questionou a mesa sobre a problemática do acesso ao emprego e descriminação que sofrem negros afrodescendentes e do sexo feminino, fenómeno demonstrado, ainda segundo a mesma, na própria mesa e audiência praticamente sem representatividade, quer étnica, quer de género, quer etária e de Rui Bauhofer, presidente da Associação de Estudantes Moçambicanos de Lisboa que levantou uma questão relativa à sustentabilidade que existirá na CPLP quando tanto se fala nas metas dos ODS. Já M.L.S interpelou os oradores presentes relativamente a questões que procurou esclarecer, designadamente, a problemática da corrupção que assumidamente continua a subsistir nos muitos países da CPLP e que urge combater, o discurso quase unânime de negação da importância do passado histórico nas relações presente e futuro entre os Estados membros da CPLP ou a óbvia necessidade de se reconhecer os cidadãos afrodescendentes como efetivamente portugueses e de os dotar dos direitos e privilégios que legitimamente reclamam.

Luzia Moniz, da Padema – Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana – constatou e questionou os oradores sobre o nome a atribuir a um futuro programa de mobilidade académica “Fernando Pessoa” quando vários trechos deste autor, lidos pela própria, evidenciam a “defesa da escravatura e do colonialismo”.

“Por último, mas não menos importante, a intervenção de um jovem afrodescendente “poeta, educador de jovens dos 8 aos 80” que se questionou sobre o porquê de ser praticamente o único a ter a possibilidade de, mais do que ouvir, ter voz.

“Afrodescendência e Sistema Educativo” na Nova-FCSH

Relativamente ao debate da NOVA FCSH, marcadamente distinto, foi possível observar uma audiência repleta de jovens estudantes, quer oriundos dos PALOP, quer afrodescendentes num debate informal, esclarecedor e necessário, relativamente às problemáticas da existência dum racismo e desigualdades estruturais e sistémicos ao nível do próprio Sistema de Ensino logo no Ensino Básico que prossegue nos ciclos seguintes, com a inclusão de muitos dos jovens afrodescendentes nas chamadas “turmas especiais ”e que depois são encaminhados para os cursos técnico-profissionais do que resulta que são muito poucos, para não dizer, quase inexistentes, os que depois progridem para o Ensino Superior, como nos foi dito pelas oradoras Cristina Roldão, investigadora e docente no ISCTE, Beatriz Dias, ativista da Associação de Afrodescendentes e deputada municipal do Bloco de Esquerda em Lisboa e Sónia Magalhães, Diretora do PRSD – Provedores de Respostas Sociais Para o Desenvolvimento.

Face à constatação óbvia destes fenómenos, foi realçada a necessidade de recolha de dados étnico-raciais, não só para ilustrar estas realidades através de dados estatísticos, como para contribuir com essa informação para alterar esta conjuntura. Relativamente aos jovens presentes, entre dirigentes associativos, alguns professores e estudantes, tanto do secundário como universitários, claramente identificando-se com as temáticas abordadas, acabaram por partilhar os seus testemunhos pessoais. Foi o caso ilustrativo duma professora do Ensino Básico que diariamente se confronta com manifestações flagrantes de racismo quando recebe testemunhos de alunos a quem dizem “o teu cabelo é feio”, “és feia” ou meninas que lhe perguntam “se estão a ser educada para ser empregadas domésticas”.

Outros testemunhos, nomeadamente, de dirigentes associativos das várias comunidades dos PALOP salientaram as dificuldades que os próprios enfrentaram e as manifestações de racismo com que se defrontam em questões aparentemente tão básicas como o constatou Luís Vitorino, Presidente da Associação de Estudantes Angolanos de Lisboa no dicionário de Língua Portuguesa relativamente às definições de “preto” e “branco” com esta última a ser alusiva a ser-se português; o Presidente da Associação de Estudantes da Guiné no Porto que não vendo qualquer afrodescendente na sua faculdade, se indagou se a sua presença seria derivada a estar a ser “objeto de algum estudo” e também outros testemunhos de estudantes dos PALOP a frequentarem universidades de Lisboa que partilharam algumas das dificuldades com que se deparam, nomeadamente ao nível da integração.

Já Smith Lima Mendes, estudante afrodescendente e membro do Núcleo de Estudantes Africanos e Lusófonos da AE NOVA FCSH destacou, de forma positiva, a boa integração na escola que frequentou em Paço de Arcos e do próprio concelho de Oeiras onde jovens de várias classes e etnias conviviam de forma igual, e do seu percurso onde, apesar de inicialmente ter enveredado pelo ensino profissional, resolveu arriscar e ir mais além, ingressando no Ensino Superior, tendo já concluído a sua licenciatura na NOVA FCSH.

A intervenção de Edina Carvalho, uma jovem afrodescendente do Bairro da Jamaica poderá ser visto como um claro exemplo de resiliência e determinação pois não obstante as facilmente imagináveis dificuldades por que passou desde ser considerada “aluna problemática”, ter sido colocada numa “turma especial” e encaminhada para o ensino profissional, não desistiu do seu objetivo de ser psicóloga, conseguiu fazer Erasmus e ingressar no Ensino Superior, na Universidade Autónoma no curso de Psicologia, mas devido a dificuldades económicas teve de desistir a meio do 2º semestre. Ainda assim não desistiu do seu objetivo e vai novamente candidatar-se este ano.

Sinho Baessa Pina, também ele afrodescendente, realçou a necessidade de se continuarem a fazer debates como este e de os jovens afrodescendentes participarem naquilo que constitui, efetivamente, o seu direito de cidadania ativa de participação e integração na sociedade portuguesa.

E tal como foi concluído tanto pelas oradoras, como pela audiência, é, indubitavelmente, através da Educação que poderemos, em conjunto, trabalhar para mudar mentalidades, estereótipos e estigmas e, assim, contribuir para uma mudança a uma maior escala do racismo institucional e estrutural.


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