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Quarta-feira, Janeiro 29, 2025

Fiapos de Sonho: A realidade (de)cantada

J. A. S. Lopito Feijóo K, Angola
J. A. S. Lopito Feijóo K, Angola
Poeta e crítico literário, ensinou Literatura Angolana. Membro fundador da Brigada Jovem de Literatura de Luanda (BJLL/1980), e do Colectivo de Trabalhos Literários OHANDANJI (1984). É membro da União dos Escritores Angolanos.

A voz poética de Arlindo Barbeitos irrompeu dos meandros do silêncio, para o corpus da literatura africana de língua portuguesa, como algo completamente distinto.

Dentre as propostas de versificação apresentadas e conhecidas até aos anos 74/75 que, como é por demais consabido; tornaram-se indicadores do curso que viriam a tomar os processos histórico-literários (e não só) de Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e também Guiné-Bissau em razão do terminus do período colonial.

Barbeitos é autor de Angola Angolê Angolema (1976) e Nzoji (1978); enquanto poeta e, prosador de O Rio-Estórias de Regresso de (1987). Significa dizer que dentre os autores angolanos ele é também um daqueles que escreve e/ou publica pouco e devagar, reflectindo profundamente antes de o fazer.

Através da União dos Escritores Angolanos viu editado em finais de 1992 o seu livro de poemas simbolicamente intitulado FIAPOS DE SONHO que conta com pouco mais de três dezenas de textos apresentados formalmente na esteira dos que conformam o todo das suas publicações anteriores, reafirmando assim a inicial proposta poética.

Trata-se de poesia cujas características principais continuam sendo as repetições formais de versos/estrofes tal como nas canções tradicionais próprias do continente africano, bem como a densidade metafórica da proposta em razão de um aturado trabalho lexical do qual resulta a apreciada economia da palavra enquanto elemento primordial do arranjo poético.

gira gira meu irmão
em terra de luar e desencanto
quem dança mora com os deuses
diz o poeta distante
em terra de luar e desencanto
gira gira meu irmão

(pág.15)

Outro aspecto que não nos passa despercebido no contacto com toda poesia de Barbeitos é a ausência total da pontuação, cujos elementos contribuem, indubitavelmente, sempre que quisermos atribuir à leitura um determinado curso de entoação. Arlindo Barbeitos deixa isto à cargo dos seus leitores permitindo assim maior abertura dos textos conforme maior ou menor capacidade de leitura e interpretação de cada um. Assim o signo poético torna-se também muito mais conotativo distanciando-se, automaticamente, do coloquial.

Entretanto, se tão logo surgiu, o autor “afastou-se dos sendeiros habituais da poesia africana de expressão portuguesa”, julgamos que de quando em quando repete-se nas sugestões; já que a poesia não deve fazer mais do que sugerir entre a palavra e o silêncio, conforme ele próprio propõe quase na esteira de Paul Valéry.

Mas, porque a poesia é a imagem embaciada da sociedade e, conforme pensamento Aragoniano, cada bafo de poeta num espelho o embacia de forma diferente, vamos crer que a, talvez aparente, excessiva repetição conteudistica e a agressividade imagética nalguns textos, resultam mesmo da realidade vigente num contexto de reprodução poética do qual obtemos versos sugerindo autêntica desilusão como por exemplo os que aqui ficam:

teus dedos nocturnos vão
pelos monturos catando
ilusões perdidas cacos de palavras
e fiapos de sonho… pontual
o relógio da dor
vai marcando o tempo… diz-me
até quando se continuará o sonho
tecendo de raios de luar e de espuma
enquanto
de lágrimas se encharcam as nuvens
e os panos de nossas mãos…

(pág.16, 26 e 36)

Como se escreve na contra-capa de FIAPOS DE SONHO, pensamos que o livro contém “a poesia decantada do real. A poética sublimação do efémero. A voz plena de silêncios e rumores e a magoada criação de um íntimo furor”. Pensamos ainda, por tudo e por nada, ser este um livro que urge reeditar para leitura e releitura obrigatória. Estaremos assim a homenagear o nosso autor. Pronto & final…


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