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Domingo, Dezembro 22, 2024

Criptomoedas

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

As criptomoedas estão cada vez mais no centro de muitas questões, formuladas por pessoas, empresas, autoridades do mercado e, consequentemente, pelos Estados.

O seu lugar na vida económica torna-se cada vez mais importante, como o comprovam os grandes investimentos feitos por indivíduos que as consideram refúgios seguros ou ferramentas especulativas, o impressionante aumento da aplicação de fundos em criptomoedas, ou até as muitas críticas relativas à sua volatilidade e ao consumo de energia (longe vão os tempos em que qualquer computador podia participar no processo de blockchain, a tecnologia de registo distribuído que visa a descentralização como medida de segurança e que está na base das criptomoedas, mas hoje as necessidades de computação e de velocidade de cálculo são tais que exigem processadores dedicados e sofisticados sistemas de alimentação energética e de arrefecimento) feitas à generalidade das criptomoedas e em especial à mais conhecida delas: o Bitcoin.

Tudo isto e a delicadeza do próprio problema levam a que a bordagem da temática das criptomoedas pelos poderes públicos assuma dimensões extra económicas e mais consentâneas com o conceito de geopolítica. Assim, e com o assumido objectivo de manter o controle, já se aponta o FMI para um papel de liderança no processo de coordenação internacional (ver esta notícia do Guardian), algo que se assemelha a uma tentativa de normalização do quase completo vazio em que actualmente vivemos.

Mas será uma boa solução propor a normalização de um processo que pretende criar uma alternativa ao actual sistema financeiro a um dos organismos que tem tutelado este sistema com os resultados conhecidos?

É certo que actualmente as diversas plataformas de troca de criptomoedas apresentam condições de funcionamento e de utilização diversas de país para país – que vão desde a diferença de estatuto legal, à autorização/proibição de pagamento e de conversão para as moedas nacionais ou até à existência de tentativas reguladoras – mas com a excepção da China, país que alberga a maioria das estações mineradoras (assim se denomina cada unidade computacional que participa num blockchain) mas onde tudo o que se relaciona com criptomoedas é proibido, não existe grande conformidade normativa. Este limbo é mais uma evidência do grande fosso que existe entre a velocidade de difusão da tecnologia e as políticas públicas que tentam recuperar o atraso para controlar e regular a novidade.

Novidade que mais não é que uma tentativa de criação de um meio de pagamento alternativo ao actual modelo de sistema monetário suportado em moedas fiduciárias – aquelas cujo valor resulta de uma mera convicção ou imposição de confiança mas sem qualquer outro suporte físico de valor – que funcionam na prática de forma tão perigosa e pouco sustentável como as modernas criptomoedas.

Deixando, por ora, de lado as questões de ordem técnica, ressalta a natureza geopolítica das criptomoedas quando se começa a constatar o interesse dos Estados no seu controle – estes tentarão por todos os meios evitar a perda do controle sobre os fluxos financeiros, mesmo do pouco controle que têm – e principalmente quando, como óbvia via para contornar as sanções económicas que lhes foram impostas por quem controla ou influencia o sistema financeiro tradicional, surgiram as primeiras notícias do interesse de países, como o Irão ou a Venezuela (ver aqui), na criação da sua própria criptomoeda.

Quando se regista um crescimento nos montantes de criptomoedas emitidas e são cada vez mais regulares as notícias sobre a movimentação dos principais actores internacionais, como a Rússia, que no início de 2018 propôs a criação de uma criptomoeda que associasse os BRICS e a União Económica Eurasiática (Rússia, Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e proximamente o Irão), ou a China, quando decidiu participar numa recém-criada Aliança para a Estabilidade Financeira com Tecnologias de Informação, a maioria dos Estados parece ter agora optado por uma abordagem de tipo mista; alegando os riscos de manipulação e os potenciais prejuízos a ele associados, tentam condicionar (ou até proibir) o uso das criptomoesdas pelos seus cidadãos ao mesmo tempo que procuram desenvolver a sua própria versão do fruto proibido, seja porque reconhecem as vantagens competitivas da tecnologia blockchain (quem ficar de fora arrisca perder competitividade para quem integrar o processo) ou por mais que não seja porque os custos associados às transacções das criptomoedas são vantajosos relativamente aos do sistema financeiro tradicional.

O grande problema é que o aumento da oferta de criptomoedas irá agravar ainda mais o já complexo sistema financeiro global, com resultados de duvidosa vantagem para o comum dos cidadãos, enquanto, pela positiva, a eclosão de iniciativas de cooperação internacional que indiciam um novo equilíbrio global ameaçam reduzir a influência do todo-poderoso dólar norte-americano.


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