O primeiro dos Congressos Internacionais de Ciências Administrativas de uma série que se prolongou por um século teve lugar em Bruxelas em 1910, aquando da realização de uma Exposição Universal.
Embora tenham estado inscritos numerosos portugueses apenas terá participado, com várias comunicações, Fernando Emygdio da Silva, jovem (24 anos) doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, com a qualidade de representante oficial do Governo e da Sociedade de Geografia de Lisboa, que, com outros nomes portugueses ficou integrando uma Comissão Internacional Permanente. A intenção de realizar em 1915 um segundo congresso em Madrid foi prejudicada pela I Guerra Mundial, e quando o movimento foi retomado, com os Congressos de 1923, em Bruxelas, de 1927, em Paris, e de 1930, em Madrid, apenas o professor de Direito João Telo de Magalhães Colaço, não obstante a criação em 1928, por Portaria do Ministério do Interior, de uma Secção Nacional Portuguesa (encimada pelo Director-Geral de Administração Política e Civil) neles participou, tendo ainda votado no Congresso de Madrid a criação de um Instituto Internacional de Ciências Administrativas (IICA) que seria instalado em Bruxelas dois anos depois e reuniria Estados-membros, secções nacionais, membros colectivos e até membros individuais.
Fernando Emygdio da Silva,
representante oficial do Governo e da Sociedade de Geografia de Lisboa
João de Magalhães Colaço deixaria em 1929 na Revista O Direito, uma visão equilibrada, sem servilismo em relação ao estrangeiro, sobre o interesse destas participações, que reproduzi na contracapa do livro:
Pelas fontes de informação que proporcionam, elementos de estudo comparativo que sugerem, relações úteis que criam, trabalhos que provocam, estímulo que despertam, pelo que desatam de dúvidas e preconceitos, e pelo ardente desejo que fomentam nos delegados de cada país de aos outros revelar o que há no seu de bom e dêles vir a conhecer o que ainda há nêle de atrasado e defeituoso – a presença de portugueses em congressos internacionais de sciências administrativas ser-lhes-há infinitamente útil.”
Viria a falecer ainda jovem em 1931 e apesar de remodelada em 1936 a Secção Nacional Portuguesa, Portugal não voltaria a estar representado em Congressos Internacionais de Ciências Administrativas até ao fim da II Guerra Mundial. A participação nestas primeiras décadas, apesar de serem designadas para o efeito muitas sapientes personalidades que depois não apareciam, resultou portanto de rasgos individuais de Fernando Emygdio e de João Telo, honra lhes seja feita.
Uma participação organizada e regular
Portugal é um dos 9 países a participar de pleno direito no Congresso de Berna em 1947, que reactivou o IICA, e vai continuar a faze-lo regularmente até 1974. Os delegados a este Congresso são Marcelo Caetano, professor de Direito Administrativo de Lisboa, que sai de Berna como um dos oito vice-presidentes do Instituto, José Carlos Moreira, professor de Direito Administrativo de Coimbra, e António Pedrosa Pires de Lima, Director-Geral de Administração Política e Civil, que se transformam, não se percebe bem como, de delegados oficiais ao Congresso em delegados oficiais ao Instituto. A Secção Nacional Portuguesa remodelada em 1946 por despacho já não do Ministro do Interior mas sim do Ministro de Negócios Estrangeiros (ninguém objectara pois nessa data o cargo era exercido por Oliveira Salazar), é alargada em 1949 por cooptação a um conjunto de personalidades a quem é solicitado que 1) aceitem participar na reunião da Mesa Redonda do Instituto Internacional que Marcelo Caetano consegue seja marcada para Lisboa 2) aceitem integrar a sua Secção Portuguesa.
A Mesa Redonda de Lisboa, realizada no “Palácio da Assembleia Nacional” em 1949 e cuja foto ilustra a capa do livro agora publicado terá sido um sucesso mediático não só interno mas também de relações internacionais, surgindo Marcelo Caetano como Presidente da Secção Nacional, sem que me tenha possível localizar o instrumento de nomeação, aliás a secção fora criada em 1928 sem indicação de presidente e a delegação a Berna constituída em 1947 sem indicação de chefe, o que, convenhamos, é insólito num Estado Novo muito marcado, nas décadas iniciais, pelo Führerprinzip.
A partir daí temos em funcionamento, até 1968, uma secção nacional de geometria variável, integrando altos funcionários e académicos, que prepara respostas a questionários, intervenções em Congressos, Mesas Redondas e Comités, e artigos na Revista Internacional de Ciências Administrativas, mas tecnicamente se desloca em representação do Estado Português, membro do IICA, e no quadro de missões de serviço público constituídas e financiadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, a quem tem, de cada vez, de explicar os antecedentes e justificar a participação.
Os plilares desta secção nacional são Marcelo Caetano, invariavelmente proposto e designado chefe das delegações mas que cedo, invocando a circunstância de as deslocações recairem em período de exames, passa invariavelmente a fazer-se substituir, António Pedrosa Pires de Lima, chefe de facto das delegações e a partir de 1955, membro do Comité Científico, e de Aureliano Felismino, Director-Geral da Contabilidade Pública de 1947 a 1974 ,membro do Comité das Práticas Administrativas a partir de 1951, também participante regular dos congressos do Instituto Internacional de Finanças Públicas e de uma estrutura europeia de contabilidade, cuja gestão inovadora da Direcção-Geral merece uma análise de maior fôlego do que a que é possível fazer aqui.
Em 1968, dentro de uma onda de constituição de associações científicas e profissionais que se registou a partir da segunda metade da década de 1960, Marcelo Caetano consegue o reconhecimento pelo Ministério da Educação Nacional de uma associação científica denominada Instituto Português de Ciências Administrativas (IPCA) que passa a exercer a partir daí as funções de secção portuguesa do IICA. Para além de membros da antiga Secção e de jovens assistentes da Faculdade de Direito de Lisboa, recém doutorados ou ainda em doutoramento, e de outros quadros que já vinham colaborando nas actividades, o IPCA integra na sua Direcção membros do Grupo de Estudos de Organização do Trabalho Administrativo que, também em 1968, dá lugar à criação da Associação Portuguesa de Produtividade Administrativa (APPA), a saber Mário Gonçalves Ferreira, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, e Fernando da Silveira, do Ministério da Economia. Tive há um ano ocasião de citar aqui Mário Gonçalves Ferreira:
… não seremos nós apenas algumas dúzias correndo de uns grupos para outros na ânsia de estimular a criação de actividades cujo interesse reside mais na nossa imaginação do que na realidade económica e social do País? E corresponderá esta aparente multiplicidade de grupos a uma real multiplicação de meios?”
Uma ligação que se vai diluindo
O IPCA e a APPA mantêm existência jurídica, embora sem actividade. Apesar de o primeiro, cuja Direcção era já presidida por António Pedrosa Pires de Lima, contar entre os seus membros com personalidades que vieram a desempenhar cargos políticos elevados na nova situação, aliás já em 1974 foi eleita nova Direcção em que António Sousa Franco era vice-presidente, deixaram de ser feitas referências ao IPCA, no que qualifiquei de amnésia colectiva / pacto de silêncio e de ser concedidos apoios financeiros. As instalações que ambas ocupavam e cuja renda foi sendo paga em circunstâncias que não me foi possível apurar, foram libertadas 25 anos depois porque o senhorio público as queria arrendar a outra entidade pública e entregou os seus recheios – arquivos, livros de actas, etc. – a uma entidade mal identificada no processo administrativo . Possivelmente perderam-se para sempre, o que, também sucede, fiquei a saber, com arquivos históricos de algumas Direcções-Gerais que tenho procurado consultar. Outros fundos ficam confiados a serviços de arquivos regularmente constituídos mas que lutam com falta de meios.
Agradeço aqui publicamente ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ao Arquivo Histórico-Diplomático e ao Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças mas muitas outras referências ficam apenas feitas no livro que saiu agora.
Por coincidência o IICA passou na sequência de reestruturação interna concomitante com o Congresso realizado na Cidade do México em 1974 a depender menos das Secções Nacionais e extinguiu os Comités em que participavam António Pedrosa Pires de Lima e Aureliano Felismino, que aliás se aposentaram naquele ano. O IICA reestruturado não sentiu a ausência de Portugal, aliás desde 1980 voltaram a participar nos Congressos e Mesas Redondas interessados livremente inscritos pelos serviços que dispunham de verba para o efeito, apenas se coordenando entre si, creio, os serviços integrados na então Secretaria de Estado da Administração Pública.
A partir de 1985, o INA então Instituto Nacional de Administração, passou a estar ligado a um grupo de reflexão regional do IICA, o European Group of Public Administration e é aliás um participante activo do IASIA, associação especial do IICA para as instituições de formação em administração pública, sendo que em 1992 passou, a pedido do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a pagar quotas como Secção Nacional Portuguesa do Instituto Internacional (de que Portugal deixou de ser considerado Estado-membro), sem que tal correspondesse à definição estatutária, e, reparei há anos, sem que mencionasse essa qualidade no seu site.
Extinto em 2012 o Instituto Nacional de Administração foram os seus serviços (a que foram retirados a maioria dos investigadores) e a sua sigla afectos a uma Direcção – Geral de nome impublicável, o que me facilitou dar por encerrada com aquele ano a investigação cujos resultados agora se divulgam.
Fica a possibilidade de análise do que foi possível reconstituir em
relação à intervenção de um conjunto de académicos e profissionais que, sendo
na sua maioria nacionalistas , não deixavam de estar abertos à cooperação
internacional, e de um conjunto de ideias e de factos que não podem ser
ignorados quando se estuda a Administração Pública portuguesa de hoje.
Anabela Mota Ribeiro realizou como freelance duas entrevistas que são muito úteis para reconstituir a imagem de António Pedrosa Pires de Lima, uma ao seu neto que-não-queria-ser-jurista-como-o-avô-e-o-pai António Pires de Lima, economista, outra ao seu filho Joaquim Pires de Lima.
“Haverá lugar para os “Think Tanks na política portuguesa?”, Jornal Tornado de 29 de Janeiro de 2018.
Actualmente o imóvel pertence, creio, à ESTAMO.
Há contudo outros casos no IICA.