Viajo este interior aberto onde passos se ouvem num corredor chamado vida, uma rotina sensível que abranda as esquinas e nos ensina a aprender com tardes infinitas, um belo cenário num descampado a sul e as águias dispersas numa nuvem de sonho.
Repito-me incansável manhãs sem fim, o horizonte em que canto da sala neste deserto imenso onde nuvens viajam saudades, sinto a hóstia divina divagar a minha alma cansada da espera e nada acontece. Adorava sentir vozes cansadas para que me refutassem ânsias, ventos moribundo e incansáveis viajarem por estas estradas a nascer do cansaço, das noites do baldio sob o escuro, a iluminação das praças e o mercado a abrir madrugada ainda, viajo sempre amigo, é um presépio eterno na minha alma desaforada e mendigada por tardes soltas, observar como tanto gosto do mar a desflorar-se contra as rochas e eu nesta sala descrevendo sentimentos sentidos e nunca cansados, é verdade, entendi há dias isso mesmo, que me adianta cansar-me? A gente prende-se a estas diásporas dos dias e de repente até parece nada existir, olhamos à nossa volta e nada, talvez impressão minha, o rio flui tão sóbrio que a tarde atrasa o aparecer da noite, as nuvens desaparecem num luar que chega entretanto e nada, é tudo tão absoluto, tão real, imagino entretanto o baldio de há anos neste quintal antes meu e agora de tantos, o bar cansado e os indígenas sentados numa sofreguidão de bramir, importa aí uma leitura das coisas um pouco mais precisa, mais concisa, menos premente ou doente, acordar aos sobressaltos e acreditar na vida, vencer o tédio e viver as ruas da nossa vida, é verdade.
Imaginam-me um sonho enquanto disperso este absoluto incansável, corro os corredores da vida e vislumbro na distância uma ausência de vida, não, é tudo imaginação do cansaço quando as tardes se eternizam, sabes?, as tardes assim também me cansam mas nunca me farto, é tão vasta a vida nas janelas escondidas que a gente descobre em cada gole o silêncio de anos perdido ou escondido, por isso uma viagem longa para contentar o esplêndido, o contido nesta casa fechada à beira mar onde anos ali passados com leituras cansadas a cultuarem-me, adoro reviver as distâncias por isso me embrenho nas viagens onde me emprenho de vento e sal.
Desfolho cada página do dia como um recomeço catártico,
embrenho-me nele e dele a saudade nunca visitada, relembro apenas e pronto, o resto é o caminho da viagem amalgamada no banco de trás deste carro sem cor. E dizem-me que nada tem cor, que importa então se assim é?, eu descubro nas minhas ânsias a cor dos meus sentidos e neles me impregno caminhando, pisando a areia solta das saudades e dos vultos admirados, a admiração pelas estepes, o vulto vago do dilúvio, a sede de amarguras indo devagar até que mais um dia seja ultrapassado nesta erma cama para um dia finado.
Alguém do lado num amor fraterno, o amor é quente, penso, e porque se esquecem as memórias de ideias por viver?
do livro Reflexões Profundas,
Vítor Burity da Silva
Crónicas