Já se previa que a visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos iria causar engulhos aos defensores da soberania nacional, e os dois primeiros dias da comitiva do governo brasileiro em solo americano confirmaram este temor. Com sobras.
Rompendo uma tradição de trinta anos, um presidente do Brasil, em sua primeira visita oficial, vai antes aos EUA e não à Argentina, nossa vizinha mais importante na América do Sul. Esta decisão, por si só, já seria um sinal mais do que suficiente para deixar claro para o mundo o novo rumo da política externa brasileira sobre o comando da extrema-direita. Mas a coisa vai mais longe e assume ares de uma verdadeira afronta à dignidade do Brasil como nação.
Logo que, neste domingo (17), desembarcou em território estadunidense, Bolsonaro divulgou uma mensagem via twitter que em nada lembrava um estadista representando um povo soberano. O texto parece mais o de um colegial, agradecendo de forma submissa a acolhida caridosa de parentes ricos. Escreveu Bolsonaro:
Nos hospedaremos na Blair House. É uma honraria concedida a pouquíssimos chefes de Estado, além de não custar um centavo aos cofres públicos. Agradecemos ao governo Americano todo respeito e carinho que nos está sendo dado”.
A Blair House é o palácio oficial do governo dos EUA usado para receber justamente mandatários estrangeiros. Dezenas de reis, primeiros-ministros e presidentes lá se hospedaram, incluindo Fernando Henrique, Lula e Dilma, portanto não é uma “honraria concedida a pouquíssimos chefes de Estado”, como escreveu um deslumbrado Bolsonaro. Outra coisa chama a atenção nesta mensagem: manda a boa educação que se agradeça uma hospitalidade calorosa, mas nada justifica o presidente de uma das maiores nações do mundo, como é o Brasil, agradecer pelo “respeito”, pois isto é uma obrigação elementar nas relações entre duas nações independentes.
No afã de puxar o saco de seu ídolo, Donald Trump, Bolsonaro rompe outra tradição diplomática, ao publicar um decreto, nesta segunda-feira (18), que dispensa, sem qualquer reciprocidade, a necessidade de visto de entrada no Brasil para cidadãos dos EUA e de alguns de seus mais fiéis aliados: Austrália, Canadá e Japão. Antes, como política de Estado, e não apenas de governo, o critério adotado pelo Brasil era só cogitar esta isenção para quem proporcionasse o mesmo tratamento ao viajante brasileiro.
Agora, os brasileiros em visita aos EUA podem continuar a sofrer toda sorte de discriminações ao tentar visitar a terra do Tio Sam, sem que isso cause qualquer preocupação às autoridades estadunidenses, pois somos os primeiros a deixar claro que eles aqui entram quando querem e, se depender da família Bolsonaro, ainda ficam com a chave.
Mas o ponto alto da sabujice bolsonariana foi a visita “secreta” à CIA, a agência de espionagem responsável por golpes, sabotagens, fraudes e assassinatos ao redor do mundo em defesa dos interesses americanos.
O que Bolsonaro e sua comitiva, composta integralmente por “Joaquins Silvérios dos Reis”, foram fazer lá? Pedir ajuda para combater as milícias do Rio de Janeiro? Duvido. Outras perguntas também pertinentes: por que a agenda na CIA não foi divulgada com antecedência? Quais os temas tratados?
Bom, certamente iremos colocar estas perguntas ao lado de outras também relevantes: onde está Queiroz? Quem mandou matar Marielle e Anderson? Etc.
Para fechar com “chave de ouro” esta segunda-feira de glória para os seguidores de Silvério dos Reis, Bolsonaro discursou para empresários defendendo a intervenção na Venezuela (e ao fazer referência ao poderio bélico americano deixou claro o que pensa) e acompanhou a assinatura de um acordo com os EUA permitindo o uso, por este país, da Base de Alcântara, no Maranhão, para lançar satélites e foguetes.
O jornal inglês, The Guardian, apontou, na cobertura da viagem de Bolsonaro, para os “perigos” de uma aproximação tão carnal com os EUA, justamente no momento em que este país trava com nosso principal parceiro econômico, a China, uma guerra comercial. Isso pouco importa para Bolsonaro e seus cúmplices, cegos pela ideologia de extrema-direita que professam e a qual buscam acorrentar o destino da nação.
Uma coisa é certa: teremos mais motivos para nos envergonhar, pois será nesta terça-feira (19) o grande dia da Comitiva “Silvério dos Reis”. Bolsonaro irá encontrar seu ídolo Trump. Já é certo que levará embrulhada ao presidente dos EUA a base de Alcântara, um presente valioso como prova de sua devoção. Mas, além disso, o que mais? Baterá continência de novo? Irá chorar de emoção abraçado a um constrangido Trump? Não se sabe, afinal, para um capacho, só o chão é o limite.
por Wevergton Brito Lima, Jornalista e editor do i21 | Texto em português do Brasil
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