Há décadas que a literatura académica teoriza sobre a ideia de uma elite de poder globalizada e sobre o conceito de uma classe capitalista transnacional.
Esta elite do poder global funciona como uma rede não governamental de pessoas ricas e formadas na defesa dos interesses comuns de gestão, na protecção da riqueza global concentrada e orientadas para assegurar o seu crescimento contínuo. Estas elites globais de poder influenciam e usam instituições internacionais controladas por autoridades governamentais como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), Organização Mundial do Comércio (OMC), G-7, G-20, as quais recebem instruções e recomendações para acções de políticas de redes de organizações e associações de elite de poder global não governamentais.
Muito se tem falado nos 1% mais ricos, que compreendem mais de 36 milhões de milionários e 2.400 bilionários, que aplicam os seus excedentes de capital em empresas de gestão de investimentos como a BlackRock e o J.P Morgan Chase. Uma simples dúzia e meia dessas empresas de gestão de investimentos – as que Peter Phillips apelida de gigantes no seu livro «Giants: The Global Power Elite» – com um capital acumulado na ordem de um bilião de dólares, controlavam, em 2017, mais de 40 biliões de dólares. Esta mão cheia de empresas, com participações cruzadas entre si, são geridas por umas duas centenas de pessoas que tomam decisões sobre como e onde o capital será investido e cujo principal problema é terem mais capital para aplicar do que oportunidades de investimento seguras, o que os leva a assumir investimentos especulativos e arriscados, a fomentar o aumento dos gastos em despesas militares e na privatização do património público.
A lógica de funcionamento deste modelo de concentração da riqueza implica um sistema de crescimento obrigatório de tal modo que qualquer ligeira escassez de capital conduz a uma situação de estagnação económica que facilmente se converte em depressão, falências bancárias, colapso monetário e desemprego em massa ou não se caracterizasse o capitalismo como um sistema económico sujeito a inevitáveis ajustamentos através de contracções, recessões e depressões. Enredados no colete de forças do crescimento económico, todo-poderosos como Mark Zuckerberg (Facebook), Bill Gates (Microsoft), Jeff Bezos (Amazon), Jamie Dimon (JP Morgan) e Warren Buffett (Berkshire Hathaway) dependem permanentemente de novas oportunidades de investimento, numa espiral que os limitados recursos do planeta não comportam.
Os trabalhos de investigação desenvolvidos, como o já citado de Peter Phillips, levaram há identificação das mais importantes redes da elite do poder global e dos seus membros; estes são o núcleo duro da classe capitalista transnacional que cumpre a função unificadora, produz ou incentiva a produção das justificações ideológicas que servem os seus interesses e faz difundir através dos meios de comunicação corporativos e estabelece os termos e limites das acções a serem implementadas pelas organizações governamentais transnacionais e pelos estados-nação capitalistas.
As elites globais do poder, que dirigem as grandes corporações do mundo, sobrepõem-se até à liderança de organizações como a Comissão Trilateral ou o Conselho do Atlântico (cujo aparelho militar, a NATO, sob a capa da defesa das liberdades opera na realidade na protecção dos interesses do capital global), financiam organizações não-governamentais e fornecem instruções directas e recomendações de políticas para governos, instituições internacionais e agências de informação.
A concentração de riqueza – expressa no facto de cerca de 80% da população mundial ter um rendimento diário inferior a dez dólares e metade menos de três dólares por dia, ou, como garante a Oxfam International, que apenas 8 mega-ricos detém uma riqueza superior à de metade da população mundial – e a protecção desmesurada de que beneficiam os mais ricos está a conduzir a Humanidade a uma crise em que a pobreza, a guerra, a fome, a alienação em massa, a propaganda dos meios de comunicação e a devastação ambiental atinge níveis que ameaçam o futuro de nossa espécie. A elite dos mega-ricos está consciente da sua situação de desbragada opulência entre a multidão empobrecida e o que mais receará será uma mobilização social que conteste o seu poder monopolista e as actividades de economia especulativa que pratica a, seu bel-prazer.
A globalização colocou um novo conjunto de exigências sobre o capitalismo e obrigando a criação de mecanismos transnacionais para apoiar o crescimento contínuo do capital, o que entra em clara contradição com a ideia de estados-nação autónomos e independentes, tradicionalmente veiculada nas economias capitalistas liberais. A crise financeira de 2008 foi um reconhecimento do sistema global de capital sob ameaça, uma situação que encorajou ainda mais o abandono do conceito de estado-nação e a formação de um imperialismo global capaz de assegurar os novos requisitos da ordem mundial para a protecção do capital transnacional.
O louvável trabalho de expor esta realidade e quem com ela vem lucrando de forma imoral deve ser divulgado, mesmo quando quem o realiza reduz os seus potenciais efeitos à expectativa de levar alguns dos grandes beneficiários do modelo a arrepiar caminho e, quiçá, abdicar dos sobrelucros acumulados… por considerar que serão os únicos que podem corrigir os desequilíbrios que criaram sem grandes convulsões sociais.