Na data do seu falecimento – 3 de Abril, em Santarém
Discurso que proferi hoje em Santarém, no início das comemorações do 25 de Abril e de evocação da data do falecimento do Fernando Salgueiro Maia.
Evocação a Salgueiro Maia
Estou aqui na honrosa qualidade de representante da Associação 25 de Abril. Com o primeiro encargo de transmitir as mais vivas e sentidas saudações da parte do seu presidente, coronel Vasco Lourenço, da sua direcção e dos seus associados a todos os que se reuniram nesta cidade para homenagear Fernando Salgueiro Maia, um dos nossos, o melhor dos nossos.
Estou aqui, em Santarém, para homenagear Fernando Salgueiro Maia, na data do seu falecimento, na honrosa qualidade de representante da Associação 25 de Abril. Mas ainda a outros vários títulos. A título pessoal.
Conheci o Fernando Salgueiro Maia nos primeiros anos do liceu, no Colégio Nun’Alvares de Tomar, teria eu onze anos e ele doze. Lembro-o de cabelo em corte de escova a passar à minha porta com a sua pasta de livros. Partilhámos a Academia Militar em anos sucessivos, depois estivemos em Moçambique, em Montepuez, e depois na Guiné. Partilhámos as primeiras reuniões do Movimento dos capitães em Bissau, a assinatura da carta que foi enviada às autoridades de então e que constituiu o primeiro ato de insubordinação colectiva dos militares. Participámos numa das mais violentas batalhas da Guiné, a operação Ametista Real e a rutura do cerco a Guidage, em Maio de 1973, num tempo de guerra que ficou conhecido como o Inferno dos 3 Gs (Guidage, Guilleje e Gadamael), em que o Fernando Salgueiro Maia revelou as mais altas virtudes militares como combatente e comandante, levando a sua companhia a regressar aos teatros de operações quando já estava preparada para embarcar no final da comissão. Uma extraordinária acção, que só um militar extraordinário levaria a cabo, como ele fez.
Prelúdio do extraordinário feito de armas na História Militar de Portugal – e não se trata de exagero panegírico – que ele conduziria no dia 25 de Abril de 1974, primeiro no Terreiro do Paço e depois no Largo do Carmo. A sua acção está documentada, mas nunca é demais salientar a coragem, a serenidade e o sentido do tempo de Fernando Salgueiro Maia: um tiro, uma ordem mais intempestiva, um gesto e tudo se podia precipitar. Só a noção do momento, das condições e também só uma enorme confiança em si e nos seus homens permitiriam a um comandante aguentar o desgaste físico e psicológico dos enfrentamentos na Ribeira das Naus e na Rua do Arsenal e, mais tarde, no Largo do Carmo, um barril de pólvora carregado de pessoas que podia explodir a qualquer momento, com consequências inimagináveis.
O Fernando Salgueiro Maia merece a admiração de todos os militares porque se colocou no mais alto grau da maestria do comandante em condições extremas de risco e dificuldade. Não há, não conheço uma situação semelhante na História Militar Portuguesa. Fernando Salgueiro Maia orgulha-me na condição de militar. É o segundo motivo porque me honra tanto estar aqui e ter esta oportunidade de o evocar.
Por fim, além do amigo, além do militar, estou aqui como português. Como português devo ao Fernando Salgueiro Maia o 25 de Abril, o derrube da ditadura, a democracia que permite exprimir a vontade colectiva em liberdade, o fim da guerra colonial, do sacrifício de uma geração mutilada, de uma geração emigrada, de uma nação ostracizada do convívio internacional, fora da História. Devo-lhe, devemos-lhe, tudo isto a ele, como expoente que representa todos os militares – e foram muitos – que ao longo dos anos de ditadura se bateram pela liberdade.
Lembro aqui os militares revoltosos dos anos 20, os deportados para a Madeira, os Açores, as colónias, os da abrilada de 47, os da revolta da Mealhada, os da revolta da Sé, os do golpe Botelho Moniz, os do assalto a Beja e, por fim os capitães de Abril, os que aqui em Portugal e nas Colónias souberam interpretar o tempo da história e os desejos do seu Povo.
Para terminar, diria que Fernando Salgueiro Maia representa, configura, os capitães de Abril e nele se reúne o que poderemos designar como o corpo militar genuinamente patriótico, que deu a força ao povo para este ter voz. Portugal teve a sorte histórica de encontrar uma geração de militares, os “capitães de Abril”, nos postos chaves das suas Forças Armadas, prontos, política e militarmente amadurecidos para o defenderem num momento dramático da sua secular história. Portugal teve a sorte histórica de dispor de Fernando Salgueiro Maia nos momentos e nos locais decisivos.
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