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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Sabem o que é o BREXIT! E o BRI?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Com quase todas as atenções mediáticas centradas na questão do Brexit, pouco relevo mereceu a cimeira UE-China, que teve lugar na véspera do Conselho Europeu que votou uma nova prorrogação para a data de saída do Reino Unido.

A cimeira foi invariavelmente apresentada como uma iniciativa votada ao fracasso, mesmo após a Itália ter firmado acordos que poderão incluir os seus portos de Trieste e Génova na chamada Nova Rota da Seda – projecto chinês que também designam por Belt Road Iniciative (BRI) e prevê a construção de uma rede global de comércio através de infra-estruturas como caminhos-de-ferro, portos, auto-estradas e túneis ligando a Ásia, o Médio Oriente, a África e a Europa – no que parece ser um estratégico desenvolvimento geopolítico que dará à China a capacidade de possuir ou controlar os portos mais vitais da Ásia, da África, de grande parte da América Latina e agora, também, da UE.

A Nova Rota da Seda

A Nova Rota da Seda

Esta incursão chinesa tem merecido a oposição de Washington e de Bruxelas, especialmente do eixo Paris-Berlin, sob o argumento que aqueles acordos bilaterais Itália-China para o desenvolvimento de portos e infra-estruturas são contrários às estratégias de transporte da UE, embora a verdadeira razão deva estar no receio de uma possível transferência do comércio marítimo dos portos do norte da Europa (Hamburgo, Roterdão e Antuérpia) para o sul, onde a China, ao expandir a sua presença portuária da Grécia para a Itália, obtém potencialmente uma enorme vantagem de infra-estrutura comercial em termos de comércio com a UE através do sul da Europa.

Recorde-se que em 2016 e aproveitando a frágil situação financeira da Grécia, a empresa chinesa China Ocean Shipping Company (COSCO que é a quarta maior empresa de transporte de contentores do mundo e a segunda maior operadora de portos) comprou o porto de Pireu, como parte do plano da Rota da Seda Marítima. O acordo então firmado incluiu a construção de um novo cais, equipado com novos guindastes o que aumentou substancialmente o tráfego anual de contentores, pois desde 2009 que o volume de carga do terminal de contentores do Pireu aumentou cinco vezes e triplicou a actividade comercial geral.

Há anos que a China está a investir discretamente em portos importantes em todo o mundo como parte de sua vasta estratégia de infraestruturas a ponto de, segundo dados do Ministério dos Transportes da China, as empresas chinesas terem participado da construção e operação de um total de 42 portos em 34 países. Foi assim que além dos substanciais investimentos no porto grego de Pireu, a COSCO se tornou em 2018 num grande investidor no segundo maior porto belga de contentores (Zeebrugge que é o segundo maior porto de contentores depois de Antuérpia, o sexto na região do Canal do Mar do Norte e o principal porto europeu para o transporte de automóveis).

Desde o anúncio oficial do BRI que a China tem investido em projectos portuários em toda a África, da Tanzânia à África do Sul e a Marrocos, mas a pedra angular é o seu investimento no Canal de Suez (a China é o principal investidor na Zona Conjunta de Cooperação Económica e Comercial China-Egipto, no Suez), que pretenderá converter na sua passagem estratégica via Oceano Índico e Mar Vermelho para o Mediterrâneo e para os mercados da UE.

A China já tem hoje sete dos maiores portos de contentores do mundo, todos modernizados e com automação de ponta, sendo o porto de Xangai o maior do mundo em volume, muito maior que Roterdão, Antuérpia ou Hamburgo; é que enquanto as redes ferroviárias de alta velocidade capturam a imaginação em torno das ligações terrestres entre a China e a Eurásia (como previsto no projecto BRI), o transporte marítimo é de longe o mais importante para o comércio da China, pois na actualidade cerca de 90% de todo o comércio mundial é feito por via marítima.

A reacção da Comissão Europeia perante este claro interesse chinês parece estar sintetizada num documento que intitulou “UE-China – Uma visão estratégica”, onde entre outros pontos afirma que a:

«China é simultaneamente, em diferentes domínios de intervenção, um parceiro de cooperação com o qual a UE tem objectivos estreitamente alinhados, um parceiro de negociação com o qual a UE tem de encontrar um equilíbrio de interesses, um rival económico na corrida para a liderança tecnológica e um adversário sistémico que promove modelos alternativos de governação»

E assinala a primeira vez que a UE classificou a China como um “rival sistémico”.

Nele se recomenda ainda um reforço da OMC para forçar a China a eliminar os subsídios da indústria estatal, o desenvolvimento de uma política industrial europeia que permita às empresas da UE competirem melhor com as grandes empresas estatais da China, quando já é sabido que a Alemanha, numa clara inversão da sua política comercial desde o pós-guerra e após uma empresa estatal chinesa ter comprado o fabricante de máquinas-ferramentas automáticas Kuka e um dos principais fornecedores mundiais de robótica e pioneiro na Indústria 4.0, planeia agora introduzir novas leis que possam bloquear a aquisição por estrangeiros de empresas consideradas estratégicas.

Embora a China apenas seja o segundo maior parceiro comercial da UE, as transacções diárias ultrapassam os mil milhões de euros mas já começam a ficar distantes os tempos em que a indústria alemã exportava carros de qualidade e máquinas-ferramenta em troca de têxteis de massa e bens de consumo baratos de produção chinesa, pois agora já há empresas chinesas a concorrer directamente no sector automóvel (como é o caso da chinesa Geely que além de proprietária da Volvo é a maior accionista do grupo Mercedes-Daimler) e até no sector químico, onde a empresa estatal chinesa ChemChina comprou em 2016 a Swiss Syngenta, um peso-pesado no “negócio” das sementes patenteadas e dos OGM.

União Europeia e a China

Por estas e outras razões, a França e a Alemanha têm resistido até agora a qualquer cooperação formal da UE com a Nova Rota da Seda enquanto pressionam outros membros da UE, como a Itália, a não fazer acordos bilaterais com a China, como se a realidade europeia não fosse em grande parte disfuncional em termos de estratégia industrial moderna.

O quadro que mostra a UE e a China como parceiros comerciais estratégicos não inviabiliza a situação onde uma e outra realidade são confirmadas quer pelo teor das conclusões da Cimeira UE-China, onde a China terá assumido o compromisso de abrir o seu mercado interno a investidores europeus, quer pelas reuniões em seguida mantidas com vários países da região dos Balcãs, bem reveladoras de quanto aquele país tem uma arreigada convicção da vulnerabilidade da Europa e quer aproveitar as profundas divergências estratégicas que há muito a dividem.


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