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Sábado, Dezembro 21, 2024

O risco da implosão europeia

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Berardo, os bancos e o futuro da Europa.

  1. Gangsterismo e banca europeia

As notícias do envolvimento das mais diversas instituições bancárias europeias – a começar pelas que foram as maiores instituições financeiras do que é o maior e mais poderoso Estado europeu – em esquemas de lavagem de dinheiro e de desvio de fundos para operações de manipulação do mercado juntam-se agora, dez anos depois, às originadas pelas autoridades americanas. Estas, recorde-se, acabaram então com multas multimilionárias (mas não com a prisão dos seus responsáveis).

Portugal deverá ter sido o recordista em operações bancárias criminosas que arruinaram a totalidade do sistema financeiro e o erário público (várias estão ainda a ser assumidas hoje), sem que as geopoliticamente mais significativas – as que passaram pelo financiamento da quadrilha internacional mais perigosa (a irano-venezuelana) – tenham sequer sido publicamente assumidas.

Das primeiras coisas que se aprendem nas escolas de economia é que a banca cria a moeda, e por isso, criar uma moeda única deixando fora de controlo os seus principais protagonistas (os banqueiros), instituindo em substituição pesadíssimos e abstrusos esquemas de controlo dos orçamentos dos Estados é uma tontice, que só se entende se tivermos em conta que foi o lóbi dos banqueiros que escreveu as regras dessa mesma união económica e monetária, com os representantes políticos sem perceber o que faziam.

O Parlamento português, instituição central em toda esta hecatombe, ciente da velha máxima de pão e circo, teve a semana passada um golpe de génio, atribuindo em exclusividade ao seu canal de televisão a explicação ao vivo da dívida bancária bilionária que nos deixou em herança um empresário crivado de comendas e honrarias (que o Estado continua a tratar como grande benemérito das artes) e que a imprensa tratou durante muito tempo como intocável.

E assim, os portugueses, privados das selfies do seu Presidente que parece estar em greve, e já saciados com as aventuras do urso pardo, ao que consta vindo ilegalmente de Espanha, que se terá alambazado com 50 Kg de bom mel transmontano, remeteram-se ao desporto do ódio ao Joe, que num instante passou a ser o responsável por todos os nossos males.

Sem prejuízo de análise mais fina de quem de direito, parece-me óbvio que o referido empresário terá na pior das hipóteses responsabilidades secundárias num golpe criminoso de manipulação de mercado financeiro cujos responsáveis actuaram em nome do Estado e cujos verdadeiros contornos e objectivos continuam a ser nebulosos.

Se porventura a Assembleia da República quer apurar responsabilidades neste drama, para além dos responsáveis das duas instituições bancárias envolvidas – BCP e CGD – deveria convidar dois dos principais responsáveis pela manipulação da opinião pública para encobrir o que se passava:

  1. Francisco Pinto Balsemão que eliminou da direcção do Expresso e da redacção quem ousou escrever sobre os problemas do Comendador Berardo com o fisco;
  2. Marcelo Rebelo de Sousa que em 2007 – quando os factos relevantes para este caso se passaram – fez o panegírico público da acção do Comendador Berardo no BCP em prol do bem público.

 

  1. As lições erradas da crise orçamental

António Costa ganhou uma batalha contra o corporativismo nacional apoiado por uma ampla coligação ‘Vodka laranja’. A responsabilidade política dessa coligação cabe inteiramente ao Presidente da República que vetou primeiro o diploma do governo em matéria salarial e que passou à clandestinidade quando se tornaram claras as consequências desastrosas da atitude que tomou, fingindo que nada tinha a ver com a crise que acicatou.

A ideia de que cada funcionário tem direito a progressões automáticas no seu vencimento décadas a fio, sem cuidar de saber a capacidade orçamental da máquina que as paga, é uma ideia peregrina e que é incompatível com qualquer Estado de Direito que queira manter algum rigor na gestão das suas finanças.

É uma ideia tão peregrina como aquela que continua a fazer o consenso da nossa classe dirigente de que a banca tem direito a estourar os milhões que quiser e o cidadão português o dever de os pagar.

O caminho sério para vencer a guerra de credibilidade pelas autoridades portuguesas seria a de tomar medidas para que, finalmente, se interrompesse o caminho de ruína traçado por um sistema de total permissividade quanto aos crimes da sua elite político-mediático-financeira.

Convém aqui realçar que não se trata de assegurar a existência de medidas dilatórias que façam com que os actos que originam a ruína sejam públicos por vezes mais de uma década depois de ser cometidos, ou as promessas de que o contribuinte não vai pagar a factura que apenas assentam na crença por parte de quem fez a promessa que já não estará lá para responder pelo seu não cumprimento.

Tratar-se-ia naturalmente de tomar medidas sérias, incluindo o domínio europeu, onde se encontra a principal raiz destas práticas abusivas.

O governo tomou antes a atitude contrária. Fez saber que tinha desbloqueado mais uns milhares de milhões para pagar buracos do BES e resolveu alinhar com o coro europeu de que nas próximas eleições é preciso ‘defender a Europa contra o populismo’ e que essa defesa se faz apoiando a personalidade que encarna de forma mais perfeita a oligarquia político-mediático-financeira europeia: Emmanuel Macron.

A atitude do Secretário-geral do PS português de declarar o apoio à lista que concorre contra a lista socialista francesa é eticamente inadmissível. Ver alguém que desempenhou cargos importantes no Grupo dos Socialistas Europeus e que continua a ser um dos seus mais importantes dirigentes trair os seus camaradas franceses é chocante.

Para além de eticamente inadmissível, para além de suicidária, ela é devastadora para a ideia de Europa, fundada, entre outras coisas, sobre a existência de partidos de dimensão europeia.

Creio que a atitude de ‘união nacional contra o populismo’ é a principal mola propulsora do dito cujo populismo. Basta a esse propósito, olhar para o BREXIT, em que o cozinhado entre a líder conservadora e o líder islamo-estalinista do Labour fez catapultar o partido inventado no último momento com o nome de BREXIT a previsível vencedor do escrutínio, com as sondagens a vaticinarem-lhe mais votos que os conservadores e trabalhistas juntos.

O que António Costa está a fazer – e pelo que vejo, em acordo com a maior parte dos outros socialistas europeus – é destruir o espaço político europeu do socialismo democrático; é destruir um dos pilares fundamentais da construção europeia; é passar um cheque em branco à oligarquia e é convidar os cidadãos europeus a promover um BREXIT à escala europeia, ou seja, à implosão da Europa.

  1. Horizontes

Resolveu o sindicato dos banqueiros assinalar também que os cidadãos portugueses deveriam passar a pagar pela utilização da sua carta bancária. Curiosamente fizeram-no na mesma semana em que o Economist faz uma grande reportagem sobre a substituição dos cartões bancários e dos seus bancos emissores por novas empresas que disponibilizam os serviços de pagamento por telemóveis, que começam a ser dominantes nos mercados asiáticos.

Creio que o futuro vai passar por aí, por um novo sistema financeiro com novos protagonistas que façam passar à história os nossos banqueiros e os seus multibancos. Penso que é essencial entender estas transformações que estão a revolucionar o mundo e compreender o que há a fazer para que estas nos libertem do jugo plutocrático em que vivemos.

No domínio político, o grande problema é o de saber se a implosão da actual arquitectura europeia conduzirá a uma hecatombe de dimensões históricas e se, assim sendo, se torna imperioso encontrar meios para a evitar.

Pessoalmente estou convencido que sim. A destruição da Europa que temos terá consequências trágicas, pelo que necessitamos de a salvar, e salvá-la desde logo dos que creem ser os seus donos. Precisamos de uma Europa popular, solidária, democrática, transparente, responsável, aberta à inovação e à diferença que se erga pelos valores humanos e que saiba desembaraçar-se dos que se apropriaram de si.

E se é verdade que há na Europa responsabilidades fundamentais neste processo – o regabofe bancário coincide com a construção da moeda única – é óbvio que isso só assim aconteceu porque a oligarquia portuguesa quis que assim acontecesse. Um sistema político-financeiro que nos permita, nomeadamente por mecanismos mais sofisticados de separação e controlo de poderes, gerir de forma mais democrática, aberta e responsável os nossos assuntos públicos é uma condição indispensável para um futuro melhor.


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