Portugal destoou da vaga de participação eleitoral europeia aumentando o número dos abstencionistas e afirmando-se como um dos países com as maiores taxas de abstenção. Muito se tem falado mas pouco se tem acertado na caracterização do fenómeno.
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Abstenção
Em primeiro lugar, antes de ser um fenómeno popular, trata-se de uma idiossincrasia político-burocrática. Temos em Portugal uma ‘Comissão de Protecção de Dados’ que está à margem da realidade e que pensa que pode proibir o avanço tecnológico. Queira esta comissão ou não queira, há um admirável mundo novo que nos desnuda (não estamos já longe das máquinas de leitura do pensamento). A Comissão não tem poder nem competência para influir sobre essa realidade, apenas tem e deve exercer poder e competência no controlo ao uso feito dos dados recolhidos.
O primeiro passo a dar é assim o de abolir todas as restrições aos cruzamentos de dados pela administração pública, impondo apenas regras claras e aplicáveis de proibição de utilização abusiva desses cruzamentos.
Quando se diz às freguesias que elas são financiadas em função do número de eleitores e não do número de residentes, elas farão tudo o possível para atrasar o registo dos que morrem ou dos que partem, inflacionando os cadernos. As alterações dos últimos anos que, finalmente, eliminaram o número de recenseamento eleitor, reduzindo-o ao número do cidadão (e o mesmo deveria acontecer com o da segurança social e o fiscal) são um passo positivo, mas se depois se impõe o voto presencial a eleitores no estrangeiro que podem morar a enormes distâncias dos consulados disponíveis, é claro que vamos atingir abstenções exponenciais.
A possibilidade do cidadão emigrante português residente na Europa escolher entre o país de cidadania e o país de residência levou a administração portuguesa a, na base de um cruzamento de dados com a administração belga, privar do direito de voto um imenso número de cidadãos portugueses residentes noutros países europeus, porque a administração usou o cruzamento de dados de forma contrária à do respeito pelo cidadão que lhe era exigível.
Se é o cidadão que é responsável criminalmente se votar duas vezes, é ao cidadão que se deve perguntar onde ele quer votar e não substituir a sua decisão por mecanismos burocráticos que não asseguram a sua livre escolha.
Depois, em Portugal o cidadão não tem direito a escolher em quem vota dentro da lista da sua preferência, o que naturalmente o convida a ignorar um exercício onde ele é obrigado a confiar em mecanismos opacos de representação partidária.
Mas, mesmo que tudo isto fosse resolvido, acredito que a taxa de abstenção se manteria elevada.
Aqui, devo exprimir a minha total discordância com as duas explicações mais em voga. A primeira é a de que a oferta não é suficiente. O número de partidos concorrentes aumentou muito substancialmente e isso não teve qualquer impacto na abstenção, o que mostra que isto não é verdade.
Depois temos a explicação de que a culpa é dos políticos, o que fundamentalmente atribui aos cidadãos um estatuto de menoridade e de inimputabilidade característico de regimes paternalistas mas incompatível com o de regimes democráticos. Esse discurso cauciona e incentiva a abstenção e é ele mesmo a principal causa do fenómeno. É fundamental dizer que é o cidadão o responsável pela sua acção ou pela sua inacção e que os políticos fazem exactamente o que o cidadão os deixa fazer.
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A Europa a navegar à Bolina
A única tendência europeia que me parece claramente discernível nestas eleições foi a do crescimento em partidos que se apresentam como ecologistas (mesmo que por vezes, as suas credenciais sejam duvidosas).
Acho este desenvolvimento positivo, porque creio que este é um dos maiores desafios que temos pela frente. Posto isto, por exemplo, por várias razões, eu não apoiei o PAN. A primeira é a de que sendo eu claramente favorável ao bem-estar animal, não entro em extremismos ‘especistas’ que fazem com que prestemos mais atenção aos animais que às pessoas. A segunda é a de que achei o partido ‘verde’ no segundo sentido da palavra. Por exemplo, propor o voto aos 16 anos em vez de fazer propostas para que a participação eleitoral dos jovens aumente parece-me demagógico; não falar da maior ameaça ambiental que pesa sobre nós que é a da guerra nuclear, e não entender que esta é promovida pelo fanatismo religioso, é algo que não aceito.
Para além deste particular, não creio que possamos falar de vagas europeias, nem mesmo de vagas populistas ou nacionalistas. Na Dinamarca – um dos primeiros países a registar uma exponencial subida de um partido popular anti-imigrantes – o Partido Popular passou de primeiro a terceiro com pouco mais de um terço do peso anterior; na Alemanha, o AfD diminuiu o seu peso relativamente às últimas legislativas (embora o tenha reforçado em relação às europeias); mesmo em França, o partido de Marine Le Pen continuou a ser o primeiro mas com menos peso que anteriormente.
Os socialistas, como era esperado, observaram uma quebra acentuada, mas mesmo assim com importantes excepções como Portugal, Espanha e Países Baixos, com outros países a observarem alguma estabilidade. Se o declínio dos socialistas é inelutável, não creio que a sua existência como grupo autónomo esteja em causa, apesar das posições suicidas de António Costa que, se levadas à letra, poderiam levar à diluição socialista numa nebulosa macronista. Tanto ou mais importante do que isso é que, com raras excepções (como a Bélgica) os socialistas não viram reforçar-se à sua esquerda uma alternativa. A extrema-esquerda foi mesmo mais derrotada ainda do que a esquerda socialista.
Os populares europeus perderam posições perante os liberais, espelhando em larga medida o que se passou em França, mas nada que me pareça definitivo e que não possa ser invertido. O Partido Popular Europeu vai ficar dependente do que se passar com a sua componente húngara.
O Centrão europeu terá necessariamente de se modificar, alargando-se à família liberal e eventualmente aos Verdes, o que por si mesmo não representa uma ameaça vital ao ‘business as usual’ europeu.
O que me parece mais perigoso neste desenvolvimento é a possibilidade de deixarmos de ter uma Europa de partidos (ou seja, uma Europa onde convivem perspectivas diferentes) para passarmos a ter o partido da Europa e o partido contra a Europa, ou seja, passarmos a ter uma União Europeia moldada à imagem da União Nacional de má memória.
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A aposta ganha de Costa
Sob a batuta do Presidente da República, os partidos não-governamentais, à esquerda e à direita, ensaiaram uma ‘coligação vodka-laranja’ que faria explodir o orçamento e aniquilaria o único factor de estabilidade no Governo que é o Ministro das Finanças.
A fotografia dos dirigentes dos quatro partidos (PCP; BE; CDS e PSD) a cozinhar a lei em comissão tornou-se viral e fez com que António Costa aproveitasse a oportunidade para ameaçar bater com a porta acaso a nova maioria se concretizasse.
A aposta foi ganha, com o Primeiro-ministro a transformar habilmente as eleições europeias num referendo à estabilidade do seu governo e os portugueses a rejeitar o cocktail dando a Costa a confiança que lhes foi pedida.
Posto isto, ninguém discutiu seriamente a Europa ou sequer a competência e o acerto das posições dos vários candidatos, sendo que António Costa cozinhou a lista em família e nem sequer se deu ao trabalho de esclarecer quem ele propunha para Comissário Europeu.
Pior do que isso, passou boa parte da campanha a enaltecer o Presidente da República francesa e a sua ambição de ser o vencedor do escrutínio, desrespeitando os seus camaradas socialistas franceses, o que eu acho imperdoável e inqualificável.
António Costa ganhou a aposta, apesar dele mesmo mais do que graças a ele mesmo. Pessoalmente, dei-lhe o meu voto apenas por razões nacionais – creio ser importante assegurar uma presença europeia das regiões autónomas e penso que o cocktail vodka-laranja seria muito pior do que a geringonça – mas apesar da sua incapacidade de reformar a vida político-partidária, da sua ausência de visão europeia ou mesmo de qualquer reforma no país digna desse nome.
Se António Costa se convencer que a vitória nacional está no papo e que tudo lhe é permitido, pode vir a ter más surpresas.
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