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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Baixos ordenados dos profissionais de saúde do SNS financiam Privados

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Neste estudo analiso com pormenor a situação dos profissionais de saúde do SNS, pois não há SNS sem os seus profissionais, utilizando dados do Ministério da Saúde e do INE que mostram que se continua a despender com estes profissionais em 2017 (últimos dados disponíveis) menos do que em 2010, quer em valores nominais (antes da dedução do efeito  corrosivo da inflação) quer em termos reais (depois de deduzir os efeitos da inflação).Neste estudo com o titulo “É urgente que a Assembleia da República e o Governo debatam a situação difícil dos profissionais do SNS se quiserem evitar a destruição do SNS” analiso a situação dos profissionais de saúde no SNS. E isto porque no estudo anterior, Haverá futuro para o SNS 40 anos após a sua criação? com dados de fontes oficiais (INE, OCDE, Eurostat) mostrei a situação quer da saúde em Portugal quer aquela a que chegou o SNS devido ao subfinanciamento crónico e à promiscuidade público-privado que continua a afectar o SNS e a destruí-lo. Neste estudo, analiso com mais pormenor a situação dos profissionais de saúde do SNS, pois não há SNS sem os seus profissionais, utilizando dados do Ministério da Saúde e do INE que mostram que se continua a despender com estes profissionais em 2017 (últimos dados disponíveis) menos do que em 2010, quer em valores nominais (antes da dedução do efeito  corrosivo da inflação) quer em termos reais (depois de deduzir os efeitos da inflação). E que o poder de compra dos profissionais de saúde do SNS em 2019 continua muito  ser inferior ao que tinham em 2010. E que a forma como o Estado trata estes profissionais é a melhor ajuda que é dada à formação e ao funcionamento dos grandes grupos privados de saúde e de destruir o SNS, pois fomenta a promiscuidade público-privado a nível do SNS empurrando estes profissionais  para uma espécie moderna de “praça de jorna” de trabalho qualificado onde os grandes grupos privados de saúde os contratam à peça pagando a eles apenas uma percentagem do que cobram aos doentes, não tendo de suportar quaisquer outros encargos com pessoal.

É urgente que o governo e a Assembleia da República debatam a situação destes profissionais, acabando com a promiscuidade publico-privado que domina e que está destruir  o SNS e a promover a explosão do negocio privado de saúde em Portugal e que, em troca da exclusividade que deve exigir aos seus profissionais, lhes ofereça, como contrapartida, carreiras e remunerações dignas o que não acontece actualmente. Infelizmente nenhuma das propostas de nova lei de bases da saúde neste momento em debate final na Assembleia Republica inclui qualquer medida concreta (tudo continuará na mesma se alguma delas for aprovada tal como está) para resolver este grave problema que está destruir o SNS e a tornar cada vez mais difícil o acesso dos portugueses a cuidados de saúde.

Espero que este estudo possa contribuir para alertar os portugueses e para a necessidade que eles intervenham na defesa do SNS vital para eles e suas famílias e para o combate para as graves que continuam a aumentar em Portugal.

 

Estudo

É urgente que a Assembleia da República e o Governo debatam a situação difícil dos profissionais do SNS se quiserem evitar a destruição do SNS

No estudo anterior (Haverá futuro para o SNS 40 anos após a sua criação?) analisamos a situação da saúde no país e nomeadamente a situação critica que enfrenta actualmente o SNS. Neste estudo analisamos a situação dos profissionais do SNS, pois não há SNS sem profissionais. E isto tudo porque neste momento está em debate final na Assembleia da República uma nova lei de bases de saúde que poderá deixar tudo na mesma, continuando a situação do SNS a degradar-se e os portugueses a terem cada vez maiores dificuldades no acesso a cuidados de saúde. E é importante que os portugueses não se aleiem deste debate pois o SNS é vital para a sua vida e dos seus familiares: ter o SNS ou ter de pagar para ter acesso à saúde, eis o dilema. É preciso dizer que o SNS está a ser destruído não é só pela existência das Parcerias Público Privadas na saúde como alguns pretendem fazer crer.

As PPP são um aspecto do problema que deverá ser corrigido, mas reduzir os males do SNS à existência das PPP (defendo que pelo menos se limitem as PPP às infraestruturas o que era um avanço, e estas não entrem nos cuidados de saúde pois estes tratam da vida humana e por isso nunca deviam ficar sujeitos à lógica do mercado privado de saúde); repetindo, reduzir os males do SNS às PPP e concentrar todo o discurso e acção politica na sua eliminação, como tem acontecido é, a meu ver, um grave erro técnico e politico, pois mesmo que se acabe com elas a destruição do SNS não terminaria nem as dificuldades do SNS diminuiriam. É mais uma ilusão que se está a criar aos portugueses.

Para quem esteja mergulhado no negócio privado da saúde com acontece comigo por motivos profissionais, como representante dos beneficiários no Conselho Directivo da ADSE, e lide diariamente com os grandes e pequenos grupos privados da saúde, e os conheça bem como se constituem e funcionam, sabe que a destruição do SNS e a promoção do negócio privado de saúde em Portugal está a ser feita à custa da promiscuidade pública-privada dos profissionais de saúde que trabalham simultaneamente no sector público (SNS) e no sector privado (Hospitais privados). E isto acontece porque o Estado trata muito mal os seus profissionais de saúde, pagando-os mal, não assegurando uma carreira digna, não impondo a exclusividade só possível com salários e carreiras dignas (os profissionais de saúde devem ter a liberdade de optar pelo sector publico ou pelo sector privado, mas não podem é trabalhar simultaneamente nos dois como acontece actualmente) e, para além disso, através do subfinanciamento crónico do SNS.

O Estado ao tratar estes profissionais da forma como o faz, está a empurrá-los para a exploração dos privados (para funcionar, os hospitais privados têm uma lista de dezenas ou mesmo centenas de médicos e outros profissionais, a maioria deles de hospitais públicos que chamam quando precisam, e que pagam à peça – normalmente uma percentagem do preço que cobram ao doente – uma espécie de “praça de jorna” moderna de trabalho qualificado à semelhança do que existiu Alentejo, não tendo de suportar quaisquer outros encargos de pessoal). Assim, é alimentado o negócio privado de saúde em Portugal à custa do sector público, destrói-se o SNS de uma forma invisível mas eficaz, pois este perde os seus melhores profissionais, reduz-se a produtividade dos que nele permanecem, e degrada-se a consciência ética vital numa profissão que lida com a vida humana.

Mas disto ninguém fala, nem na Assembleia da República nem fora dela, não existindo em nenhuma das propostas de nova base de lei de saúde na Assembleia da República qualquer medida concreta para resolver este problema grave. Se juntarmos a isto o subfinanciamento crónico do SNS de que é prova a Execução orçamental de Maio-2019 divulgada pelo Ministério das Finanças em que o SNS acumulou, só nos primeiros 4 meses de 2019, um saldo negativo 137,8 milhões € (mais 28%do que o de 2018) , tudo isto dá bem uma ideia do desfasamento do discurso politico actual e das suas propostas em relação ao SNS e, assim, da realidade que os portugueses enfrentam quando recorrem quer aos hospitais PPP quer aos Hospitais do SNS de gestão pública com grandes dificuldades para satisfazer a procura crescente.

Os encargos actuais com pessoal no SNS continuam a ser inferiores aos de 2010

O discurso político fala muito em recuperação de rendimentos dos trabalhadores da Função Pública, criando a ilusão que estes trabalhadores tiveram um aumento de poder de compra o que não é verdade. O que se verificou foi uma reposição dos cortes e nem na sua totalidade como prova o quadro 1.

 

Quadro 1 – Encargos com pessoal nos Hospitais SA e EPE – 2010/2017 – Dados do Ministério da Saúde

Fonte: Relatório social do Ministério da Saúde e do SNS – 2017 – Ministério da Saúde

 

Como revelam os dados do próprio Ministério da Saúde constantes do quadro 1, entre 2010 e 2017, os encargos com as remunerações base e com os suplementos dos trabalhadores do SNS diminuíram em termos nominais (antes de deduzir os efeitos da inflação) em -5,6% e, em termos reais, ou seja, após a dedução dos efeitos da inflação, em -13,4%. O que se verificou neste período, foi um violento corte nos rendimentos que estes trabalhadores recebiam nomeadamente em 2012, sendo depois gradualmente repostos os cortes nos anos seguintes nomeadamente a partir de 2013, mas principalmente em 2016 e 2017. No entanto, os valores de 2017 continuam a ser inferiores aos de 2010 num país cada vez mais envelhecido onde as necessidades de cuidados de saúde são cada vez maiores. Nos dados anteriores ainda não estão deduzidos os enormes aumentos de IRS e dos descontos para a ADSE. E muito menos a inflação. Falar de reposição de parte (excepto IRS e ADSE) dos cortes é falar verdade, mas de recuperação de rendimentos já não é, pois como se vai provar o seu poder de compra de 2019 é inferior ao de 2010.

A redução da remuneração base média real dos profissionais de saúde 2010 e 2019 foi maior devido aos enormes aumentos do IRS e da ADES, e assim não é possível reter os melhores no SNS

Os dados do quadro seguinte dão uma ideia mais aproximada da situação dos profissionais de saúde no SNS e da necessidade urgente de debater a sua situação se não quiser a destruir o SNS. Para tornar a situação mais clara compararmos a remuneração actual com a de 2010, antes dos cortes de Sócrates nas remunerações que iniciou a destruição da Administração Pública.

 

Quadro 2 – A variação da remuneração base média mensal liquida entre 2010 e 2019

 

Em 2019, com excepção dos Assistentes operacionais, a remuneração base média líquida nominal (antes da dedução da inflação) de todos profissionais de saúde continua a ser inferior à de 2010. E entre 2010 e 2019, o poder de compra da remuneração base líquida mensal registou uma diminuição que varia entre -2,6% para os Assistentes operacionais e -18,6% para os médicos (é preciso não esquecer que para ser médico é necessário uma licenciatura de 5 anos mais 5 anos de internato, não é licenciatura de Bolonha de 3 anos). É fundamental que o discurso de esquerda seja um discurso de verdade e que as inverdade e meias verdades não sejam utilizadas para ganhar votos pois assim perde toda a credibilidade junto dos portugueses e que haja uma coerência muito grande entre o que se afirma e a prática politica no dia a dia e na relação com as outras forças politicas. E é urgente debater a situação destes profissionais se não quiser (em actos e não só em grandes declarações), a destruição do SNS.

41,8% dos profissionais do SNS já trabalham 40 ou mais horas: Por que razão não se pratica a exclusividade associada a uma carreira e a uma remuneração digna? Será para ajudar os privados?

Contrariamente ao que se pensa, muitos profissionais de saúde já trabalham no SNS 40 ou mais horas como revela o quadro 2 do Relatório do Ministério da Saúde (2017)

Quadro 3 – Repartição dos trabalhadores do SNS por grupos profissionais e horários de trabalho-2017

 

De 125.364 profissionais de saúde que existiam no SNS em 2017, 52.371, ou seja, 41,8% já trabalhavam 40 ou mais horas no SNS. Entre os médicos, essa percentagem atingia 75%, pois dos 27.140 médicos que trabalham no SNS, 20.372, já trabalham 40 horas ou mais. Não seria altura de “oferecer” a estes médicos uma remuneração e uma carreira digna em troca da exclusividade como aos outros profissionais? Uma questão para reflexão das organizações dos profissionais de saúde se se quiser salvar o SNS. Não há mais tempo para hesitações: ou se está com o SNS ou não se está. As boas intenções e as grandes declaração já não bastam.




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