Embora hoje possa ser difícil entender como os seres humanos primitivos enfrentaram as duras condições de vida da sua época, é de supor que o tenham feito em conjunto, ou seja, mediante estratégias de associação e de cooperação; mesmo que em regiões diversas tenham surgido soluções diferentes para problemas iguais, todos precisaram de reunir as condições básicas à sua subsistência e à sua segurança. Todos precisavam de todos! A sobrevivência assim o exigia.
A base natural destas concertações, inicialmente construídos ao nível da família ou do clã, é o que hoje chamamos política e utilizamo-la para dirigir, organizar e administrar os territórios (das mais pequenas freguesias, passando pelos concelhos e as nações, até às maiores confederações), no pressuposto que o fazemos na defesa dos interesses da maioria dos cidadão que os habitam. Ao longo dos tempos registaram-se evoluções e retrocessos no processo de formação dos mais variados regimes políticos e mesmo sabendo já que a diferentes regimes correspondem invariavelmente diferentes processos económicos, ainda hoje continuamos a debater a grande questão de saber qual o melhor. Cada regime tem sua própria versão de economia política; o capitalismo, o comunismo e a social-democracia, por exemplo, são economias políticas e cada uma tem numerosas variações. As economias não existem isoladamente e qualquer tentativa de alterar as práticas económicas de uma sociedade requer uma mudança correspondente nas suas práticas políticas.
A comparação entre as prática económicas das diferente sociedades só é possível se forem compreendidas as diferenças políticas; a sociedade capitalista ocidental foi organizada para produzir níveis cada vez mais elevados de Produto Interno Bruto, entendido como o valor de todos os bens e serviços anualmente produzidos e é calculado como o somatório de todo o dinheiro gasto no consumo das famílias, empresas e governos. Quando o PIB de um ano é maior que o do ano anterior, fala-se em “crescimento” da economia e é isso o que a cultura capitalista ocidental se esforça para alcançar, fazendo com que o crescimento económico traga bens e serviços para todos e quanto mais crescimento melhor! Assim se transformou o crescimento na solução para todos os problemas humanos.
Seria bom se assim fosse, mas observando com maior atenção o que o PIB mede é apenas a quantidade de dinheiro que é transferida dos compradores para os vendedores. E isso é tudo o que parece preocupar a sociedade ocidental e os seus dirigentes. As economias ocidentais têm vindo a ser organizadas com o mero objectivo de assegurar aquela transferência e o sucesso que se lhes conhece é confirmado pelo fracasso na promoção de soluções para as camadas de rendimentos mais baixos.
Onde se encontra hoje a preocupação em saber quantos dos empregos que restam oferecem ainda salários suficientes para proporcionar um nível de vida digno ou até alguma capacidade de poupança aos seus titulares? E quando se fala em subir o salário mínimo alguém se preocupa efectivamente em garantir que o rápido aumento dos preços não anule esse efeito?
Depois de termos assistido à ascensão do imperialismo como estádio supremo do capitalismo, com a prevalência das teses neoliberais da financeirização da economia, do lucro a qualquer preço e do consumismo como padrão a seguir e a impor em todas as regiões, vivemos cada vez mais uma fase em que o ser humano apenas interessa como consumidor. Para trás ficaram as gerações de pensadores, investigadores e financiadores que contribuíram para um processo evolutivo que todos entendiam e aceitavam que, tarde ou cedo, viria a beneficiar a generalidade das populações; o futuro, o luminoso e radiante futuro que a IA e a biotecnologia prometem agora, parece cada vez mais destinado à ínfima minoria que o possa pagar.
Perante este cenário é lícito formular a questão de saber se nós, os cidadãos ocidentais, seremos suficientemente honestos e empenhados para obrigarmos a mudanças nas práticas políticas necessárias para possibilitar as indispensáveis alterações nas respectivas práticas económicas?
Duvido! O Ocidente tem-se acostumado a ignorar os necessitados, porque os parcos recursos que lhes têm calhado no processo distributivo da riqueza são manifestamente insuficientes para que o mercado lhes reconheça interesse e potencial e não serão piedosos discursos pedindo «Dêem-nos alguma coisa em que acreditar» que farão diferença significativa. As mudanças terão que ser profundas nas esferas económica, política, social e terminado na ambiental, e sem perder de vista que uma sociedade primitiva não poderia tomar a opção de marginalizar uma parte considerável de si própria e sobreviver, mas as sociedades desenvolvidas de hoje podem. Os necessitados não são precisos. As pessoas deixaram de importar.
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