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Sábado, Dezembro 21, 2024

O ambiente ameaçado pela psicose apocalíptica

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Contrariamente ao que a campanha apocalíptica nos quer convencer, as soluções existem, e creio mesmo que têm menos custos e mais vantagens do que se tem apregoado. Trata de tudo investir no nosso conhecimento, na nossa energia e na nossa atenção para encontrar as soluções que combatam as catástrofes ambientais presentes e previnam as futuras, permitindo-nos usufruir de um ambiente mais são.

  1. Os novos cavaleiros do apocalipse

O discurso relativo ao ‘clima’ tem ganho contornos messiânicos que fazem lembrar os das seitas medievais milenaristas, embora seja verdade que este tipo de crença não seja específica da Idade Média ou mesmo da religião cristã, tendo-se apenas tornado historicamente mais famoso entre nós nessa época.

As crenças apocalípticas contemporâneas levaram já a suicídios em massa, como aconteceu com a célebre colónia de Jim Jones nas Caraíbas, mas tornaram-se especialmente perigosas após a revolução islâmica iraniana que as utilizou como instrumento de terrorismo suicidário de massas.

Realce-se que o fundador da teocracia iraniana e deste terrorismo suicidário de massas utilizou como imagem de marca a fanatização de crianças, que apareciam primeiro a pregar a verdade revelada e depois se faziam explodir contra os tanques do inimigo ou eram simplesmente utilizadas para fazer rebentar campos de minas.

Ganhou recentemente notoriedade um movimento que se autointitula de ‘Greve aos nascimentos’, opção que justifica com o apocalipse ambiental proveniente das alterações climáticas trazidas pelo homem.

Os seus membros não propõem o suicídio, limitam-se por ora a propor uma greve aos nascimentos, greve que o seu manifesto não permite entender de forma clara em que condições pode acabar.

O movimento afirma não querer impor planos de controlo demográfico obrigatório e reclama não querer obrigar outros a seguir a sua opção, mas o nexo causal entre o fim dos nascimentos e o fim das alterações climáticas antropogénicas, mesmo que não assumido explicitamente, é impossível de ignorar.

Trata-se da mesma agenda reacionária de sempre que culpa as pessoas pela sua existência, em vez de ver nas pessoas as virtualidades para mudar e fazer um mundo melhor.

Simultaneamente, assistimos este ano a ‘greves pelo clima’ formalmente desencadeadas por crianças ou adolescentes, enquanto o debate sobre o ambiente foi substituído por discursos emocionais das quais a mais famosa foi a de uma adolescente sueca que, então com 15 anos de idade, foi a principal oradora da conferência anual de 2018 das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Em vez de explicar como é possível que domínios onde a ‘revolução climática’ é da responsabilidade directa de agências das Nações Unidas – como o transporte aéreo ou marítimo – se tenha evoluído menos ou pior do que os domínios onde a responsabilidade é dos Estados, como o transporte automóvel ou o consumo doméstico de energia, tivemos uma peça de teatro!

Mais recentemente, uma organização australiana denominada de ‘Breakthrough’ (Centro Nacional para a Restauração Climática) produziu um relatório onde se esboça um cenário negativo para 2050, com vastos movimentos migratórios, caso não sejam tomadas medidas contra o aquecimento global. O relatório foi inflacionado pela imprensa e redes sociais que o apresentam mesmo como um relatório científico que prevê o fim-do-mundo em 2050.

A introdução do relatório, assinada pelo Almirante Chris Barrie, embora em tom geral apocalíptico, tem mesmo duas notas de bom senso que raramente se encontram no movimento ‘pelo clima’; a primeira é a de que é a guerra nuclear a principal ameaça ambiental enfrentada pela humanidade – não o clima – e a segunda é a de deplorar que seja dada mais atenção aos cenários apocalípticos do que à investigação para os evitar.

Mas o tom apocalíptico impera! Na página 6, cita-se a tese de Will Steffen de acordo com a qual um aumento de temperatura de dois graus ou possivelmente menos, levará a terra a um ponto de não retorno, ou seja, a uma situação em que o aumento de temperaturas se auto-alimentará.

É uma tese que como qualquer outra necessita estudo, conhecimento e debates racionais. No entanto, na página 3 do mesmo relatório cita-se o mesmo autor que nos diz que ‘as mudanças climáticas não são um problema tecnológico ou científico, são uma questão de valores socio-políticos do domínio das humanidades’.

  1. O apocalipse possível e os meios de o esconjurar

A crítica ao messianismo apocalíptico deve começar por um ponto essencial: o apocalipse é mesmo possível, não é algo que se possa ou deva ignorar. A questão é não cair nem na cegueira negacionista que pensa que a forma de eliminar os perigos é deixar de os ver, nem no seu oposto: a obsessão catastrofista que convida à resignação, à irracionalidade, à violência ou mesmo ao suicídio, por nada haver a fazer de racional para evitar o apocalipse, contribuindo para tornar a catástrofe mais provável.

O segundo ponto a ter em conta é o de nos situarmos no racionalismo trazido pelas luzes. Os perigos apocalípticos devem ser vistos racionalmente e não devemos permitir a sua manipulação emocional, não só porque é com a racionalidade que poderemos fazer-lhes face, mas fundamentalmente porque a emoção é algo facilmente manipulável, como o fanatismo religioso em geral, e em particular o jihadismo contemporâneo, demonstram à saciedade.

Olhando portanto para os desafios ambientais da humanidade nesta dupla base, com um equilíbrio realista e de forma racional, penso que temos um nível de debate cidadão, que necessita de um mínimo de capacidade técnica para ser entendido e prosseguido e temos níveis tecnicamente cada vez mais exigentes em que o debate será mais elitista.

Peguemos na questão do plástico por exemplo. Todos entendemos que a contaminação do nosso meio ambiente por plástico é um enorme problema, que polui tudo o que nos rodeia, asfixia espécies selvagens e entra no nosso sistema alimentar. Temos também a noção das vantagens que nos trouxe o plástico para as nossas vidas e teremos alguma ideia sobre as formas como poderemos evitar a sua utilização com mais ou menos custos para o nosso dia-a-dia.

Daí a termos o comum dos mortais a discutir com segurança o impacto do plástico que absorvemos na nossa saúde ou a fundamentação científica para considerarmos que ele nos fez entrar numa nova era planetária, a era do ‘antropoceno’, a distância é grande. Para entendermos a importância de combater a poluição pelo plástico não temos que necessariamente nos envolver em debates que estão para além das nossas capacidades, nem temos que odiar, insultar, proscrever quem eventualmente tenha uma opinião diferente na matéria.

Com a informação disponível, e tendo naturalmente em consideração as condicionantes humanas dos perigos ambientais, creio que deveria ser consensual que, como o admite o Almirante Barrie, o ‘apocalipse nuclear’ é a ameaça mais séria que enfrentamos. Isso deveria bastar-nos para ver o absurdo que foi ver que o primeiro efeito do discurso climatológico contemporâneo foi propor a expansão da energia nuclear.

Temos de considerar as várias fontes de poluição existentes, de que o comum dos mortais tem apenas uma ideia difusa e não exaustiva. Lembro a esse propósito notícias recentes que dão as vulgares cozinhas ou mesmo os grelhados a carvão como fontes de poluição com maiores impactos directos na saúde humana do que os escapes dos automóveis.

E depois temos os efeitos, no mar, na terra, no ar; nas plantas e nos animais, que vão desde os mais óbvios – a desertificação da terra e do mar, a deflorestação, a extinção das espécies, porque são perseguidas, vêm os seus habitats destruídos, se adaptam mal à poluição ou por outros efeitos da acção humana (como o transporte intencional ou não de espécies para fora dos seus habitats) até aos mais complexos, que são os efeitos sobre o clima.

  1. Ambiente e clima

Há quase quatro anos, no contexto de uma sessão paralela à vigésima ‘conferência dos membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas’ (UNFCCC COP’s acrónimos em língua inglesa) organizada em Paris pelo grupo de reflexão que dirijo (South Asia Democratic Forum, SADF) que reuniu peritos e deputados da China, Índia, Brasil e Europa (incluindo co-prémios Nobel), defendi que era imperioso voltar ao espírito do Rio (comunicação disponível em For an inclusive sustainable development strategy).

E com o espírito do Rio quis dizer uma aproximação integrada em que todos os domínios ambientais acima mencionados estavam considerados. Mais, atribuí ao facto de se terem organizado de forma independente o quadro legal e de supervisão um dos maiores erros do post-Rio.

Dediquei, mais recentemente, um estudo à deficiente integração existente nos ‘objectivos de desenvolvimento sustentável’ das Nações Unidas. As razões da necessidade absoluta para essa integração são relativamente evidentes e são de duas ordens.

A primeira é que a generalidade das medidas que tomamos no domínio ambiental têm impactos importantes em vários quando não em todos os domínios da agenda integrada do Rio.

Peguemos, por exemplo, na energia solar. Ela permite a não utilização de formas de combustível de meios vivos ou fósseis – com grandes vantagens para a preservação da natureza e combate à desertificação; combate a pobreza e democratiza o acesso à energia (o Sol brilha para todos) para além de que pode ter uma influência climática apreciável em três valências: conversão de energia térmica em energia cinética; menor disrupção do ciclo vital traduzido em novas emissões de gases com efeito de estufa como o óxido de azoto N2O, ou o ozono O3, ou ainda através de dióxido de carbono, CO2 ou metano CH4, vindo de fontes fósseis, ou seja, fontes cujos ciclos naturais de formação terão levado eternidades e que agora estamos a libertar em poucos anos.

À parte isso, apesar da pequeníssima ou quase nula atenção que lhe foi dada pela UNFCCC, de a generalidade da atenção que lhe foi dada ter sido a meu ver errada (feed-in tariffs, ou seja, sistemas híper-burocráticos e ineficazes de cruzamento de preços) e de continuar a ser discriminada, ela é hoje largamente concorrencial com soluções alternativas ambientalmente menos aconselháveis. A energia solar – talvez o menos problemático instrumento ambiental – tem também condicionantes, mas creio que menores do que todas as alternativas que temos visto ser defendidas.

Se não tivermos esta visão ambiental de conjunto, poderemos ser levados a preferir a energia nuclear, os ‘poços de carbono’ ou ainda as múltiplas opções de engenharia climática como os reflectores solares em órbita ou pulverização química da atmosfera, com base na ‘descarbonização’ e ignorando todos os outros impactos ambientais. Pela minha parte, creio mesmo que os lóbis ligados a algumas destas soluções (todos eles implicando soluções big-business) não são alheios à opção errada de aproximar o clima separadamente dos outros desafios ambientais.

A segunda ordem de razões é a de que o clima é algo de extremamente complexo e que não é fácil de tornar uma variável objectiva, sendo fácil de manipular e tornar em bode expiatório universal.

É assim que me habituei a ver a defesa de uma gestão catastrófica da água potável ou do mar com o argumento de que todos os efeitos negativos dessa gestão anti ambiental eram efeitos das ‘mudanças climáticas’ – expressão nebulosa onde causas e efeitos se confundem num mote que se tornou místico e que para tudo serve.

Aqui, como nas cimeiras climáticas, a opção mais fácil para não tomar as medidas que são as mais racionais mas que podem ser contrárias a alguns interesses instalados é a de nos escondermos atrás de chavões esvaziados de conteúdo, ou peças teatrais que exploram a emoção para esconder o que não se fez ou o que se fez mal.

Contrariamente ao que a campanha apocalíptica nos quer convencer, as soluções existem, e creio mesmo que têm menos custos e mais vantagens do que se tem apregoado. Trata de tudo investir no nosso conhecimento, na nossa energia e na nossa atenção para encontrar as soluções que combatam as catástrofes ambientais presentes e previnam as futuras, permitindo-nos usufruir de um ambiente mais são.


The End of the World, de John Martin (1853)

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