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Domingo, Novembro 24, 2024

Honduras: dez anos de golpes e neoliberalismo

Três golpes de Estado em dez anos, um militar e dois eleitorais, é o balanço de um dos países mais pobres e desiguais da América Latina. E tudo tem um objetivo muito claro: a imposição do modelo neoliberal mediante a violência em um país chave, sempre foi uma retaguarda estratégica para as operações dos Estados Unidos na América Central.

por Katu Arkonada

As mobilizações populares crescem em Honduras. Nestes últimos dias já são 60 mil médicos e professores em pé de guerra contra um sistema político que busca, por imposição do Fundo Monetário Internacional, a privatização da saúde e da educação. As mobilizações contam com tanto apoio popular que até a Polícia Nacional se somou à greve, forçando o governo de Juan Orlando Hernández a fazer retroceder as forças armadas designadas à repressão dos protestos populares.

População mantém resistência ao golpe

Mas esta história começa há dez anos, num 28 de junho de 2018, quando 200 militares encapuzados entraram, com o cair da noite, de forma traiçoeira na casa presidencial de Tegucigalpa e tiram o presidente Manuel Zelaya de pijamas para, depois de uma breve passagem por uma base militar, deportá-lo à Costa Rica, apesar de que o artigo 102 da Constituição proíbe expressamente que qualquer hondurenho seja expatriado ou entregue a um Estado estrangeiro.

O argumento para o golpe de Estado era a intenção de Mel Zelaya de colocar uma urna na eleição seguinte, promovendo um referendo que abrisse caminho a reformas constitucionais. Mas essa era a desculpa. No fundo a questão é que Zelaya, um latifundiário que havia ganhado as eleições com o apoio do Partido Liberal, havia dado um giro à esquerda depois de conhecer as penúrias do povo hondurenho, escondido na pobreza e violência, e, inclusive, com a autorização do Parlamento havia incorporado Honduras primeiro ao Petrocaribe e, logo depois à Alba (Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América).

Este foi o primeiro golpe com êxito contra os governos do ciclo progressista, e se deu contra sua face mais frágil, inaugurando um largo e longo período de restauração conservadora na América Latina, que continuou com os golpes parlamentares no Paraguai contra Fernando Lugo, e no Brasil contra Dilma Rousseff, ao mesmo tempo que se fortalecia a chamada lawfare, a guerra jurídica, contra líderes progressistas como Lula, Cristina Kirchner e Rafael Correa.

Manuel Zelaya ao ser preso pelos golpistas

Mas Honduras viveu dois golpes mais, neste caso, eleitorais

Em 2013, e já com Manuel Zelaya de volta ao país, mas impossibilitado de se candidatar, Xiomara Castro foi candidata presidencial pela coalizão entre o Partido Liberal e o Livre . A inexperiência de Livre e sua distribuição territorial desigual levou à manipulação das eleições em benefício de Juan Orlando Hernández. Um dado importante: ao mesmo tempo em que era feita a recontagem de votos, os magistrados do Tribunal Supremo Eleitoral estavam reunidos com a embaixadora dos Estados Unidos em Honduras.

Mas foi em 2017 quando o terceiro golpe, segundo eleitoral, este já não como tragédia, mas como farsa, se consuma depois de ter sido iniciado em 2009. Nas eleições em que o Livre e o PAC de Salvador Nasralla enfrentavam a a reeleição de Juan Orlando Hernández, o comunicado da nada suspeita Secretaria Geral da OEA sobre o resultado das eleições joga mais claridade que qualquer análise política que possamos escrever: instruções humanas deliberadas no sistema eletrônico, eliminação internacional de rastros digitais, impossibilidade de conhecer o número de oportunidades em que o sistema esteve vulnerável, urnas de votos abertas ou sem atas, improbabilidade estatística extrema com respeito aos níveis de participação dentro do mesmo departamento, cédulas de voto recém impressas e irregularidades adicionais, somadas à estreita diferença de votos entre os dois candidatos mais votados, tornam impossível determinar com a necessária certeza quem foi o vencedor.

Três golpes de Estado em dez anos, um militar e dois eleitorais, é o balanço de um dos países mais pobres e desiguais da América Latina. E tudo tem um objetivo muito claro: a imposição do modelo neoliberal mediante a violência em um país chave, sempre foi uma retaguarda estratégica para as operações dos Estados Unidos na América Central. A impunidade com que foi assassinada a defensora do meio ambiente Berta Cáceres em um país cujo irmão do presidente Hernández é suspeito de ser o gestor das rotas de tráfico de cocaína para os Estados Unidos, é provavelmente a melhor, e talvez mais terrível metáfora de como foi instrumentalizada a doutrina de shock para disciplinar a população civil.

Assassinos de Berta Cáceres continuam impunes

Uma doutrina de shock cuja consequência mais dramática são as caravanas de milhares de pessoas que fogem de suas vidas fruto da desapropriação social neoliberal e deixam para trás famílias e bens para tentar alcançar o “american way of life”, ainda que às custas do risco de sofrer extorsões, sequestros ou assassinatos no caminho.

É por isso que os irmãos migrantes centro-americanos em geral, e os hondurenhos em particular, devem ser tratados como refugiados políticos de uma ditadura, a ditadura do modelo neoliberal, e quando os meios de comunicação de massa querem falar de direitos humanos ou o drama migratório em outras partes mais distantes, devemos exigir que vão à Honduras e nos contem não só o que lhes serve como reality show para ganhar mais audiência, mas as causas reais desta migração massiva.

E para começar a solucionar este drama, façamos nosso o comunicado do Livre publicado em 20 de junho, assinado por Mel Zelaya no mesmo dia que as forças armadas assassinavam o taxista Erick Peralta, onde se declara a luta permanente contra a ditadura dirigida pelos Estados Unidos desde 2009 e deixa muito claro: Hernández deve sair já.


por Katu Arkonada, Cientista político |  Texto original em português do Brasil, com tradução de Mariana Serafini

Exclusivo Editorial PV / Tornado

O artigo foi publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada


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