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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Corrupção em Portugal

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Creio que a corrupção em Portugal tem que ser pensada a todos estes níveis, começando por repensar o estatuto da magistratura política, judicial ou do ministério público e quebrando a teia de interesses e cumplicidades que gere o país.
A ‘GRECO’, organização internacional lançada pelo Conselho da Europa em 1999 e que conta com 50 Estados membros, 49 europeus e os Estados Unidos da América, tem como principal missão combater a corrupção.

  1. Portugal visto pela GRECO

De acordo com as regras desta organização, ela funciona à volta de ciclos temáticos sobre os quais são avaliados os Estados. De acordo com as insuficiências identificadas podem ser feitas recomendações, cuja aplicação é também avaliada, em duas fases.

A GRECO desencadeou até agora cinco ciclos, sendo que este último está ainda na fase inicial com apenas alguns Estados avaliados (Portugal não foi avaliado ainda), pelo que a maior parte dos relatórios de avaliação do funcionamento e da aplicação das recomendações se centram no quarto ciclo, dedicado à prevenção da corrupção por parte de deputados, juízes e procuradores.

Em relação a Portugal a avaliação da GRECO concluiu com quinze recomendações, tendo de seguida feito a primeira avaliação da aplicação das recomendações cujo relatório foi publicado há já mais de um ano concluindo que Portugal aplicou uma recomendação, aplicou parcialmente três e não aplicou onze.

No seu relatório anual, publicado a 25 de Junho, a GRECO constata que Portugal é um dos países com mais baixo nível de aplicação das recomendações, facto que mereceu destaque a semana passada na imprensa portuguesa.

Sem pretender que a aplicação burocrática de recomendações, convenções e relatórios possa ser por si só a solução última de qualquer problema, não consigo entender, no entanto, por que razão as autoridades políticas e judiciais responsáveis não começam por explicar por que não fizeram o que se comprometeram a fazer ou, caso nada tenham a dizer sobre a matéria, quando contam dar seguimento a recomendações e a convenções a que Portugal aderiu.

Penso que os organismos políticos e judiciais devem vir a público dar essas explicações aos portugueses tão cedo quanto possível.

  1. A cultura da corrupção

De acordo com a imprensa, num caso que tinha sido relatado pelo jornal ‘Público’ em Maio de 2015, três centenas de pessoas, entre as quais 250 polícias, foram acusados em 2019 pelo Ministério Público de ‘peculato e falsificação de documentos’ por se entenderem para transferir para terceiros o direito a passe social gratuito de agentes de autoridade.

As somas seriam relativamente triviais – menos de 90 € por cada agente por mês – e poderemos ter a tendência para ver a questão como insignificante num país onde se perdoam roubos de milhões na banca.

Mas a verdade é que a impunidade dos grandes roubos só é possível onde se instalou previamente um clima de impunidade para os pequenos, e que os pequenos roubos são obviamente de maior gravidade quando são praticados por forças policiais, não isoladamente, mas em massa.

Depois, há também que considerar que não faz qualquer sentido que uma questão desta natureza venha a ser tratada quatro anos depois, e pelo Ministério Público, em vez de o ser pela tutela, com as necessárias repreensões, clarificação a alteração de regras. Sendo certo que se trata de uma prática inaceitável, é óbvio que não é possível punir criminalmente centenas de agentes policiais por razões desta natureza. O Ministério Público deveria naturalmente reservar a sua atenção para as questões de maior importância e de investigação mais complexa.

  1. Das pequenas às grandes questões

Há já sete anos, em 2013, a OCDE publicou um relatório sobre a aplicação em Portugal das medidas anti-corrupção constantes de uma convenção de que Portugal é parte, e cujas conclusões, não tinham sido menos devastadoras. Cito a que me pareceu mais significativa:

Desde que Portugal aderiu à Convenção em 2001, só quinze alegações de corrupção internacional vieram à luz, número baixo tendo em conta as intensas relações mantidas por Portugal com países muito afectados pelo fenómeno da corrupção. Das quinze, nem uma deu origem a qualquer acusação.’‘

Portugal tornou-se um dos mais importantes países na penetração na Europa quer da China (em larga medida através de Angola) quer da Venezuela ou do Irão, todos eles países onde a corrupção é um problema de primeira ordem.

A par disso, Portugal tornou-se num dos países europeus onde a impunidade do crime bancário mais se desenvolveu, tornando-se entre outras coisas na plataforma número um de lavagem de dinheiro da Venezuela.

Creio que a corrupção em Portugal tem que ser pensada a todos estes níveis, começando por repensar o estatuto da magistratura política, judicial ou do ministério público e quebrando a teia de interesses e cumplicidades que gere o país.


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