Não é verdade que o governo tenha aprovado para a administração Pública “um novo regime de flexibilização de idade de acesso à reforma na CGA” como divulgaram a Lusa e outros órgãos de informação.
Contrariamente ao divulgado pela LUSA e por muitos outros órgãos de informação, o governo não aprovou um novo regime de acesso à aposentação (aposentação antecipada) como a maioria dos órgãos de comunicação social divulgaram numa clara operação, deliberada ou não, de manipulação da opinião publica e de engano dos trabalhadores da Função Pública.
O que o governo aprovou foi uma consulta publica e aos parceiros sociais de uma proposta que tem como base a lei que já vigora para os trabalhadores do sector privado. O Decreto-Lei 84/2019, de 26/6/2019, aprovado pelo governo altera algumas disposições do Estatuto da Aposentação mas que nada têm a ver com um novo regime de flexibilização da idade de aposentação, mantendo as graves desigualdades que existem entre o regime da CGA e o Regime da Segurança Social que lesa gravemente os trabalhadores da Função Pública, como se conclui da análise que faço também a esse decreto no estudo que envio.
Espero que este estudo seja um contributo em defesa da verdade e por um jornalismo mais sério que respeite os portugueses.
Estudo
Não é verdade que o governo tenha aprovado para a administração Pública “um novo regime de flexibilização de idade de acesso à reforma na CGA” como divulgaram a Lusa e outros órgãos de informação
A LUSA distribuiu um comunicado em 27-6-2019 com o titulo “Governo aprova novo regime de flexibilização da idade de acesso à reforma na CGA”. Este título foi depois foi reproduzido por quase todos media, sem antes analisarem a sua veracidade, criando nos trabalhadores e na opinião publica a falsa ideia que o governo tinha aprovado para os trabalhadores da Função Pública o mesmo regime de reforma antecipada que já vigora há meses para os trabalhadores do sector privado e que é muito mais favorável do que o regime da CGA. ESSA NOTÍCIA DIVULGADA POR QUASE TODOS OS MEDIA NÃO É VERDADEIRA. Mas assim vai o jornalismo em Portugal.
O que o governo decidiu, como consta do comunicado do conselho de ministros de 27 de Junho de 2019, foi apenas “a consulta pública e aos parceiros sociais, o novo regime de flexibilização da idade de acesso à pensão no regime convergente, ou seja, da CGA. Trata-se de aplicar (diz a nota), aos beneficiários da Caixa Geral de Aposentações um regime equivalente ao que já foi aprovado no âmbito do regime geral da Segurança Social”. Como é possível que a LUSA tivesse divulgado um título tão enganador/manipulador? O decreto-lei 84/2019 aprovado e publicado não contém qualquer novo regime de flexibilização como vamos mostrar. A pergunta que também se coloca é esta: Por que razão o governo na data em que aprovou o novo regime de flexibilização para o sector privado não o fez também para a Função Pública? Mais uma medida dilatória para adiar a aplicação do regime que vigora há bastante tempo para os trabalhadores do sector privado o que causa prejuízos aos trabalhadores da Função Pública. É com este tipo de procedimentos que o governo de Centeno/Costa reduzem o défice orçamental para “brilhar” em Bruxelas e se alimenta a propaganda governamental ajudada por uma comunicação social pouco rigorosa que se prontifica a ser utilizada.
O que dispõe o Decreto-Lei 84/2019, de 28/6/2019 sobre a aposentação
Não altera nada de essencial e mantém as desigualdades graves existentes entre o regime da CGA e o regime da Segurança Social
O Decreto-Lei 84/2019, publicado em 28-6-2019 no Diário da República, altera algumas disposições do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei 498/72) mas nenhuma das que eram importantes alterar, cuja manutenção cria desigualdades graves entre os trabalhadores abrangidos pela CGA e os trabalhadores abrangidos pela Segurança Social.
Analisemos então as disposições do Decreto-Lei 84/2019 que alteram o Estatuto da Aposentação
Elas encontram-se no seu artº 162º.
A primeira é uma alteração ao art.º 4º do Estatuto de Aposentação que vai reduzir futuramente as pensões de aposentados que recebem a pensão mínima. A partir da publicação deste decreto os aposentados de baixos rendimentos terão direito, não à pensão mínima integral, mas sim à parcela que somada a qualquer outra pensão que eventualmente recebam dê um valor igual à pensão mínima a que tinham direito pela CGA. Portanto, se receberem outra pensão porque descontaram, por ex., também para a Segurança Social e se essa pensão somada à pensão estatutária da CGA for igual ou superior à pensão mínima garantida pela CGA já não terão direito ao valor integral da pensão mínima, mas apenas à pensão estatutária que não inclui o complemento. Mais uma “ajudazinha” à redução do défice orçamental.
A segunda alteração é ao art.º 32º do Estatuto da Aposentação. Refere-se aos trabalhadores na situação de pré-reforma estabelecendo que os descontos para a CGA tanto do trabalhador como da entidade empregadora, durante o período em que estiver nessa situação, são “calculados à taxa normal com base no valor actualizado da remuneração relevante para aposentação que serviu de base ao cálculo da prestação de pré-reforma”, portanto os descontos são feitos não sobre aquilo que o trabalhador recebe enquanto estiver na situação de pré-reforma, mas sim sobre o que recebia actualizado quando estava no activo.
A terceira alteração é ao art.º 37º do Estatuto de Aposentação. Na Segurança Social o trabalhador, a partir dos 60 anos de idade, por cada ano que tenha a mais que 40 anos de serviço, deduz-se 4 meses na idade normal de acesso à pensão de reforma que, em 2019, são 66 anos e 4 meses, o que significa uma redução na penalização de 2% (0,5% por mês X 4 meses) no caso de pedir a reforma antecipada. Contrariamente ao que sucede na Segurança Social, em relação à aposentação, ou seja, aos trabalhadores da Função Pública abrangidos pela CGA só na “data em que o subscritor perfizer 65 anos, é que a idade normal de acesso à pensão é reduzida em 4 meses por cada ano completo de descontos para a CGA que exceda 40 anos de carreira”. Na Segurança Social basta ter 60 anos. Na CGA são precisos 65 anos.
Um exemplo quantificado para tornar clara a grave injustiça a que continuam sujeitos os trabalhadores da Função Pública se pedirem a aposentação antecipada após a publicação deste decreto-lei (Decreto-Lei 84/2019).
Considere-se então um trabalhador da Função Pública que aos 60 anos de idade tenha 44 anos de serviço e de descontos para CGA. Esses 4 anos de serviço a mais não reduzem em nada as penalizações a que está sujeito pois só se tivesse 65 anos é que seriam considerados. Por isso, sofre dois cortes na sua pensão, a saber: um primeiro corte por ter menos 6 anos e 4 meses do que idade normal de acesso à aposentação (66 anos e 4 meses), o que significa um corte de 38%.
Para além deste corte ainda sofre um segundo corte que resulta da aplicação do factor de sustentabilidade que, em 2019, corresponde a um outro corte de 14,67%. Somando os dois cortes obtém-se um corte total de 47%. Uma pensão de 1000€ fica assim reduzida a uma pensão de 529€
Considere-se agora um trabalhador do sector privado com a mesma idade (60 anos) e com os mesmos anos de descontos (44 anos) para a Segurança Social. De acordo com a lei actualmente em vigor, como aos 60 anos já tinha 40 anos de serviço (ele tinha mais até) não se aplica o factor de sustentabilidade, portanto não sofre um corte na sua pensão de 14,67% como acontece com o trabalhador da Função Pública que sofre esse corte. Para além disso, como tem 44 anos de serviço e 60 anos de idade, por cada ano mais de serviço e de descontos para a Segurança Social para além de 40 deduz na idade normal de acesso à reforma (66 anos e 4 meses) 4 meses, como tem 4 anos de contribuições a mais deduz 16 meses.
Por essa razão a idade de acesso normal à reforma de 66 anos e 4 meses é reduzida para 65 anos. Como ele tem 60 anos, faltam-lhe 5 anos para ter 65 anos, então na Segurança Social ele sofre um corte de 30% (5 X 6% por ano, ou seja, 0,5% por cada mês que falta) e não de 47% como aconteceu com o trabalhador da Função Publica com a mesma idade e anos de descontos.
Uma pensão de 1000€ fica reduzida a 700€ na Segurança Social e 529€ na CGA. Por outras palavras, na CGA, um trabalhador com a mesma idade e o mesmo tempo de serviço e de contribuições do que um do sector privado, sofre um corte na sua pensão (471€) superior em 57% ao de corte que sofre um trabalhador abrangido pela Segurança Social (300€). A desigualdade é chocante. É desta forma que o Estado trata os seus trabalhadores promovendo, ele próprio, a desigualdade que depois é escondida pelos órgãos de comunicação social por ignorância ou deliberadamente.
A quarta alteração feita pelo Decreto-Lei 84/2019 é ao art.º 43º do Estatuto de Aposentação. Como era antes do governo PSD/CDS, de acordo com esta alteração “o regime da aposentação voluntária que não dependa da incapacidade fixa-se com base na lei em vigor à data em que seja recebido o pedido de aposentação pela CGA e na situação existente à data que o mesmo seja despachado”, mas sem prejuízo do disposto no nº7 do artº 39º, o que significa que só se aplica ao trabalhador a nova lei que eventualmente esteja em vigor na data do despacho se ela forma mais favorável ao trabalhador. Até a este momento, o trabalhador solicitava a aposentação e depois tinha de esperar pelo despacho governamental, que podia demorar 6 meses ou mesmo um ano, e a lei que se aplicava era a lei em vigor na data do despacho, e não na data do pedido da aposentação, o que criava sempre uma grande insegurança ao trabalhador pois se a lei fosse alterada durante o período de espera, e isso aconteceu várias para pior, aplicava-se a ultima lei, ou seja, a pior. Este governo só alterou a lei, porque foi obrigado pelo Tribunal Constitucional que num “acórdão declarou inconstitucional a norma que prevê que as pensões são calculadas com base nas regras em vigor no momento em que o pedido é despachado pelo governo” (Público, 23-3-2019).
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