Esta será uma conjuntura adequada para recordar que a História se desenrola e se desenvolve em ciclos. Embora de maior magnitude, a natureza do período da história da humanidade que atravessamos actualmente assemelha-se com aquele que ficou conhecido como o Renascimento. Tal como no século XIV, novas tecnologias e novos mundos provocam uma transformação profunda e radical da Humanidade e das suas sociedades.
Embora tenha resultado de um acumular de situações profundamente dolorosas (pestes, guerras e servidão dos tempos medievais, heresias religiosas e a resposta da Inquisição…), foi com inteira justificação que aquela época ficou para história como um período incrivelmente positivo nos planos artístico, filosófico (a nova corrente do humanismo deu início a uma filosofia moral centrada no Homem, na relevância da sua postura ética e uma maior importância à dignidade, aspirações e capacidades humanas) e económico (especialmente graças à invenção do moderno conceito de finanças), apesar de também ela ter provocado novos sofrimentos com uma série de conflitos travados na Europa entre meados dos séculos XVI e XVII, após o início da Reforma Protestante na Europa Ocidental; entre as principais contou-se a Guerra dos Trinta Anos denominação genérica de uma série de conflitos travados entre diversas nações europeias a partir de 1618, naquele que foi um dos maiores e mais destrutivos conflitos da história, especialmente centrado na Alemanha e que teve nas rivalidades religiosas, dinásticas, territoriais e comerciais as suas principais motivações.
É tal a velocidade a que a sociedade actual se transforma que parece cada vez mais exequível (e inexorável) a construção de uma sociedade mais aberta, informada e ligada (generalização da internet), ecológica (conversão das energias fósseis em energias renováveis), mecanizada (generalização da automação, informatização e da Inteligência Artificial) e desmonetizada, graças ao processo de virtualização das moedas. Por outras palavras, todas as utopias parecem cada vez mais realizáveis, existindo já planos avançados para a realização das primeiras cidades do futuro – a indiana Amaravati e o saudita projecto Neom – que apesar de algumas dúvidas recentes sobre a primeira não deixam de se encaminhar para serem uma realidade.
Enquanto, como resultado das invenções humanas e da revolução da Internet (porque é principalmente a ela que se devem as mudanças de todos os antigos pressupostos), continuam a ser construídas as fundações dum mundo novo, observam-se alterações das forças de resistência à mudança – nacionalismo, estrutura financeira e religião – que se recombinam em direcção a um provável e próximo confronto.
Exemplo disso é a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência brasileira, conseguida pela combinação de interesses do sector militar, dos poderes financeiros e do apoio da facção evangélica, está a dar lugar a um programa político que combina um certo proteccionismo, com o fim de uma participação multilateral no seio dos BRICS, o abandono das políticas de protecção ambiental à Amazónia e às minorias e o agravamento da distribuição da riqueza por via da inversão das políticas de protecção social.
E este não é um caso isolado, pois são fáceis de observar os movimentos religiosos fundamentalistas que estão a crescer num mundo cujas transformações assustam populações pouco educadas para a modernidade, desconfiadas por natureza e pelas políticas que as não têm sabido conquistar para a mudança.
Na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi (líder do BJP, Bharatiya Janata Party ou Partido do Povo Indiano, de forte pendor nacionalista e hindu) balança entre a modernização (como o pretendem os sectores desenvolvimentistas) e a hinduização do país e qualquer pequeno erro pode originar uma explosão de violência contra as minorias locais e/ou contra os vizinhos Paquistão e China, enquanto na região europeia dos Balcãs, politicamente polarizada entre os poderes tutelares duma Europa cristã, duma Rússia ortodoxa e duma Turquia muçulmana, persistem todas as condições para explosões inter-religiosas de violência, repetindo as condições que no início do século XX levaram às duas guerras mundiais.
O cocktail de ideias nacionalistas e das pretensas raízes judaico-cristãs da Europa poderá não ser suficiente para uma imediata deflagração, mas quando assistimos à quase diária exposição ao modelo de conflito de baixa intensidade desenvolvido pelo fundamentalismo muçulmano, envolvendo menos militares e mais forças policiais, e justificando a crescente pressão sobre as liberdades e os direitos dos cidadãos, não admira que os estados finalmente vejam com agrado este processo de radicalização onde a actuação dos terroristas justifica a dos fundamentalistas securitários que ajudarão a derrubar as barreiras éticas à aplicação de descobertas científicas em áreas como a clonagem, a gravidez artificial e a genética e ajudarão à implementação de novas formas de vigilância em massa possibilitadas pela tecnologia do blockchain e da Inteligência Artificial.
Esta imagem sombria não pretende antecipar apressadamente um qualquer choque de civilizações (nos termos em que o definiu Samuel P. Huntington quando adiantou que a principal fonte de conflitos no mundo pós-Guerra Fria seriam as identidades culturais e religiosas dos povos), antes um alerta perante o constante agravamento de tensões, traduzidas quer nos pequenos conflitos regionais quer na grande confrontação económica entre americanos e chineses, e a persistente ausência de bem fundamentadas propostas de intervenção política, de que são claro e triste exemplo o recente processo de escolha das lideranças da UE ou o permanentemente adiado processo do Brexit, na orientação das grandes questões mundiais.
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