Do ponto de vista do cinema, quem realmente descobriu a África foi o criador do “cinema direto” Jean Rouch. Mas ele não descobriu o cinema africano, se consideramos que esse só é feito por africanos – e não por gente de outros continentes que chegam lá com ‘boas intenções’ ou não.
Hoje, existem muitos que se apropriam das paisagens e até mesmo histórias dos países e povos africanos, como já aconteceu com o Nordeste brasileiro. Mas o fundamental mesmo é o significado de cada filme e como ele chega ao público espectador. Como o cinema africano não é feito por uma indústria, o difícil mesmo é justamente os mais autênticos conseguirem entrar no mercado.
Isso sem falar, por exemplo, no mercado das salas de cinema. Mesmo nos sites como o Netflix e o Mubi, é difícil a exibição de uma obra de um cineasta africano. O que mais temos no Netflix são filmes realizados por estrangeiros, e o interessante é que não são poucos os que se ligam à cultura e à arte da África.
A seguir, comento três filmes:
Beasts of no nation
(2015)
É um filme de produção norte-americana, mas que foi todo filmado na África e aborda a estória de um garoto que vive um intenso drama, pois sua família é morta pelo exército regular, e ele escapa e foge para a floresta. Lá, é descoberto por um grupo mercenário e não é morto, mas escolhido pelo comandante para ser guerrilheiro.
O filme, dirigido pelo nipo-americano Cary Joji Fukunaga, é extremamente cheio de violência – mas é belo e traz um muito bom elenco de atores negros. Embora narrando uma estória que pretende ser verdadeira, busca também agradar aos espectadores que gostam mesmo é de “filme de ação”. O tema é História de um país africano, mas o filme é norte-americano. Com uma linguagem bem hollywoodiana.
O enterro de Kojo
(2018)
The Burial of Kojo é obra de um artista africano, Blitz Bazawule, de Gana, mas que mora nos Estados Unidos e trabalha como músico ligado ao ritmo hip-hop. Blitz Bazawule é artista visual e cineasta.
Esse filme é inteiramente pessoal e dos dias de hoje. Foi exibido na Mostra Paulista de Cinema de 2018 e premiado com o Grand Nile como Melhor Longa-Metragem no Luxor African Film Festival deste ano. Mais do que um filme, O Enterro de Kojo é uma obra plástica visual e não foi construído para contar uma estória, mas para expressar o drama de uma garota com a morte do seu pai.
As cenas são criadas como obra plástica onde se conta com a imagem e com a palavra, e os dois ícones na junção criam o fato artístico. O trabalho de interpretação de uma jovem atriz negra é excelente. E a obra como um todo também mereceu o prêmio recebido. Não é importante que a técnica cinematográfica em si não seja respeitada.
O menino que descobriu o vento
(2019)
A obra é uma produção da Netflix e o interessante é que não é um filme inteiramente comercial. Ele ocupa um espaço ideológico, não de esquerda. Nele, se mostra a filosofia que busca mostrar que os espíritos criativos podem se desenvolver e ocupar um espaço no mundo capitalista.
O filme foi realizado pelo britânico Chiwetel Ejiofor, que estreou no longa-metragem com esse trabalho e foi extraído do livro autobiográfico O Menino que Descobriu o Vento. Fala de um jovem de Moçambique, Malaui, curioso por coisas da ciência, William Kamkwamba, que conseguiu criar um moinho de vento improvisado para retirar água e, assim, salvar a plantação da sua comunidade. É uma estória verdadeira, sem dúvida, mas contada de forma de telenovela para assim ganhar o espectador.
por Celso Marconi, Crítico de cinema, referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8 | Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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