Donald Trump é claramente o epígono do populismo contemporâneo e tem na Europa alguns paralelos mais próximos como Marine Le Pen ou Nigel Farage, mas creio ser forçado estender o critério a virtualmente todos os líderes conservadores que se afirmam como mais radicais do que os seus predecessores e mais ainda apresentar o populismo como necessariamente de ‘direita’.
Não existe definição, compreensão etimológica ou académica consensuais para o que queremos designar com o populismo. Sendo certo que os termos populismo e demagogia são etimologicamente equivalentes – um latino e outro grego – é na história de ambas as civilizações clássicas que podemos apreender diferenças e que podemos encontrar pistas para distinções.
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Populismo
A melhor definição que conheço do fenómeno do populismo é a feita historicamente por Francis Fukuyama, e tem como melhor exemplo a presidência americana de Andrew Jackson (1829-1837) feita simultaneamente de clientelismo (que não é especificamente populista) e da permanente resistência à tecnocracia e exigência de participação popular na decisão pública ou, em alternativa, de popularização do processo de decisão.
Donald Trump é claramente o epígono do populismo contemporâneo e tem na Europa alguns paralelos mais próximos como Marine Le Pen ou Nigel Farage, mas creio ser forçado estender o critério a virtualmente todos os líderes conservadores que se afirmam como mais radicais do que os seus predecessores e mais ainda apresentar o populismo como necessariamente de ‘direita’.
Salazar, por exemplo, que se impôs no espectro político português com um programa conservador que mais tarde se iria assumir mesmo como essencialmente antidemocrático e antiliberal é a antítese do populismo. Ascendeu ao poder como o tecnocrata das finanças e sempre se distanciou de qualquer forma de populismo.
Da mesma forma, creio que os líderes conservadores húngaro e polaco, Orban ou Kaczyński, podem ser considerados populistas apenas na medida em que (tal como Macron) desfizeram aspectos importantes dos anteriores consensos políticos tecnocráticos mas não são populistas no sentido jacksoniano do termo.
Dizer – como o diz Pacheco Pereira a 6 de Julho – que o populismo é de direita é confundir a natureza do populismo e não entender a contradição essencial entre um e outro: a direita social preza as diferenças de classe, de casta ou de competência e não se pode por isso rever no populismo.
O contraexemplo da tese de Pacheco Pereira encontra-se bem perto de Donald Trump, com o presidente mexicano, protótipo do populismo dito de esquerda (ou seja que se ergueu a partir de um discurso político considerado como de esquerda).
Creio que o essencial do populismo contemporâneo é o de uma revolta contra as elites e das formas elitistas de exercer o poder. O populismo americano ergueu-se contra a sofisticação dos discursos; o afastamento dos actores políticos do povo em tudo, incluindo na sua forma de se exprimir; a noção de que o poder tinha escapado para organizações e burocracias tecnocráticas nacionais e internacionais e satisfez-se com um discurso simples, cujos erros de sintaxe, de ortografia ou de história funcionaram como garantia de autenticidade.
Não creio que o populismo possa ser um programa político, mas creio que pode ser uma forma de as elites repensarem a sua relação com o povo, não só na linguagem mas também no exercício do poder.
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A percepção da corrupção
Para Pacheco Pereira (op. cit.) ‘O tema central do populismo é a corrupção, a real, a imaginária e a inventada.’ Mas na verdade, como ele afirma mais à frente: ‘Várias eleições em Portugal mostram que a aparente indignação contra a corrupção, é muito pouco genuína, e tem componentes políticas que implicam a duplicidade’. Donde o populismo não é contra a corrupção, é hipócrita, ficando por se perceber se Pacheco Pereira considera afinal a hipocrisia e não o ódio à corrupção como o aspecto central do populismo.
Pacheco Pereira confunde aqui totalmente o fenómeno: o populismo quer mostrar a ubiquidade da corrupção e portanto justificar também a sua contemporização com ela, não quer de forma alguma tratar da corrupção como a sua questão central.
Pacheco Pereira acaba por reconhecer que ‘Os alvos dos populistas são aquilo que eles designam como elite’ e que portanto a corrupção (como aliás qualquer outro aspecto menos simpático dessas elites) existem apenas como armas de arremesso contra essas elites: a fuga ao imposto de um futebolista é perfeitamente normal, mas criminosa se vier dessas elites.
Por outras palavras a essência do populismo nada tem a ver com a corrupção, mas sim com a desconfiança pelas elites. Esse ódio pelas elites pode materializar-se em muitas outras coisas que não necessariamente na corrupção.
O populismo tão pouco pode ser confundido com qualquer tipo de caudilhismo, embora frequentemente os candidatos a caudilho utilizem o populismo para ascender ao poder e, a partir daí, se afirmarem como tiranos. Posto isto, confundir os dois fenómenos, chamar fascista a todo o movimento populista e, reciprocamente, pensar que todo o fascismo começa necessariamente como populismo, é um erro crasso.
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As elites e a corrupção
Creio que Portugal tem um problema grave com o seu sistema político-financeiro e não sei se a resolução desse problema passará ou não por movimentos populistas sendo que estou mais inclinado para pensar que não.
O clientelismo, o nepotismo, o conflito de interesses e a corrupção em várias formas e géneros estão no centro do problema que defrontamos. Apresentá-los como um mero epifenómeno que serve para a campanha dos políticos populistas (na verdade fascistas disfarçados) é um tremendo equívoco em que navega Pacheco Pereira e boa parte da intelectualidade portuguesa.
Creio bem pelo contrário, que a elite intelectual portuguesa deveria distanciar-se das benesses do sistema político-financeiro e ser capaz de entender que necessitamos de combater a corrupção e que isso pode ser feito reforçando o carácter democrático das nossas instituições e o seu sistema de equilíbrios e controlos.
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