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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Acordo de Livre Comércio Continental Africano-Marrocos e RASD

Isabel Lourenço
Isabel Lourenço
Observadora Internacional e colaboradora de porunsaharalibre.org

No dia 7 de Julho, realizou-se a 12ª Cúpula dos Chefes de Estado da União Africana (UA) em Niamey, na Nigéria. Nesta cimeira foi lançada a fase operacional do Acordo de Livre Comércio Continental Africano (AfCFTA). 54 dos 55 estados membros da União Africana ratificaram o AfCFTA. A Eritreia é o único estado membro que não faz parte do bloco comercial.

A UA afirma que o AfCFTA – criará a maior área de comércio livre do mundo e levará a um aumento de 60% no comércio intra-africano até 2022.

Segundo pesquisa do Banco Africano de Desenvolvimento em 2014, apenas 16% do comércio internacional dos países africanos ocorre entre os países africanos.

Marrocos ratificou o acordo, mas Nasser Bourita, Ministro de Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional do Reino fez declarações imediatas dizendo que, embora tenham ratificado o AfCFTA, “a assinatura e ratificação do acordo por Marrocos deve ser vista como separada da sua posição sobre a autoproclamado “República Saharauí Democrática (RASD)”.

A ratificação do AFCFTA não significa que Marrocos irá respeitar o que assinou porque irá continuar a querer explorar e comercializar os produtos e recursos ilegalmente obtidos dos territórios ocupados do Sahara Ocidental.

Os argumentos apresentados são propaganda interna para Marrocos, um país imerso numa profunda crise social e económica. O Sahara Ocidental é usado como um “factor de unidade” e a Frente Polisário e a Argélia são vistos como os inimigos que “atacam” a integridade territorial do reino.

Lembramos que o único que atacou a “integridade territorial” de outros países até agora foi Marrocos que invadiu o Sahara Ocidental em 1975 e continua a ocupá-lo e desencadeou a Guerra da Areia que foi um conflito fronteiriço entre Argélia e Marrocos em Outubro de 1963, quando o governo marroquino alegou ter direito a parcelas das províncias de Tindouf e Béchar, na Argélia. A Guerra da Areia levou ao aumento de tensão entre os dois países por várias décadas.

O agora ratificado AfCFTA é claro nos seus termos, baseando-se nas leis da União Africana e na Lei Constitutiva, que é inequívoca sobre as fronteiras dos países e o respeito das fronteiras herdadas dos tempos coloniais.

Marrocos que aderiu à União Africana em 2017, desrespeitou a própria Lei Constitutiva que assinou, sendo ocupante de um território sobre o qual não tem soberania, de acordo com o Direito Internacional, o Tribunal Europeu de Justiça, as Nações Unidas e a União Africana.

A outra declaração feita pelo Ministro Bourita foi, que um país que não possui moeda própria não poderia ter acordos comerciais e que o Sahara Ocidental teria que usar as Fronteiras da Argélia para exportar e comercializar, segundo Bourita um obstáculo ao comercio.

Esta declaração tem várias falhas que não podem ser explicadas pela “falta de informação” do lado do Ministro, pois ele certamente olhou pelo menos uma vez para um Mapa do continente Africano onde se pode ver claramente que o Sahara Ocidental tem três fronteiras por terra: Marrocos, Argélia e Mauritânia, enquanto Marrocos tem apenas duas: Sahara Ocidental e Argélia. Marrocos é “forçado” a atravessar as fronteiras argelinas e saharauis para exportar por terra para outros países africanos.

Em relação à moeda, temos que salientar que existem 12 países que não possuem uma moeda própria e, em vez disso, usam a moeda de outro país assim como muitos territórios dependentes o fazem também. Todos eles têm algum tipo de acordo comercial.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Ould Salek, da República Democrática Árabe Saharaui, respondeu às declarações do ministro Bourita, esclarecendo que:

Não é necessário ser versado em questões jurídicas para perceber que as declarações do ministro marroquino, negando a existência da República Saharaui, seus bens e produtos, só procuram desviar a atenção dos seguintes fatos:

  1. Marrocos ratificou o Acto Constitutivo da União Africana e, por conseguinte, está obrigado, em virtude deste, a cumprir integralmente todas as obrigações dele resultantes, de acordo com os requisitos deste tratado.
  2. A comunidade internacional não reconhece a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental.
  3. A República Saharaui e o Reino de Marrocos são países separados e distintos. Cada um dos quais tem as suas próprias fronteiras reconhecidas pelas Nações Unidas, a União Africana e outras organizações da Comunidade Internacional
  4. A presença militar marroquina nos territórios ocupados da República Saharaui é ilegal e é uma ocupação, tal como definida pelas Nações Unidas, pela União Africana e pelos tribunais internacionais.
  5. Como Poder de Ocupação; Marrocos não tem o direito de explorar os recursos naturais saharauis ou de converter o território do Sahara Ocidental numa parte do seu intercâmbio comercial com terceiros. O Acordo de Livre Comércio que entrou em vigor o previne expressamente, de acordo com as Regras de Origem e outros procedimentos que regulam o intercâmbio comercial em nível continental.

 Queremos relembrar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino de Marrocos, um Estado Parte juntamente com a RASD, nos acordos e convénios da OUA / AU, incluindo o Acordo de Comércio Livre que Marrocos está juridicamente vinculado pelo seguinte:

Primeiro. O nome do rei de Marrocos é listado juntamente com o nome do Presidente da República Saharaui na lista de chefes de estado, na primeira página do documento do Acto Constitutivo da União Africana.

Segundo: de acordo com as disposições do artigo 4 da Lei, nos parágrafos A, B, F e J, Marrocos compromete-se:

a) igualdade soberana e interdependência entre Estados membros da União.
b) Respeito pelas fronteiras existentes na consecução do objectivo da independência.
f) proibição do uso da força ou ameaça de uso da força entre os Estados-Membros da União.
j) O direito de os Estados-Membros solicitarem a intervenção dea União para restaurar a paz e a segurança

Terceiro. De acordo com a Declaração de Kigali (Ruanda) de 2016 sobre o lançamento do Acordo de Livre Comércio Continental Africano, os Estados Membros comprometeram-se, no Preâmbulo desta Declaração, a:

“o total sobre o que foi negociado e acordado nos textos legais relacionados à Zona Franca,”.

 

Quarto. No Anexo 2 deste Acordo de Livre Comércio, especificamente no Artigo 1, alínea (f), os Estados Partes, com relação às Regras de Origem, comprometem-se a:

“País de origem significa o Estado Parte no qual os bens são produzidos ou fabricados”

 

Quinto. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 afirma no artigo 26 que o contrato é o direito das partes contratantes e que “cada tratado é vinculativo para suas partes e será aplicado de boa fé”.

Também reconhece no artigo 29 que o tratado “se aplica somente na área territorial do Estado-parte”. “

Este não é de longe o primeiro acordo ou pacto que Marrocos ratifica sem intenção de respeitar o seu conteúdo e regras.

A convenção dos direitos da criança é um dos exemplos, mas também a Convenção contra a Tortura e o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura não são respeitados. De fato, Marrocos é conhecido por ignorar e desrespeitar as decisões do CAT (Comissão contra a Tortura da ONU).

Mesmo o acordo de parceria com a UE não é cumprido, visto Marrocos não respeitar os direitos humanos, uma questão fundamental da base do acordo.

Então, porquê Marrocos assina e ratifica tratados, acordos, convénios sem intenção de respeitá-los?

Pode-se argumentar uma das razões é o efeito de propaganda que tem dentro de Marrocos e também no exterior, retratando uma realidade que está longe de ser verdadeira: um estado moderno e desenvolvido onde os Direitos Humanos e a Lei são respeitados.

A outra razão pode ser o fato de que todas essas ratificações dão à comunidade internacional a “base” para fazer novos acordos e dizer que  Marrocos está “a desenvolver esforços”.

A ratificação da Convenção contra a Tortura, por exemplo, e a implementação de um Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), permite que Marrocos lucre com o apoio económico e o incentivo da União Europeia sob a égide dos Direitos Humanos. Embora o MNP, neste caso, o Conselho de Direitos Humanos de Marrocos (CNDH), não cumpra o seu papel e actue como uma extensão do Governo sem sinais de independência.

Marrocos também se vê como o principal “parceiro” e como uma porta / ponte para os países africanos para alguns países europeus e ocidentais, defendendo que é o único país com a estabilidade necessária.

Outra fake news, já que o número de terroristas marroquinos nos ataques na Europa são conhecidos, o enorme volume de produção de narcóticos e narcotráfico, os conflitos internos em várias regiões, o uso de migrantes como ferramenta de pressão contra a Europa e a contínua tensão diplomática com o seu principal vizinho são públicos.

Uma pesquisa recente e abrangente da BBC mostra que quase metade dos marroquinos está a considerar migrar e querem uma mudança política imediata. O desejo de mudança não é apenas motivado economicamente, mas enraizado num profundo desejo de liberdade e respeito pelos direitos humanos.

Marrocos continuará a ratificar tratados que já está a violar no ato da assinatura?

Provavelmente sim, já que a comunidade internacional parece incapaz ou não querer pressionar Marrocos a respeitar a lei. O exemplo mais recente é, sem dúvida, as manobras feitas pela União Europeia para contornar o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, no que diz respeito aos acordos de pesca e produtos agrícolas Marrocos / UE. A decisão do tribunal foi clara quanto ao estatuto do Sahara Ocidental e à ilegalidade de qualquer exploração, comércio e manipulação de recursos provenientes dos territórios ocupados por Marrocos sem o consentimento expresso da população saharaui e, portanto, do seu representante legal a Frente Polisário. A União Europeia preferiu, porém, interpretar a “população saharaui” como “população no território”, que inclui os colonos marroquinos que são a maioria, e assim ratificaram acordos que são ilegais.

A Frente Polisário ainda está no Tribunal e não vai parar até ver os seus direitos respeitados.


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