Li na coluna do jornalista Pedro Doria, do Estadão de 12/07, uma notícia assustadora.
Vejam o vídeo que deve estar em algum lugar desta tela ou busquem no google por “The Shining starring Jim Carrey”. Conhecendo o filme O Iluminado, com seu brilhante elenco original, até enxergamos o Jack Nicholson por trás da máscara de Jim Carrey. Mas, quem não conhece o filme e desconhece as condições em que a cena do vídeo foi produzida, bate o olho e diz “Jim Carrey”.
Esse tipo de falsificação, tanto de vídeos, como de vozes, está se aprimorando tanto que até um profundo conhecedor de cinema ficará em dúvida quando ver Carrey contracenando naturalmente com Shelley Duvall, no filme de 1980.
Segundo Pedro Dória, mesmo que pioneiros de aplicativos como este já os tenham tirado ar, devido ao potencial de estrago que podem causar para qualquer pessoa, a simplicidade do programa permitiu sua reprodução em progressão geométrica. E eles podem simular a nudez de qualquer mulher, a voz de qualquer pessoa, assim como inserir qualquer pessoa em qualquer vídeo, produzindo situações totalmente falsas.
Ele deu um exemplo de como isso funciona: “Vai fazer dois anos, a Adobe fez a primeira demonstração de um aplicativo chamado VoCo. Alimente-o com gravações da fala de qualquer pessoa que ele analisa. Aí escreva um texto – o software faz com que aquela voz, com sotaque e maneirismos, narre a frase”.
A pessoa atingida estará protegida por um amparo legal? Pode ser. Mas de que adianta a reclamação e a aplicação da lei frente a disseminação digital de uma difamação baseada em uma informação falsa? A reversão de uma imagem deturpada na era das redes sociais é algo muito complicado. Não chegará a todos e a pessoa ficará marcada pela falsificação.
Além de invadir direitos mais elementares dos cidadãos, como a preservação de sua imagem e de sua identidade, o jornalista chama a atenção para o estrago que esse tipo de programa poderá fazer em uma campanha política. Segundo ele, o VoCo foi apresentado ao público, mas nunca foi lançado pois a Adobe “sabe que o terreno é perigosíssimo”. Isso porque “a quantidade de áudios vazados do WhatsApp de políticos mil vão pipocar por aí, de forma convincente, falando sempre as maiores atrocidades, ou cometendo desvios feios, porém discretos o suficiente para que pareçam críveis”.
As eleições de 2018 no Brasil, que levaram ao poder executivo o que existe de pior na política nacional, foi marcada por pacotes de disparos de mensagens de Whatsapp que propagavam notícias falsas. As falsificações que vi eram toscas e primárias. Mas, ainda assim, elas deram o tom da disputa, atropelando o jornalismo e as campanhas tradicionais. Isso foi possível porque temos por estas bandas do globo, uma população com baixa escolaridade, com uma formação política precária e baixo poder de discernimento, algo que ficou empiricamente comprovado com a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência.
Se fake news precárias já fizeram um grande estrago, pensem em como seria com a construção de fatos mentirosos, com toda essa sofisticação tecnológica que se aprofunda a cada dia.
Vivemos, então, esse paradoxo. A tecnologia rompeu barreiras, democratizou a informação, deu voz a qualquer um que tenha acesso a um aparelho com sinal de internet. Por outro, lado esta mesma tecnologia, através de uma comunicação bruta, persuasiva e sem depurações, tem pavimentado o êxito de projetos incrivelmente autoritários e anacrônicos.
Espero que ainda tenhamos tempo, espaço e as condições necessárias para enfrentar a briga no campo virtual e, a partir daí, realizar o ideal de fomentar entre a população brasileira um ambiente de formação, de debate e de senso crítico.
Texto em português do Brasil
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