(1913 – 2002)
Cidadão da Resistência e homem íntegro, que se bateu desde jovem pela Democracia. Jornalista, de ideais republicanos e socialistas foi um nome que marcou a história do jornalismo e da luta pela liberdade de imprensa. Interveio em todas as acções do Movimento de Unidade Democrática – MUD (1945 a 1948). Com António Sérgio e outros democratas tentou criar, em 1945, um Partido Trabalhista. Foi um dos fundadores da Acção Democrato-Social (1963-1964) e integrou a Acção Socialista Portuguesa (1964-1973). Foi candidato à Assembleia Nacional, nas listas da Oposição, em 1965, 1969 e 1973.
Pertenceu ao grupo dos fundadores do Partido Socialista, em 1973. Após o 25 de Abril foi ministro da Comunicação Social do I Governo Provisório e deputado do PS (desde a Assembleia Constituinte até ao fim da VII Legislatura).
Bateu-se desde jovem pela Democracia
Raul d’ Assunção Pimenta Rêgo nasceu no seio de uma família humilde a 15 de Abril de 1913, em Morais (Macedo de Cavaleiros) e faleceu em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 2002. Era um dos cinco filhos de Manuel do Rêgo (sapateiro) e Vitória Pimenta (costureira). Viveu na sua aldeia natal até aos 11 anos de idade. Em 1924, concluído o ensino primário (onde adquiriu valores republicanos transmitidos pela professora), partiu para Viana do Castelo, para ingressar na Congregação do Espírito Santo e do Imaculado Coração de Maria, um seminário destinado à preparação de futuros missionários. Fez um ano de noviciado, entre 1931-1932, adquirindo aí saberes e vivências que o marcariam profundamente. Foi durante esse período que travou conhecimento com o padre Joaquim Alves Correia (voz incómoda no seio da Igreja Católica, seu professor de Teologia Moral, de quem se tornaria amigo)[1]. Concluiu o curso de Teologia em 1936, mas não recebeu as ordens e abandonou os estudos no ano seguinte. Aos 24 anos, meses antes de ser ordenado sacerdote, Raul Rêgo deixou o seminário. Frequentou depois a Escola Superior Colonial.
Por essa altura, manteve-se próximo do padre Alves Correia que lhe deu grande apoio nessa (difícil) fase da sua vida e o colocou em contacto com diversas personalidades da Oposição: João Soares (pai de Mário Soares), António Sérgio, Nuno Simões, Hélder Ribeiro, Gustavo Soromenho, Álvaro Salema, entre muitos outros. Colaborou na revista Sol Nascente (1937) e, em 1938, começou a leccionar no Colégio Moderno, em Lisboa[2]. Durante o ano lectivo de 1938-1939, foi aí professor de Moral, Latim e Administração Pública/Organização Política e, nessa ocasião, viu-se afastado do ensino por decisão do Departamento do Ensino Particular[3]. Voltou a dar explicações particulares, tal como fizera antes, após o abandono do seminário. A partir de 1940, Raul Rêgo continuou ligado ao mundo da imprensa, onde já havia entrado em 1937 com uma breve passagem pelas revistas “Sol Nascente” e “Seara Nova” (com as quais iria manter uma colaboração episódica). Durante as décadas seguintes, desenvolveu uma vasta e notória carreira profissional no jornalismo, nomeadamente na agência noticiosa Exchange Telegraph/Reuters (1940-1959), no “Jornal do Comércio” (1942-1972), no Diário de Lisboa, a partir de 1959, e no jornal República desde Dezembro de 1971, ficando à frente da direcção desse vespertino a partir de 1972 (modernizando-o e tornando-o porta-voz da Oposição). Foi presidente da direcção da Casa da Imprensa em 1965 e 1966.
Cidadão da Resistência e homem íntegro
A intervenção de Raul Rêgo na luta política nunca abrandou. Esteve na direcção dos serviços de imprensa das candidaturas à Presidência da República dos generais Norton de Matos (1949), Quintão Meireles (1951) e Humberto Delgado (1958). Em 1961 subscreveu o “Programa para a Democratização da República”; foi membro da Acção Democrato-Social (1963-1964)[4] e da Acção Socialista Portuguesa (1964-1973). Foi candidato pela Oposição à Assembleia Nacional em 1965, 1969 (CEUD) e 1973.
Em 1969, fez parte da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e participou no II Congresso Republicano de Aveiro, com uma tese intitulada «A Censura Administrativa à Imprensa». Em 1973, fez parte da comissão nacional do III Congresso da Oposição Democrática, realizado também em Aveiro, tendo apresentado uma tese intitulada «Da Censura Prévia ao Exame Prévio».
Durante a Ditadura participou em organismos ligados aos direito humanos, como a Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e a Comissão Nacional de Defesa da Liberdade de Expressão; e subscreveu inúmeros abaixo-assinados em defesa dos direitos e liberdades, que o Estado Novo retirara à sociedade portuguesa.
Raúl Rêgo foi detido por três vezes
O seu percurso de cidadão antifascista ficou marcado pela repressão, a que o regime ditatorial do Estado Novo não poupava os oposicionistas. Raúl Rêgo foi detido por três vezes e mantido preso nas prisões políticas: na apresentação do Programa para a Democratização da República (1961), aquando da sua deslocação a Espanha, por ocasião das cerimónias fúnebres de Humberto Delgado (1965) e na sequência da publicação do seu livro ”Para um Diálogo com o Sr. Cardeal Patriarca” (1968). Foi inúmeras vezes sujeito a interrogatórios na polícia política, chamado a prestar declarações por autoridades oficiais do regime e ameaçado física e psicologicamente, (nomeadamente com o exílio em Timor).
Em 1970 voltou a ser detido pela DGS, para ser sujeito a interrogatórios durante várias horas acerca da sua opinião quanto aos “problemas ultramarinos” – interrogatórios que se repetiram quatro vezes – após o que lhe foram aplicadas “medidas de segurança” por um período de seis meses: não poderia afastar-se de Lisboa sem prévia autorização, não poderia «promover ou participar em actos que possam prejudicar a política ultramarina portuguesa» e – o que era mais grave, pois cerceava a sua liberdade de jornalista – não poderia «publicar notícias com o mesmo fim».
Viu quatro livros da sua autoria serem apreendidos: “Para um Diálogo com o Sr. Cardeal Patriarca” (1968), “Horizontes Fechados” (1969), “Diário Político” (1969) e “Os Políticos e o Poder Económico” (1969).
Jornalista, de ideais republicanos e socialistas
Depois do 25 de Abril, Raul Rêgo continuou bastante activo em termos profissionais, cívicos e políticos. Aceitou ser ministro da Comunicação Social do I Governo Provisório, depois de ter recusado o convite do general Spínola para Primeiro-ministro. Regressou depois à direcção do jornal República. Em Maio de 1975, problemas internos, ligados à agitação política da época, levaram à suspensão do jornal. Fundou, então, o jornal de cariz socialista A Luta (1975-1979).
Foi deputado na Assembleia Constituinte e, depois, até ao fim da VII Legislatura. Embora com funções suspensas desde 1997, por motivos de doença, a sua última intervenção pública ocorreu no Parlamento onde foi para votar a favor da despenalização do aborto.
Manteve-se ligado à Comunicação Social colaborando com diversas publicações: o “Correio do Minho”, o “Diário de Lisboa”, o “Diário de Notícias”, o “Diário Popular” e o “Jornal de Notícias”.
Foi membro da Sociedade Portuguesa de Escritores e do Centro Nacional de Cultura.
Ingressou na Maçonaria em 1971 e viria a ser Grão-Mestre entre 1988 e 1990.
Obra publicada
Deixou vasta obra nos domínios da política, da história, da literatura e do jornalismo[5]. Além de múltiplos crónicas e artigos publicados, essencialmente no “Diário de Lisboa” e no “Jornal do Comércio”, publicou numerosas obras, de carácter literário, político e histórico, designadamente:
- Diário Político (Lisboa, 1969);
- Horizontes Fechados (Lisboa, 1969);
- Os Políticos e o Poder Económico (Lisboa, 1969);
- O Último Regimento da Inquisição Portuguesa (Lisboa, 1971);
- Depoimento ou Libelo (Lisboa, 1975) ;
- História da República, 5 vols. (Lisboa, 1986-1987).
Sobre a sua vida profissional e política, Natália Santos defendeu, na Universidade de Coimbra, em 2007, uma tese de mestrado intitulada “Raul Rêgo – O Jornalista e o Político”.
Prémios e homenagens
Enquanto jornalista, Raul Rêgo foi distinguido com o prémio Bayer (1969) e, em 1976, recebeu, em Itália, a Pena de Ouro da Liberdade, atribuída pela Federação Internacional dos Directores de Jornais, precisamente pela sua luta pela liberdade de imprensa.
Raul d’ Assunção Pimenta Rêgo
No dia em que foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada
Foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade (1980) e com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (1998).
Em 2013, na celebração do centenário do seu nascimento, foi homenageado na Biblioteca Nacional; e, em 2014, na sua terra natal, Macedo de Cavaleiros, foi homenageado numa iniciativa da Nordeste Global – Associação Cívica, Cultural, Social e de Desenvolvimento Regional.
A Câmara Municipal de Lisboa prestou-lhe homenagem ao atribuir o seu nome a uma rua na freguesia da Charneca, no Alto do Lumiar (2005, no dia Mundial da Liberdade de Imprensa).
Pena de Ouro da Liberdade
Em 1976, Raul Rêgo recebeu, em Itália, a Pena de Ouro da Liberdade, atribuída pela Federação Internacional dos Directores de Jornais, precisamente pela sua luta pela liberdade de imprensa.
[1] Dele, Raul Rêgo diria, mais tarde, ter sido a pessoa que mais o influenciou (pessoal e intelectualmente) em toda a sua vida: um verdadeiro exemplo de honestidade, pureza, humildade, rectidão e de defesa de valores como os da liberdade, da igualdade, da fraternidade, da reconciliação e da tolerância.
[2] Colégio de João Soares
[3] Devido a artigo publicado no jornal dos estudantes, pelo qual era o responsável, tornando-se o primeiro professor do ensino particular a ser demitido.
[4] A estrutura que em 1963 passou a designar-se por Acção Democrato-Social manteve-se em actividade até 1974, promovendo acções de formação cívica e exposições e protestos ao Presidente da República e ao Presidente do Conselho. Além de Raul Rêgo, foram seus fundadores: Acácio Gouveia, Cunha Leal, Carlos Sá Cardoso, Carlos Pereira, Moreira de Campos e Nuno Rodrigues dos Santos.
[5] Na condição de historiador, fez a introdução à obra de Ribeiro Sanches (por si editada) “Christãos Novos e Christãos Velhos em Portugal” (1956); recolheu, publicou e editou “Inéditos de Camilo: Anotações de Camilo à «História de Portugal nos Séculos XVII e XVIII» de Rebelo da Silva” (1959); traduziu uma obra de André Bisso, “Como foi Salvo um Milhão de Judeus” (década de 60); redigiu o “Elementos para a História da Freguesia de S. José de Godim” (1961); prefaciou, actualizou ortograficamente, pontuou e anotou “O Processo de Damião de Goes na Inquisição” (1971); introduziu e actualizou “O Último Regimento da Inquisição Portuguesa”, publicado pelas Edições Excelsior (1971); publicou “Os Índices Expurgatórios e a Cultura Portuguesa” (1982); fez a leitura e o prefácio de “O Último Regimento e o Regimento da Economia da Inquisição de Goa” (1983); publicou cinco volumes dedicados à “História da República” (1986-1987) e prefaciou o livro de José Brandão “A Noite Sangrenta” (1991), entre outros.
A faceta de homem devotado às Letras, à Arte e à Cultura, por seu turno, ficou devidamente espelhada em iniciativas várias, com destaque para as seguintes: publicou “Duas Cartas Inéditas de Alexandre Herculano” (1955); foi o autor da nota introdutória do “Doze Sonetos por Varias Acciones”, de D. Francisco Manuel de Melo, publicado pelo Mundo do Livro (1960); apresentou o catálogo de Maria Fernanda Amado, “Óleos e Pinturas” (1965); prefaciou o “Descrição Bibliográfica de uma Preciosa e Única Colecção de Livros Portugueses em Tiragens Especiais em 20 anos Reunida pelo Livreiro-antiquiário João Lopes Holtreman”, de Manuel Ferreira (1982); e escreveu a introdução de uma obra oitocentista de José Agostinho de Macedo intitulada “Os Burros” (1993).
Dados biográficos
- Biografia da autoria da historiadora Natália Santos, publicada no Grupo Fascismo Nunca Mais (redigida a partir de uma tese de mestrado da historiadora, publicada em 2007)
- PDF| Assembleia da República: Candidatos da oposição à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973)
- Parlamento: Biografia Raul Rêgo (PS)
- Wikipédia: Raul Rêgo
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