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Sábado, Dezembro 21, 2024

Gestão, Segurança e Justiça

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Desta vez, começo com a declaração de interesses: não conheço Azeredo Lopes, embora, pelo que lhe foi acontecendo e pela forma como foi reagindo, me pareça ter sido um dos piores ministros da defesa não militares que, num exercício fútil de manter a aparência de subordinação das Forças Armadas ao poder civil, têm passado pela pasta.

Nas Forças Armadas, como em qualquer área de expressão da actividade do Estado, a Gestão tem o seu lugar, como o provam imensos estudos e experiências de aplicação dos métodos modernos de gestão desde o PPBS dos anos 1960, ensaiado por Robert McNamara no Departamento de Defesa norte-americano, às tentativas  de criação de orçamentos-programa que logo nessa década e na seguinte se vieram a verificar nas forças armadas portuguesas. E o mesmo se pode dizer das Forças de Segurança.

Robert McNamara

Nestes dois domínios é consensual que as organizações existentes têm de cuidar dos equipamentos, armas e munições à sua guarda, o que implica esforços na utilização e controlo de meios materiais e humanos, como aliás qualquer organização pública ou privada tem obrigação de fazer, ao menos por um interesse patrimonial, que cai na área da Gestão, mas também porque se não o fizer, armas e munições roubadas ou simplesmente desaparecidas ficarão a constituir uma potencial ameaça às populações, que cai na área da Segurança, sendo que a punição dos responsáveis cai na área da Justiça.

Em certas épocas históricas ter-se-á subvalorizado o papel da Gestão, que pode contudo, em termos preventivos, contribuir muito para a Segurança, sendo que esta, em todos os domínios e não apenas nos considerados, constituía a face mais visível da actividade do Estado, protagonizada sobretudo pelas polícias, que dependiam dos Ministros do Interior. Era necessário tomar conta das ocorrências criminais, identificar os protagonistas, sobretudo as quadrilhas, prevenir novas actuações, e isto era ainda basicamente Segurança. Finalmente presos os  responsáveis e desmanteladas as organizações criminosas, a Justiça organizava os processos.

Este quadro começou a ser alterado em muitos países após a II Guerra Mundial, até pelo reconhecimento dos riscos políticos do controlo das polícias pelo Governo, e foi-o também em Portugal no regime constitucional inaugurado em 1976, com uma maior autonomia de facto das magistraturas, o princípio da direcção dos inquéritos pelo Ministério Público, a intervenção de juízes de instrução, em moldes que consagram soluções que não são exactamente iguais às de outros países. Repartir esferas de intervenção entre organizações policiais e atribuir funções de órgão de polícia criminal a certos serviços da Administração Pública, designadamente os económicos e financeiros, não deixa de criar fricções, embora  existam estruturas de enlace para institucionalizar a colaboração no domínio da Segurança Interna. Será o sistema eficiente e eficaz? E minimamente funcional? Em França impressiona ver que quando se dão eventos terroristas a matéria é logo tratada por um Procurador. Em Portugal ainda não fomos submetidos a verdadeiras situações de stress. O caso de Tancos, todavia, sendo embora atípico, gerou graves perturbações e merece ser brevemente revisitado nessa perspectiva.

Em Tancos o sistema terá começado a falhar quando, ao que li, um “juiz das liberdades” recusou autorização para escutar indivíduos que planeavam um roubo, ou furto, ou desvio de armamento. O evento consumou-se ainda se está para saber exactamente como (ou talvez tenha deixado de interessar) e, apesar do risco para a segurança das populações, aparentemente nenhum esforço foi feito para recuperar o armamento desaparecido. O assunto foi repetidamente glosado tanto por curiosos como por especialistas, e até o Ministro, que dava a ideia de ter engolido um manual de instruções sobre competências  dos governantes em relação à defesa (“não ouças, não vejas, não fales”!)  veio endossar o palpite de alguns comentadores, pondo a hipótese de “no limite” não ter desaparecido material algum. A Judiciária, parece que avisadamente, aproximou este furto do havido na PSP e colocou a hipótese de o material ir parar ao mercado clandestino e, pelo que cheguei a ler (posso ter compreendido mal) poder ser inclusive utilizado por uma dissidência da ETA que a própria polícia espanhola desconheceria, hipótese que garantiria ser sua a competência para investigar.

Quero crer que num teatro de operações estrangeiro o desaparecimento de armas e munições que criasse riscos para as respectivas populações e para as próprias forças nacionais destacadas seria tratado de outra forma, com empenhamento da judiciária militar ou de especialistas em informações, e que os responsáveis pelas  forças teriam toda a latitude para recuperar o material, inclusive aprovando transacções ou um simples fechar de olhos enquanto os responsáveis mudavam de ares. Em território nacional porém este tipo de actuação, para além de ser visto como uma manifestação de corporativismo irresponsável, garante a acusação por todos os crimes e mais alguns do Código Penal e gera uma meada que dificilmente será desenredada antes de alguns anos.

Se a judiciária militar tivesse montado a “recuperação” com a cobertura de Azeredo Lopes teríamos um “caso politico” em que um dos principais ministros do governo português teria sobreposto corajosamente uma concepção própria de interesse público ao cumprimento de uma legalidade vista como paralisante. Mas o visado, que ninguém associa com esse tipo de posicionamento, nega  com insistência. Veremos se o seu nome passará de sinónimo de erro de casting politico, que sem dúvida foi,  ao de erro judiciário.


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