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Sábado, Dezembro 21, 2024

Lava Jato quis usar novos senadores para derrubar Gilmar Mendes

Procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba viram o resultado do primeiro turno da eleição de 2018 como uma oportunidade para tentar articular o impeachment do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal). É o que revelam mensagens enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil e analisadas em parceria com o UOL. A nova leva de vazamentos mostra como Gilmar, alvo constante de ataques desses procuradores, era tratado como inimigo da Lava Jato.

As mensagens divulgadas nesta quinta-feira (8) remetem a outubro do ano passado. Logo após o fim da apuração – que marcou expressiva renovação do Senado –, procuradores chegaram a fazer contas em um chat privado sobre os votos necessários para o impedimento de Gilmar Mendes. Como forma de desgastá-lo, também foi cogitado negociar com senadores a convocação do ministro, para que levasse um “puxão de orelha” público dos parlamentares.

O chefe da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, em especial, não escondia a animosidade nutrida em relação a Gilmar Mendes – que não perdia oportunidades de criticá-lo em público. Em 10 de junho do ano passado, uma entrevista de Gilmar ao jornal O Estado de S. Paulo o deixou indignado.

Na reportagem, o ministro afirmava que no projeto das “10 medidas contra a corrupção”, apadrinhado por Dallagnol, havia iniciativas “completamente nazifascistas”. E emendava: “É coisa de tarado institucional”. No chat Filhos do Januário 2, Deltan rebateu aos colegas às 12h59: “Vou responder dizendo que Gilmar é um brocha institucional”.

Os procuradores mostraram empolgação com o resultado do primeiro turno da eleição de 2018 no Congresso – classificado por eles como uma vitória. A renovação do Senado – onde os novatos levaram 24 das 32 cadeiras de senadores que tentavam a reeleição – não passou batida pelos membros da Lava Jato: é lá que pedidos de impeachment contra ministros do STF são julgados.

Já durante a apuração do primeiro turno, eles começaram a traçar cenários para um possível impeachment de Gilmar no chat Filhos do Januário 3. “Da pra sonhar com impeachment do gm ?”, perguntou às 20h48 o procurador Diogo Castor, então integrante da força-tarefa de Curitiba. No que é respondido por Laura Tessler às 20h50: “Sonhar sempre pode, Diogo. Mas não tem chance de se concretizar”. A grafia das mensagens foi preservada tal como consta no lote de mensagens recebido pelo Intercept, sendo mantidos os erros gramaticais, ortográficos e de informação.

O tema voltou à baila na madrugada de 8 de outubro, agora por conta de um comentário do procurador Paulo Roberto Galvão, também membro da força-tarefa em Curitiba. “Olha aí. Agora sim, pela primeira vez é possível sim de se pensar em costurar um impeachment de Gilmar. Mas algo pensado e conversado e não na louca sem saber onde vai dar”, escreveu às 1h07.

Fazendo referência a uma informação trazida antes por Dallagnol – de que 11 senadores eleitos tinham se comprometido com a agenda do movimento Unidos Contra a Corrupção –, Diogo Castor passou a fazer contas. “Precisamos de 54 senadores”, listou. “Se tem onze comprometidos com as medidas contra a corrupção”, continuou o raciocínio. “Faltam 43 de 70”. As mensagens foram enviadas entre 1h26 e 1h27.

A contabilidade diz respeito ao mínimo de votos necessários para a aprovação no Senado de um possível impeachment de ministro do STF. A destituição de ministros do STF é regulamentada na Lei 1.079/1950, conhecida como Lei do Impeachment, que também versa sobre o presidente da República e outras autoridades. A denúncia precisa ser recebida pela mesa diretora do Senado para que o processo de impeachment seja iniciado.

Nesse caso, ela é lida em plenário na sessão seguinte e enviada para uma comissão especial criada para avaliá-la de acordo com o rito estipulado na lei. Caso seja aprovada na comissão especial, a denúncia será apreciada pelo plenário. O impeachment do ministro do STF é confirmado se ao menos 54 dos 81 senadores votarem favoravelmente.

Pela manhã, o procurador Orlando Martello Junior avaliou que o impeachment era impossível. Mas trouxe como alternativa uma estratégia para desgastar a imagem do ministro com o auxílio dos novos congressistas.

“Impeachment, diria, é impossível. Talvez costurar um pedido de convocação, em q ele fique exposto, com cobranças, puxão de orelha e coisa tal, é mais factível. Os novos senadores, q não tem o rabo preso, podem ver isso como uma alavancagem”, especulou às 8h. Às 8h03, Orlando emendou: “Sem falar q o quórum para aprovação deve ser bem menor ou mesmo pode ser feito no âmbito de uma das comissões, talvez a de justiça (não vi o regimento!)”.

A opção Randolfe

O fato é que a nova legislatura no Senado tem sido marcada por tentativas de desgastar ministros do STF considerados opositores da Lava Jato. Além de Gilmar Mendes, entram nesse rol o presidente da Corte, Dias Toffoli, e Ricardo Lewandowski. Em fevereiro, foi protocolado um pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar abusos cometidos nas Cortes superiores apelidada de CPI da Lava Toga.

Proposta pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), contou com o apoio de outros 26 parlamentares – entre eles, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Foi Randolfe, tido como aliado pela força-tarefa, quem tentou dar prosseguimento a um pedido de impeachment de Gilmar protocolado pelo jurista Modesto Carvalhosa em março. Em junho, o senador apresentou uma questão de ordem para que se desse sequência ao pedido de impeachment contra Gilmar, mas isso não foi adiante.

Na terça-feira (6), o site El País, em parceria com o The Intercept Brasil, mostrou que procuradores da Lava Jato em Curitiba, liderados por Deltan, fizeram um esforço de coleta de dados e informações sobre Gilmar Mendes, com o objetivo de pedir sua suspeição e até seu impeachment. De acordo com as mensagens publicadas, procuradores e assistentes planejaram acionar investigadores na Suíça para tentar provas contra o ministro, o que extrapolaria as competências constitucionais dos procuradores. Uma aposta da força-tarefa era que Gilmar aparecesse como beneficiário de contas e cartões que Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador financeiro do PSDB, mantinha no país europeu.

Os procuradores de Curitiba informaram, através da assessoria de imprensa do MPF, que “não surgiu nas investigações nenhum indício de que cartões da conta de Paulo Vieira de Souza tenham sido emitidos em favor de qualquer autoridade sujeita a foro por prerrogativa de função”. A nota também diz que, “sempre que surgem indícios do envolvimento em crimes de pessoas com foro privilegiado, a força-tarefa encaminha as informações à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal”.


Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


 

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