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Quarta-feira, Julho 17, 2024

A cultura africana e a(s) cultura(s) africana(s) em Portugal

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

“Diz o que não faz
faz  o que não diz.
Diz o que não pensa
pensa o que não diz.”
Kadher Khan

“A verdade é um leão envergonhado.”
DMG

Permanece um certo sentimento de desilusão global de quem realmente se preocupa com a divulgação, a difusão, a preservação e a afirmação da cultura africana (em geral) e da moçambicana (em particular e especial) em Portugal. E refiro-me aos seus próprios “actores” e protagonistas. Não creio que seja obrigação dos portugueses fazê-lo nem tão pouco dos brasileiros ou de outros, apesar de toda a boa vontade que possa existir.

Pese embora a recorrente, comum e vulgarizada aculturação dominante e da globalização crescente das sociedades em que nos inserimos nas diásporas, creio que os principais responsáveis por ela devem ser sempre os próprios. É claro que a colaboração e participação alheia pode e deve ser muito útil e fundamental tendo em conta o espaço geográfico que habitamos, partilhamos e em que nos movemos, integramos e inserimos e os próprios objectivos definidos e a alcançar pelas comunidades.

Verdadeiramente e salvo raras excepções, em princípio normalmente só um cigano conhece profundamente a cultura ancestral cigana, só um português conhece profundamente a cultura ancestral portuguesa, só um chinês conhece a cultura ancestral chinesa, só um indiano conhece a cultura ancestral indiana, só um japonês conhece verdadeiramente a cultura ancestral japonesa e só um africano que se identifica como tal poderá conhecer e ser o responsável e protagonista da mesma. É claro que não estamos a falar de um conhecimento superficial das culturas.

Mas, por qualquer razão perpetuam-se, permanecem e reinam equívocos.

Por um lado, uma vez que a afirmação de um espírito democrático tarda nas mentes de alguns, assiste-se claramente às tentativas de politização e partidarização da cultura africana ou culturas africanas (em geral) e da moçambicana (em particular), em especial em Lisboa, sendo o fenómeno comum em todo o território português. Quem tem poder parece possuir o plano que os próprios protagonistas culturais não parecem possuir. Depois, há as guerras de protagonismo dos próprios protagonistas que se vão tornando mesquinhos ao ponto de muitas vezes apesar de beneficiarem das iniciativas dos dirigentes associativos sérios, empreendedores e promotores mais criativos, esforçados, altruístas e descomprometidos, quererem tudo o que estes criaram, criam, possuíram  ou possuem. Resultado? Muitos desistem e desaparecem do mapa, preferindo trabalhar com os não africanos.

Lembramo-nos bem do conselho experimentado de um desaproveitado intelectual moçambicano exilado que dizia que meter-se no mundo associativo em Portugal é meter-se em problemas, é atrair invejosos e inimigos, é atrair problemas. Até prova em contrário sempre teve razão.

Embora seja perigoso e excessivo generalizar-se e dizer-se, as associações de africanos (em geral) e moçambicanas (em especial) nascem como cogumelos, mas não crescem, não são sustentáveis, não possuem consistência. E não o são e nem a possuem por culpa própria; em geral não são autónomas financeiramente por culpa própria.

Há muitas iniciativas dispersas sem consistência e a visibilidade cresce mais pela moda do momento, pelo exotismo e pela onda de adeptos de um multiculturalismo questionável que virou moda, mas é inconsistente e serve apenas o interesse político de alguns (portugueses e africanos). Os seus ideólogos certamente exultarão, nós não. Preferiríamos o interculturalismo e o respeito recíproco sem interferências.

Perguntamo-nos  porque será que não existe ainda uma Casa da Cultura africana ou das culturas africanas em Lisboa? Porque não existe um Centro Cultural Africano (congregador)? E será possível realizá-lo sem interferências políticas? Porque não existe um Centro de Línguas Africanas em Portugal? Será possível concretizá-lo? E se não é possível, porquê? Porque não existe um Centro Cultural de Moçambique em Lisboa? Como é possível que não exista, com tanto potencial e mais-valias? O país de Malangatana, Chichorro, Pádua, Virgílio de Lemos, Noémia de Sousa, José Craveirinha, Mia Couto, Ungulani, Paulina Chiziane, Adelino Timóteo, Eusébio, Mário Coluna, Chiquinho, Kok Nam, Santimano, Naguib, White, Nogar, Mutola, Ruy Guerra, Chibanga, Canotilho, Hilário, Lívio de Morais, Luís Cardoso, Chissano, Ascêncio, Luís Soares, João Paulo Borges Coelho, Bucuane, Paradona, Armando Artur, Cezerilo, Ana Mafalda Leite, Calane, Bertina Lopes, Noel Langa, Shikhani, Estevão Mucavele, Inácio Matsinhe, Gemuce, Ídasse, Jorge Dias, Mankeu, Machiana, Suleiman Cassamo, Sebastião Alba, Rui Noronha, Fátima Mendonça, Furdela, Maria Paula Menezes, Marcelo Panguana, Meigos, Okapi, João Ribeiro, Licínio Azevedo, Júlio Silva, Eugénio Lisboa, Alberto Lacerda, José Gil, Forjaz, Carrilho, Sultuane, Taruma, Pedro Lopes, Japone Arijuane, Bonde, Mapera, Teresa Oliveira, Lara Guerra, Sara Laísse, Manuela lobo, Costa Neto, Pedro Ben, André Cabaço, José Mucavele, Magassela, Eugénio Santana e Delmar Maia Gonçalves (este humilde poeta e activista cultural que aqui vos escreve e fala), entre outros.

Os africanos em geral e os moçambicanos em particular nunca foram unidos nem são.

Continuam a olhar-se como adversários ou inimigos que se defrontam para alcançar objectivos. E dizemo-lo por experiência própria.

Tomemos  como exemplo uma simples Associação de Escritores, nesse caso o Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora – CEMD), fundado  em 2010 em Lisboa, múltiplas vezes copiado, seguido, admirado e igualmente odiado por “alguns” e que se cinge exclusivamente a promover os autores, os livros e artistas moçambicanos (escritores, poetas, artistas plásticos, músicos e cineastas) sem distinção de raça, etnia, religião, orientação sexual, partido ou género, além de todos os outros autores e artistas da CPLP e não só (associados, amigos ou não), foi vítima de tentativa de destruição por alguém que não sendo moçambicano, estava no entanto a ser promovido, publicado, divulgado, reconhecido e galardoado pela organização e em especial pelo próprio presidente desta. A resposta mercenária foi apenas uma forma “gentil” de agradecimento (a única que conhecia, talvez?) da parte de tal personagem e a mentalidade nele entranhada e estampada  muito transparente, de resto (foi quero tua associação, teus eventos, teu cargo, tuas edições, teus cartazes, teu reconhecimento, tua estratégia, tua criatividade, tua inteligência, teu currículo, teus contactos, tua influência, teu emprego, teu sucesso, tua casa, teu carro, tua mulher, teus filhos, teus amigos, teu sorriso, tua felicidade, tua vida) e isso implicava a destruição total e completa do outro. Esperemos que não seja esse o modus operandi dos seus mandantes ou mandatários!

Isso seria a instituição oficial da pena de morte de qualquer genuína associação sem fins lucrativos, apartidária e com fins altruístas de serviço às comunidades.

Digamos que prestou um serviço a ele próprio e a um grupelho “qualquer” devidamente identificado. Quase caricatural, mas aconteceu  em Lisboa.

Ser apartidário e descomprometido, comprometido apenas com causas e com seres humanos é um pecado capital.

Várias associações de imigrantes africanos estão infiltradas por personagens do calibre do já mencionado, que apenas buscam o protagonismo pessoal, a exclusividade, o alcance puro e simples de objectivos pessoais em exclusividade, a concretização de objectivos obscuros encomendados, que não conseguiriam de outra forma. Muito deles já nem consciência possuem, pois perderam-na algures nos altares do cifrão.

As associações passaram a ser uma extensão para alcance de objectivos políticos de alguns protagonistas.

Tal como na política actual, não servem ninguém, apenas se servem dos outros e falam em nome dos outros sem autorização, pois não possuem carta branca para tal.

Conhecemos o associativismo africano e moçambicano em solo luso faz muito tempo e não será possível às associações de imigrantes africanos em geral e as moçambicanas em particular, trabalharem em conjunto no exterior com as diásporas, neste registo de tentativas de controlo. As únicas excepções e que devem permanecer legitimamente são no caso moçambicano, a OJM e a OMM que são organizações de base partidárias ou para – partidárias oficiais desde o tempo do monopartidarismo e específicas para jovens e mulheres que estão filiados normalmente no partido no poder e que desenvolvem um bom trabalho de congregação e mobilização nas suas esferas de actuação. E se o mesmo não sucede com os outros partidos será por mera inoperacionalidade e incapacidade destes e dos seus quadros, pois a nova constituição do país, sendo de um estado de direito democrático, é clara e inequívoca.

Relativamente às outras associações independentes, é nossa opinião e convicção que o papel dos governos, das embaixadas e dos partidos só pode entrar depois, com contributos que envolvam  e estimulem o espírito nacionalista, democrático, crítico e construtivo das comunidades nas sociedades em que se inserem e onde estão sediadas. Seria mais fácil a divulgação e circulação do livro, da música, das artes plásticas, da fotografia, da dança, da arquitectura e da investigação de cada um dos países da CPLP, em particular de Moçambique com o apoio oficial e o contributo de todos.


 

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