Os advogados do ex-presidente Lula entraram nesta quarta-feira (28) com pedido de habeas corpus para que o STF (Supremo Tribunal Federal) estenda a ele a decisão de anular sentenças condenatórias do ex-juiz Sergio Moro. Na terça (27), a 2ª Turma do STF derrubou decisão de março de 2018 de Moro que condenou Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, a 11 anos de prisão.
Os magistrados entenderam que a condenação era nula porque Bendine foi proibido de apresentar as alegações finais de sua defesa depois de delatores da Odebrecht que faziam acusações a ele. Os advogados de Lula já tinham apresentado reclamação nesse sentido a outros tribunais. Mas, diante da decisão do STF, decidiram recorrer imediatamente ao tribunal pedindo que o mesmo direito seja reconhecido para o ex-presidente.
Os defensores do petista relatam pedidos que foram apresentados a Moro e indeferidos pelo então juiz. No processo em que se investiga as reformas feitas no sítio de Atibaia, visitado por Lula, os advogados pediram que o prazo para a apresentação de suas alegações finais fosse deflagrado “somente após a apresentação das alegações finais pelos corréus-colaboradores , em singela homenagem ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa”.
O juiz indeferiu. Segundo ele, “a defesa do acusado colaborador não é acusação”. Não caberia, portanto, “fazer distinção entre acusados colaboradores e acusados não-colaboradores, outorgando vantagem processual a uns em detrimento de outros”.
O STF estabeleceu o bom senso e entendeu o contrário de Moro. Para os ministros, o réu acusado pelos delatores deveria apresentar sua defesa posteriormente, para poder se defender das imputações feitas a ele pelo colaborador. Os advogados de Lula afirmam ainda que ele está sendo submetido a constrangimento ilegal e pedem que o ex-presidente seja solto imediatamente.
Na opinião de juristas ouvidos pelo UOL, a decisão do STF deve beneficiar todos os réus que não tiveram o direito de defesa garantido pela Justiça, inclusive Lula. “Se o Supremo for coerente, a tendência é que se mantenha a mesma linha e anule outros processos. A culpa é do Supremo? É da defesa? Ou é do juiz em primeiro grau?”, questiona o professor de processo penal da USP, Gustavo Badaró.
Para ele, “é absolutamente óbvio” que um juiz primeiro abra as alegações finais para o Ministério Público, depois para os delatores e então aos delatados. “Talvez Moro tenha querido dar aos processos uma hiperceleridade para prestar contas à opinião pública. Mas a pressa é inimiga da perfeição.”
Advogado criminalista, Fábio Mariz de Oliveira diz que “nada é mais justo que quem está sendo delatado possa saber o que vai ser dito nas alegações finais pelos delatores”. Segundo ele, se o caso do sítio de fato for semelhante, a decisão do STF “pode influenciar” esse e outros processos. “Acho que muitos advogados vão recorrer. É nosso papel fazer isso quando decisões judiciais são contrárias ao devido processo legal.”
Lula terá o mesmo direito de recorrer, diz o criminalista Marcelo Leonardo, professor de processo penal da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). “Mas os juízes vão examinar caso a caso”, afirma. “Mesmo que tenha havido desrespeito a uma norma penal, é preciso demonstrar que houve prejuízo concreto para o réu naquele processo. Sem isso, a conduta não anula o ato processual. Não podemos generalizar.”
Oliveira diz acreditar que a decisão será crucial para o futuro da delação premiada, “que virou uma espécie de prova-mãe”. “Estão condenando sem provas, baseados apenas em delação. Começou com a Lava Jato e se replicou em todas as instâncias na Justiça criminal.” Para ele, “a delação foi criada no Brasil de forma atabalhoada. Não tem uma regulamentação com limites, como em outros países. A parte legislativa está sendo feita pelo judiciário. Os limites da delação e os cuidados com ela estão sendo criados no dia a dia”.
Para Badaró, da USP, “a decisão de ontem foi absolutamente correta. Hoje, o Moro e a força-tarefa da Lava Jato estão fragilizados, mas prefiro crer que o Supremo não se deixou influenciar pela opinião pública.” Já Leonardo, da UFMG, diz que os ministros do STF podem se sensibilizar com os recentes vazamentos da Lava Jato, “que mostram comportamento nada razoável de juiz e procuradores. E como todo mundo está sabendo o que houve, isso pode ajudar o ministro a formar voto, embora a Segunda Turma venha proferindo decisões comprometidas com o garantismo penal.”
Em nota, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná disse que recebeu a decisão do STF com “imensa preocupação” e que o precedente abre caminho para anular a maior parte das condenações já expedidas na operação. Na opinião de Badaró, se a Lava Jato estiver sob risco, a culpa não é do STF. “A decisão de ontem não é perigosa. Perigoso foi o que o Moro fez. Se o STF decidiu assim, é porque o Moro errou”, diz o professor.
Texto original em português do Brasil
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