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Quarta-feira, Julho 17, 2024

O que Mário Centeno deveria ter perguntado aos Funcionários Públicos

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Qual é motivação que podem ter no trabalho se, depois de 4 anos deste governo, o seu poder de compra continua a ser inferior, ao de 2009, em -13,2% (o dos médicos -17,1%) e face à degradação dos serviços devido à falta de trabalhadores e de investimento

Neste estudo analiso a evolução do poder de compra dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas por categorias profissionais entre 2009, ultimo ano em que se verificou uma actualização geral das remunerações dos trabalhadores da Função Pública, e 2019. Utilizo, para isso, dados divulgados pela Direcção Geral da Administração e Emprego Público do Ministério das Finanças em 14 de Agosto de 2019, e referentes ao 2º semestre de 2019.

A conclusão que se tira com base nesses dados oficiais é que o poder de compra médio dos trabalhadores da Função Pública  em 2019 é inferior ao que tinham em 2009 em -13,2%. No entanto, existem categorias profissionais em que a perda de poder de compra foi muito maior. São exemplos os casos do:

  • “Pessoal de investigação cientifica”, tão necessários ao desenvolvimento do país, em que a redução do poder de compra atingiu -28%;
  • os trabalhadores do Serviço Estrangeiros e Fronteiras que tiveram um diminuição no seu poder de compra de 19,3%%;
  • os médicos, fundamentais para o SNS, que sofreram uma redução no poder de compra, neste período, de -17,1%;
  • os Assistentes Técnicos fundamentais para o funcionamento de todos os serviços públicos, cujo poder de compra do seu ganho médio, que inclui a remuneração base e todos os subsídios (inclui também o subsídio de refeição), sofreu uma quebra de -13% entre 2009 e 2019.

O das restantes categorias profissionais constam dos quadros deste estudo.

Este estudo é uma resposta ao inquérito que o ministro das Finanças pretendia fazer aos trabalhadores da Função Pública sobre a sua motivação no trabalho, pois ele mostra, utilizando dados oficiais divulgados pelo próprio governo, a realidade da situação das Administrações Públicas e a forte destruição a que foi sujeita, que não foi revertida após 4 anos do actual governo, e que está a ter consequências dramáticas para os portugueses, de que é exemplo comprovativo a situação do SNS, da ADSE que nem é financiada pelo Orçamento do Estado, e da maioria dos serviços públicos essenciais para a população.

Espero que este estudo possa ajudar os trabalhadores da Função Publica na sua luta por melhores condições de vida e por melhores serviços públicos para os portugueses e para que a opinião pública conheça melhor a situação destes trabalhadores essenciais para o bem-estar e segurança dos portugueses.


Estudo

A pergunta que Mário Centeno devia ter feito mas não fez no inquérito aos trabalhadores da Função Pública era a seguinte: Qual é motivação que podem ter no trabalho se, depois de 4 anos deste governo, o seu poder de compra continua a ser inferior, ao de 2009, em -13,2% (o dos médicos -17,1%) e face à degradação dos serviços devido à falta de trabalhadores e de investimento

Recentemente os órgãos de comunicação social divulgaram a notícia que o Ministério das Finanças tinha mandado fazer “um inquérito sobre questões motivacionais dirigido a todos os trabalhadores em funções públicas” com “um conjunto de questões relacionadas com a motivação no trabalho, nomeadamente decorrentes da acção governativa” e, em particular, sobre a “comparabilidade com aos resultados obtidos em 2015”. O objectivo de manipulação política era tão evidente que, perante a denuncia e a reacção dos sindicatos, o ministro Mário Centeno veio à pressa, em comunicado de imprensa de 8/8/2019, adiar tal inquérito. Mas o que Mário Centeno devia perguntar aos trabalhadores da Função Pública é o que pensam sobre a situação que mostramos neste estudo, utilizando dados do 2º trimestre de 2019 divulgados recentemente pela DGAEP do Ministério das Finanças e pelo INE.

 

Quadro 1- A evolução das remunerações ilíquidas dos trabalhadores da Função Pública entre 2009/2019

NOTA: RBMM : Remuneração Base Média Mensal (sem subsídios e complementos); GMM : Ganho Médio Mensal (inclui remuneração base mais todos os subsídios e complementos)
FONTE: Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP) – 2º Trimestre 2019- DGAEP- Ministério das Finanças e Administração Pública

 

Como revelam os dados do Ministério das Finanças do quadro, se pusermos de parte a reposição dos cortes (teve um efeito de +2,9% no Ganho médio, mas em algumas categorias profissionais como a do Assistente técnico foi praticamente nulo) e cujo resultado  foi apenas a reposição das remunerações que os trabalhadores recebiam em 2009, ultima ano em que houve na Função Pública uma actualização geral das remunerações de todos os trabalhadores, o aumento médio verificado em 10 anos (2009/2019) foi apenas de 2,2% na Remuneração Base Média Mensal (RBMM) ilíquida e de 3,8% no Ganho Médio Mensal (GMM) ilíquido, ou seja , antes de sofrer os descontos (IRS, ADSE, CGA ou Segurança Social). Por ex., em relação aos médicos, uma categoria profissional vital para garantir o funcionamento normal do Serviço Nacional de Saúde, agora a enfrentar graves dificuldades devido à falta de profissionais, verificou-se mesmo uma redução 1,8% na Remuneração Base Média Mensal, e uma pequena subida de 1,4% no Ganho Médio Mensal ilíquido entre 2009 e 2019.

Mas uma coisa são as remunerações e os ganhos ilíquidos (brutos), portanto antes de quaisquer descontos, e outra coisa bem diferente são as remunerações e ganhos líquidos (após descontos apropriados pelo Estado). É o que vamos mostrar utilizando o Ganho Médio, ou seja, tudo o que o trabalhador recebe, portanto inclui a remuneração base mais subsídios, que consta do quadro 2.

 

Quadro 2 – Variação do Ganho Médio Líquido dos trabalhadores da Função Pública entre 2009/2019

FONTE: Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP) – 2º Trimestre 2019- DGAEP- Ministério das Finanças e Administração Pública

 

Portanto, mesmo antes de entrar em conta com o efeito corrosivo do aumento de preços registado entre 2009 e 2019, o Ganho Médio Mensal (GMM) liquido, isto é , após os descontos para o IRS, ADSE e CGA/Segurança Social, e adicionando o subsidio de refeição pois este não está sujeito a descontos, de todos os trabalhadores das Administrações Públicas é, em 2019, inferior ao de 2009 em -2,8%. No entanto, há categorias profissionais onde a redução foi muito maior, nomeadamente Pessoal de Investigação Científica (-19,3%); SEF (-9,6%); Médicos (- 7,2%); etc.., etc.

Mas se se entrar em conta com o efeito corrosivo do aumento de preços verificado neste período (2009/2019) que, segundo o INE, atingiu 12%, a situação destes trabalhadores é muito mais grave. É isso que vamos mostrar até para que António Costa e Mário Centeno possam, por eles próprios, avaliar qual deve ser a motivação dos trabalhadores da Função Pública no trabalho.

Os efeitos na degradação do poder de compra dos ganhos (inclui a remuneração base e todos os subsídios) líquidos (após os descontos para o IRS, ADSE, CGA) dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas devido ao aumento de preços verificado entre 2009 e 2019 encontram-se quantificados nos dados do quadro que a seguir se apresenta (quadro 3) baseado em dados oficiais.

Como rapidamente se conclui do quadro 3, o poder de compra médio dos trabalhadores da Função Pública sofreu, entre 2009 (último ano em que se verificou uma actualização geral das remunerações destes trabalhadores) e 2019, uma redução de -13,2%.  Se juntarmos a isto a degradação dos serviços públicos por falta de trabalhadores, o que determina a sobrecarga dos que estão em actividade, e também a falta de investimento público que tem como consequência a falta de equipamentos e mesmo consumíveis essenciais ao funcionamento dos serviços, é fácil de concluir qual deve ser o grau de motivação dos trabalhadores da Função Pública. Se António Costa e Mário Centeno não estivessem cegos com os elogios de Bruxelas e da direita à sua política de défice orçamental zero não necessitariam de inquéritos. O défice orçamental de zero que tanto se gabam está a ter elevados custos para os trabalhadores da Função Pública, para os serviços públicos que estão a sofrer uma forte degradação e para o país. Pior que um cego é aquele que se recusa a ver o que é óbvio.

O quadro 3 permite fazer o uma análise mais detalhada da situação dos trabalhadores da Função Pública.

Quadro 3 – Variação do poder de compra do Ganho Médio Líquido dos trabalhadores da Função Pública (inclui todas as Administrações Públicas) entre 2009/2019

FONTE: Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP) – 2º Trimestre 2019- DGAEP- Ministério das Finanças e Administração Pública

 

Segundo dados do Ministério das Finanças e do INE, o poder de compra médio dos trabalhadores da Função Pública, entre 2009 e 2019, reduziu-se em -13,2% como já se referiu. No entanto, existem categorias profissionais em que a perda de poder de compra foi muito maior. São os casos do:

  • Pessoal de investigação cientifica”, tão necessários ao desenvolvimento do país, em que a redução do poder de compra atingiu 28%;
  • os trabalhadores do Serviço Estrangeiros e Fronteiras que tiveram um diminuição no seu poder de compra de 19,3%%;
  • os médicos, fundamentais para o SNS, que sofreram uma redução  no poder de compra, entre 2009 e 2019, de -17,1% .

Interessa referir que a: situação dos profissionais do SNS, vitais na prestação de um serviço essencial à população e na defesa do SNS, é insustentável  já que o poder de compra destes profissionais sofreu uma forte redução, no período 2009/2019, que variou entre -10,7% e -18,5%, o que está a destruir o SNS e a empurrar estes profissionais a trabalharem para os grandes grupos privados de saúde, uma forma de financiamento do sector privado de saúde à custa do SNS que é reforçada pelo recurso maciço do SNS à contratação de serviços a privados, para colmatar a falta de trabalhadores, situação esta que a nova lei de bases da saúde não resolve, pois deixa a  exclusividade e uma carreira digna para os profissionais de saúde ao arbítrio do governo, o qual está sujeito aos ditames de Bruxelas, o que está destruir  o SNS perante a passividade mesmo daqueles que o defendem.

Se tivermos em conta tudo isto, junto à forte degradação dos serviços devido à falta de trabalhadores e de investimento público, causado por um governo dominado pela obsessão de reduzir o défice orçamental a zero, assim como a total submissão e ingerência na gestão dos serviços públicos do Ministério das Finanças dominado por aquela obsessão, como acontece na ADSE que nem é financiada pelo Orçamento do Estado, a que se junta muitas vezes a nomeação de pessoas para os cargos de direcção baseados ou em critérios partidários ou por amiguismo e não com base na competência (são autênticos comissários políticos) o que agrava a má gestão, é  fácil de prever qual deverá ser a motivação actual dos trabalhadores da Função Pública ao fim de 4 anos deste governo, e depois de terem suportado os desmandos da “troika” e do governo PSD/CDS.

Era importante que António Costa e Mário Centeno tivessem presente que a realidade não se muda com simples palavras enganadoras.



 

 


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