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Sábado, Dezembro 21, 2024

Do Princípio da Incerteza

José Cipriano Catarino
José Cipriano Catarino
Professor (aposentado) de Português. Licenciado em Estudos Portugueses e Franceses pela Faculdade de Letras de Lisboa. Mestre em Linguística pela mesma faculdade.

Idade:  quarenta e cinco anos. Estado civil: divorciado. Profissão: desempregado. Acrescenta, em jeito de justificação: era até há pouco quadro bem pago de próspera empresa. Inadequação ao posto de trabalho, alegaram os Recursos Humanos.

Indemnização: uma miséria. Um ano atrás teria recebido o triplo. Mas um ano atrás nem lhe passava pela cabeça que pudesse ser despedido. Começa as frases por quando e se. O seu futuro é conjuntivo. Uma vida em poucas palavras. De circunstância, na sua maior parte. Resignado, repete o lema de toda uma geração: novo demais para a reforma, velho demais para conseguir trabalho.

— E agora?

Encolhe os ombros: — Para já, tenho o subsídio de desemprego. Depois, logo se vê.

Alvitro: emigração, Angola…

Meneia negativamente a cabeça: falta-lhe a estaleca; o corpo fraqueja: tensão arterial para o alto, hérnia discal… Não, fica por cá. Casa própria, carro, os seus discos, os seus filmes, os seus livros, pequena poupança no banco. Não tem dívidas. Com pouco se contenta… E talvez, se, quando

Incomoda-me tamanha resignação —mas que faria eu no seu lugar? E que lugar é o meu, não estou também eu conformado, não estamos nós resignados, presos ao passado, desinteressados do futuro? Para onde foi esse tempo da mocidade, em que encarávamos o porvir com esperança, o víamos risonho, e, no entanto, pouco mais tínhamos então do que os nossos sonhos? Não serão os nossos desabafos, as nossas frustrações, iguais às dos velhos de todos os tempos, perdidas as ilusões da juventude?

Acrescenta: felizmente não tem família. Penso, mas não o digo — afinal, é fraca a confiança entre nós: família, um mal, ou um bem? Prisão ou âncora? Sacudo também eu a cabeça: há muito deixei de julgar os outros. Escuto. É a minha função: ouvir e escrever. Mesmo que ninguém leia — e porque é que tudo o que fazemos precisa de ter utilidade, aproveitamento? Não valerá a pena fazer só por fazer? Como o velhote que, receoso de perder a memória, regista minuciosamente em caderno escolar tudo o que faz durante o dia, e depois se esquece de ler as suas anotações? Talvez a escrita seja afinal uma forma de fixar a volatilidade das coisas, de organizar o Mundo, de dar à vida um sentido, ao seleccionar uma probabilidade entre as muitas possíveis — mecânica quântica da palavra, também ela governada pelo princípio da incerteza…


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