[1972. Um jovem estudante, acabado de chegar à capital, participa na sua primeira Reunião Inter-Associações (RIA). Depressa se enfastia com a burocracia associativa.]
— Ponto de ordem à mesa!
— A mesa não aceita mais pontos de ordem nem propostas!
Protestos gritados, cadeiras levantadas, por entre pedidos de calma, de contenção, afinal os estudantes não são arruaceiros, não são caceteiros como os fascistas, pautam-se por valores democráticos…
— Democráticos são os tomates da tua tia! Estamos para aqui como carneirinhos, a balir mansamente declarações de voto e alterações à ordem de trabalhos! Há mais de duas horas, e nem sequer temos Ordem de Trabalhos aprovada! É na rua que se luta contra o fascismo!
— Isso mesmo! Deixemos a carneirada a aprovar moções, e vamos mas é para a rua! É lá que se luta!
— As moções são fundamentais para…
O Zé nem chegou a saber para quê. Saiu também, ansioso por deixar aquele ar viciado, saturado de tabaco e de gritos, entusiasmado pela aventura que se esboçava, a antecipar histórias impressionantes para contar no adro da igreja nas próximas férias.
Rumam à Estefânia, vagueiam desorientados pela praça atraindo involuntariamente as atenções, a fingir interesse pelas montras, a comprar fruta nos lugares, até que uns após outros começaram a seguir rua fora, após indicação bichanada:
— Concentração à porta da Portugália!
Terão os empregados da cervejaria esfregado as mãos de contentes com a aproximação de tantos potenciais clientes. Ou terão resmungado Só me saem duques!, bem sabedores de que os estudantes ocupam mesas horas a fio e pouca despesa fazem. E se algum mais sequioso ou abonado se preparava para beber uma imperial, não pôde, que, de súbito, surgiu da esquina, punho erguido e a gritar, um tipo alto, mochila às costas, rabo de cavalo:
— Abaixo o fascismo!
Foi o detonador. A manifestação arrancou Almirante Reis abaixo. Manifestantes puxaram os cabos dos tróleis dos eléctricos, imobilizando-os e assim dando início a um engarrafamento monumental. Ao passarem junto a banco, alguns mais radicais arrancam pedras do passeio e apedrejam a grande vitrine. O polícia de serviço corre apavorado para cabina telefónica, certamente a dar o alarme. Dentro do banco, os empregados, assustados, refugiam-se por detrás do balcão, temerosos daquela violência inesperada, inusitada na pacata Almirante Reis, na mansa Lisboa, no Portugal dos brandos costumes.
A vidraça resistia. E o Zé, no seu respeito campónio pela ordem e pela propriedade, protesta em vão contra o vandalismo.
— Os bancos são o símbolo da exploração capitalista! Tens de ler Lenine!
Para que o não tomem por reaça, por bufo infiltrado, pega também num paralelepípedo e, embora quase encostado à enorme montra… falha! Falha, ele, rapaz do campo, ás na pedrada! Impossível errar, mas erra, tal como outros manifestantes erravam, e as raras pedras que embatiam na vidraça ricocheteavam, atiradas sem força suficiente para a partir. O guedelhudo de rabo de cavalo, anarca, soube depois, atacou-a com o lancil:
— Abaixo a exploração capitalista! Abaixo o sistema bancário! Abaixo os monopólios!
O vidro estoirou, partiu-se em inúmeros fragmentos. Com ele, estilhaçava-se também a ordem salazarista até então preservada na Primavera Marcelista, o respeito medroso pela autoridade, a indecisão do Zé: de ora em diante era revolucionário, tinha participado em acção terrorista — ou de tal podia vir a ser acusado!
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