Há um furacão econômico varrendo a América Latina. Ele se chama receita do Fundo Monetário Internacional, o famigerado FMI. O Brasil conhece bem a sua face sinistra. No começo dos anos 1980 eram comuns nos jornais e telejornais as imagens dos seus “técnicos” desembarcando por aqui com suas maletas que acondicionavam os contratos draconianos de rendição do país aos interesses que eles representavam.
Como lembrou o economista Celso Furtado, o Brasil enfrentava o desastre da política econômica da ditadura militar e vivia sob o domo da chamada “cavalaria” do FMI, representada pelo Tesouro norte-americano, grandes bancos e outras instituições internacionais. Na década de 1990, os “técnicos” e suas maletas voltaram, dessa vez para administrar o desastre do projeto neoliberal.
Agora, com a virada da América Latina à direita — apesar da resistência dos governos do Uruguai, da Bolívia e do México —, a face do FMI se faz presente no Equador e na Argentina, com os conhecidos desastres decorrentes da sua receita. No Equador o governo acaba de decretar estado de exceção, após uma onda de greves e protestos. A revolta se deu em meio a imposições de um acordo com o FMI, como aumento de 123% nos preços dos combustíveis e “reformas” trabalhistas e fiscais.
De acordo com um comunicado do FMI, “o governo também está trabalhando em grandes reformas destinadas a apoiar a dolarização do Equador, como a reforma do Banco Central”. Para cumprir essa receita, o governo do presidente Lenín Moreno vem promovendo uma série de privatizações, além da demissão em massa de funcionários públicos.
No Peru, há uma crise institucional que também tem fundo econômico. O país foi mais um dos que viveram sob a tutela do FMI no período de hegemonia do neoliberalismo na região e sofre as consequências da atuação dos desdobramentos da Operação Lava Jato no país. Os métodos persecutórios chegaram ao extremo de levar o ex-presidente Alan García ao suicídio.
Na Argentina, o mais fiel retrato da receita do FMI são os índices de pobreza e desemprego. O drama chega ao extremo dos saques a supermercados por parte da população desesperada com a subida dos preços e a desvalorização contínua do peso, a moeda local. O jornal Página 12 relatou um caso em que houve um “tiroteio infernal” quando a polícia chegou ao local, tendo como saldo a morte de um adolescente.
Esse cenário sinistro tem a ver com os efeitos da crise econômica global. Eles estão presentes em todos os países que vivem sob o império do capitalismo. É uma crise sistêmica, com suas consequências bem visíveis inclusive no Brasil. E até no Uruguai — um país com boa administração macroeconômica e política. Tanto que, há um mês da eleição, o candidato governista Daniel Martínez, da Frente Ampla, sustenta seu favoritismo, mesmo com a economia em dificuldades.
Numa situação assim, um governo comprometido com os interesses nacionais faz a diferença. Até porque a receita do FMI e seus efeitos são conhecidos desde a Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944. Com o advento da financeirização da economia capitalista — que ganhou impulso no final da década de 1970 —, eles foram potencializados e espalham mazelas sociais em âmbito global. Ainda são recentes os dramas vividos na América Latina, na Ásia e na Grécia como resultados dessa receita.
Como diz o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, a política do FMI leva à recessão e à depressão. Um país como o Brasil precisaria analisar esse diagnóstico com muita atenção. Lamentavelmente, com a marcha golpista o país entrou na onda das políticas contracionistas que espalham estagnação e geram crises financeiras. Já se houve que o “efeito Orloff” — usado nos anos 1990, inspirado numa propaganda de vodca que dizia “Eu sou você amanhã”, para comparar o Brasil com a Argentina — está de volta.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado