Descobri Albert Cossery numa livraria francesa, a Gibert Joseph, no Boulevard de St Michel, dedicada a obras em segunda mão. Foi aí também que comprei as obras completas de Carl Gustav Jung. Os livros de Cossery em formato livro de bolso.
Depois de lido o primeiro volume que me caiu na mão, voltei à livraria, que fica perto da Rue de Vaugirard, onde ficava e fica o meu Hôtel Paris Vaugirard. Perto do Hotel La Louisiane, bem no centro de St Germain des Prés, onde viveu Cossery. E comprei todos os volumes , que no total são apenas oito romances de uma genialidade que me deixa invejosa. Do autor, da sua vida e da sua perspetiva.
O túmulo deste escritor está no cemitério de Montparnasse. Morreu aos 94 anos, em 2008.
Cossery foi um escritor francês nascido no Egipto. O pai era um levantino, grego ortodoxo nascido na Síria. A família tinha posses, mas pressinto que Cossery também se considerava um pobre filho de pais ricos.
Estudou e viveu a maior parte de sua vida em Paris e escrevia em francês. Aos 27 anos escreveu “Os pobres esquecidos de Deus”.
Todos os livros que escreveu, um romance em cada sete ou oito anos, têm o Egipto, ou um país localizado num nostálgico Oriente Médio criado pela sua liberdade criativa. Chamaram-lhe “O Voltaire do Nilo”.
Foi amigo de Lawrence Durrel, autor do Quarteto de Alexandria, e na minha imaginação sempre pensei que de algum modo, Cossery conheceria Clea, Mountolive, Justine ou Balthazar, personagens que dão o nome a cada um dos volumes do quarteto, livros com quem convivi durante os muitos anos em que foram os meus parceiros de cabeceira, que li e reli, sempre me sentindo mais e mais uma levantina.
Viajei para Chipre, como já disse, sozinha, para voltar a sentir esse espírito muito apátrida dos que viveram entre as duas guerras do século vinte, sentindo-se com a pele de todas as raças e tendo em si sementes de ironia, de sarcasmo, de liberdade, e de não pertença.
Foi também amigo de Henry Miller.
As sua páginas simples e lancinantes homenageiam os humildes e os desajustados da sua meninice no Cairo, e fazem o elogio da preguiça e de uma ingenuidade que, de contemporânea, só pode ter a das crianças que brincam felizes nas favelas, ou que riem nos campos de refugiados transformando o lixo em fantasias.
Albert Cossery, quieto e simples, desmistifica a vaidade e a pobreza do materialismo. Os seus heróis são pobres, vagabundos, ladrões ou homens elegantes e cultos mas sem dinheiro que, só por existirem e rirem põem em causa uma sociedade injusta.
Por exemplo no romance “Un complot de saltimbanques”, Teymour, o herói, falsifica um diploma de engenharia química, enquanto está refastelado no prazer e na luxúria do mundo exterior, e regressa depois à sua cidade de origem, onde entra numa rocambolesca confusão com as autoridades e os ex amigos ricos.
Cossery era homossexual e invulgarmente bonito quando era jovem. Ele nasceu ainda no Império Otomano. A mim sempre me pareceu que o tinha conhecido e que é um amigo que tenho ali.
Albert Cossery sentia que os mendigos podiam ser orgulhosos, que os mais pobres podiam ter dignidade e que ainda o ser diferente podia ser uma mais valia. Carl Rogers havia de ter rido com ele!
Em 1978, “Les fainéants dans la vallée fertile” transformou-se num filme do diretor grego Nikos Panagiotopoulos e ganhou o Primeiro prémio no Festival de Locarno. De “Mendigos e Altivos” (1991) e The Jokers (2004) foram transformados em filmes pela diretora de cinema egípcia Asmaa El-Bakry.
Para Cossery, a indolência, a preguiça, o escárnio, o afastamento, não são poses de activista político.
Ele era assim mesmo. E viveu assim.
Para mim ele foi o último anarquista consequente.
Não o conhecem? Procurem e leiam os seus oito romances.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90