Diário
Director

Independente
João de Sousa

Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Os Exóticos – o regresso à Idade Média

Carlos de Matos Gomes
Carlos de Matos Gomes
Militar, investigador de história contemporânea, escritor com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz

Há dois partidos saídos que propõem o regresso dos portugueses à Idade Média. O Chega e o Iniciativa Liberal. Dois dos seus tribunos entraram para as cortes. A moda das feiras medievais chegou à política e eles asseguraram uns 120 mil fiéis. Jus a eles! Aos infiéis!

O Livre e a sua deputada também são politicamente exóticos, mas não no sentido de medievais. Ficam para uma próxima leitura.

Os programas do Chega e do Iniciativa Liberal propõem, no fundamental, o retorno às funções do Estado que vigoravam na Idade Média: Um estado que não tinha responsabilidades para com os seus membros – nem sequer existia o conceito de cidadão. O Estado Medieval, como o destes espetros não era, como passou a ser na Idade Moderna a organização política da sociedade. Era um estado de servos, que existiam num dado território como os outros animais e serviam sem direitos para garantir a existência de um senhor e dos seus familiares. O Estado medieval não tinha obrigações para com os membros do povo e este estava, no essencial, entregue à sua sorte.

Do programa do Chega: No essencial as funções sociais, no modelo do Estado Social devem tender para um estatuto de mera residualidade, caso seja seguido o princípio da subsidiariedade nas relações entre o Estado e a sociedade civil as funções do Estado serão apenas assumidas quando a sociedade civil não manifestar interesse na sua prestação. Mesmo na esfera das funções soberanas e principalmente na esfera das funções patrimoniais, os sectores delegáveis deverão sê-lo sem qualquer hesitação. Na Idade Média era assim: O Estado era o poder do soberano. Deixava as populações à sua sorte, às fomes e epidemias, às catástrofes, cada um construía o seu tugúrio, não existiam vias públicas de comunicação, nem planeamento, nem saneamento, nem serviços públicos, a não ser o da justiça– reduzida à punição, e o da fé – imposto pela Igreja Oficial. No limite existia o poder arbitral do soberano ou do bispo. Um regresso que quer o Chega quer o Iniciativa propõem. Um poder arbitral representado pelas audiências dos soberanos aos peticionários, que concediam justiça por benesse. É este poder arbitral e discricionário que estas exóticas formações e os seus promotores pretendem ressuscitar.

Os cortesãos do Iniciativa propõem o retorno ao trabalho servil, com um linguarejar atualizado: Aumentar a liberdade contratual, mantendo standards (belo português para quem é contra o AO) de salários, segurança, férias e proteção à família; facilitar novas formas do exercício de funções, pelo teletrabalho, partilha do posto de trabalho ou por prestação com flexibilidade de horário.”

Isto é, o trabalho leiloado na praça, à jorna ou à hora.

Mas como há que atirar areia aos olhos, o novo servo pode ter um seguro mínimo (não vá começar a querer bifes!) universal de desemprego em substituição do atual sistema de SS (o que será um negócio para os fundos especuladores que promovem seguradores e as fecham quando sacaram o que houver a sacar). Investir em programas de requalificação para o desemprego estrutural (sic) – e baixar os encargos sociais para emprego de longa duração, tornando-o competitivo.(Se possível que os desempregados de longa duração morram depressa. Na Idade Média e já antes na Grécia, os desempregados de longa duração – os velhos, os doentes, os incapazes –  eram expulsos e isolados para morrerem longe).

Também como via de retorno à Idade Média, a Iniciativa Liberal propõe o fim do Serviço Nacional de Saúde e do Ensino Público, quando no seu programa repete o que já existia na Alta Idade Média: reduzir a noção (noção, e não conceito ou estatuto) de funcionário público aos que exercem efetivas funções de autoridade pública. Médicos, enfermeiros, professores, técnicos de planeamento, gestores de bens e serviços públicos, segurança social, proteção civil tudo fora. Restam os condestáveis e os meirinhos!

A Iniciativa liberal ressuscita as misericórdias e as enfermarias conventuais, as leprosarias quando propõe que o conceito se segurança social seja subsituído pela solidariedade – voltam as irmãs da caridade! Que se multipliquem sopas de pobres! Rifas e bailes de caridade!

O princípio universal da Iniciativa Liberal é medievo: “haverá de ser o do utilizador-pagador, ou seja, quem usufrui de bens ou serviços, qualquer que seja o seu produtor ou prestador, terá de os pagar” – com a contrapartida conhecida, quem não tem meios para pagar não é utilizador. Voltamos aos pedintes à porta das Igrejas, aos filhos enjeitados, situações modernaças e liberais!

O Chega leu as mesmas ordenações. Define o Estado como uma entidade – um conceito típico da Idade Média e não como a organização política da sociedade! – Sem interferir fora da esfera das suas funções soberanas e arbitrais. Fiéis do Chega: organizem-se: Bombeiros e emergência médica serão privados. Não é função soberana nem arbitral acudir a um ataque de coração ou a um incêndio. Desliguem o 112!

Para animar este retorno ao passado os exóticos Chega e Iniciativa Liberal esmeram-se na linguagem. A Iniciativa Liberal defende “Uma visão, financeira e intergeracional, sustentável dos incentivos à economia.” O que é uma visão financeira e intergeracional sustentável? Deve ser uma tradução do latim, de uma bula ou de uma encíclica. Liberalizar o turismo e habitação. (Ainda mais tuk tuk e AL) e enquadrar juridicamente as criptomoedas. A Dona Branca está de regresso. No século XIX já Mayer Amschel (Bauer) Rothschild afirmava “Deixe-me emitir e controlar o dinheiro de uma nação e não me importarei com quem redige as leis.” Já agora, porque carga de água substituir o dólar, que é a cripto moeda em vigor? E porque não propõem nem o Chega nem a Iniciativa Liberal o fim dos offshores?

O Chega propõe como avanço civilizacional a reintrodução da pena de Prisão Perpétua e, depois de propor o fim do SNS, com o fim do estatuto de funcionário público aos seus servidores, propõe a introdução das medicinas alternativas” Proposta 54 Introdução de profissionais das chamadas medicinas alternativas, nas Unidades de Saúde do SNS (deve haver um prático destes entre os Chegas) E também deve haver caçadores entre os chegados: porque propõe a redução para metade dos custos inerentes às licenças de caça (especialmente caça grossa) e de toda a burocracia excessiva existente. Talvez a questão se resolva com a criação do cargo de Monteiro-mor!

Aguardo por ver os dois gentis homens do Chega e da Iniciativa Liberal apresentarem-se nas Cortes de cota de malha, escudo e alabarda a distribuir moedas aos mendigos e curarem os doentes colocando as suas mãos sobre as cabeças, ao som de alaúdes!

Ao que isto chegou!


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

 

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -