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Terça-feira, Julho 16, 2024

Faltam capitais próprios

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A crónica escassez de capitais próprios nunca será resolvida mediante o aumento do recurso ao crédito, como insiste em fazer crer o sistema financeiro e o governador do Banco de Portugal.

No recente Comunicado do Banco de Portugal sobre o Boletim Económico de Outubro de 2019 projecta-se:

que a formação bruta de capital fixo suba 7,2% em 2019, após um crescimento de 5,8% no ano anterior. O maior ritmo de crescimento reflecte o comportamento da construção, influenciado pela execução de alguns projectos de infra-estruturas de grande dimensão, nalguns casos associados a investimento público e beneficiando de financiamento europeu»

isto depois de em Junho de 2018, na abertura da 7ª Conferência da Central de Balanços do Banco de Portugal, o seu governador, Carlos Costa, se ter referido à questão do financiamento às empresas e à crónica falta de capitais próprios defendendo a necessidade:

de um quadro fiscal e creditício que transforme a empresa num projeto comum de proprietários, gestores e trabalhadores».

Estivéssemos nós no Paraíso (ou em qualquer outro lugar ficcional) e esta referência até poderia ser entendida como positiva ou bem-intencionada. Sucede, porém, que vivemos num país onde esta deficiência além de crónica é histórica, tendo atravessado sucessivas soluções governativas, desde a Monarquia à República e passando pelo Estado Novo. Remonta aos primórdios da introdução da manufactura (realizada sob a protecção ou o beneplácito do poder), transferiu-se para o processo de industrialização (tardio e invariavelmente orientado para produtos com reduzido valor acrescentado) e arrastou-se até aos nossos dias graças à política de monopólios estatais com que a Monarquia procurou suster a sua queda e ao condicionamento industrial do Estado Novo que o que fizeram foi proteger os lucros de umas quantas grandes famílias.

À boa maneira portuguesa (ou latina, se preferirem) o capitalismo nacional cresceu (pouco) mediante o recurso a expedientes e ao crédito bancário, solução que a crise sistémica, despoletada em 2009 com a falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, quase inviabilizou quando fez desaparecer da noite para o dia os colossais activos que a banca mundial afirmava possuir e afinal pouco ou nada valiam.

Nada disto parecerá estranho para quem tenha acompanhado a situação das empresas nacionais nos últimos anos ou a forma como os bancos centrais dos EUA e da UE tentaram contrariar a crise mediante a redução das taxas directoras sem obterem o desejado efeito de relançamento da economia porque, contrariamente ao afirmado por muitos especialistas o verdadeiro problema não está na falta de liquidez (ou até de confiança), mas sim no excessivo endividamento dos Estados, das empresas e das famílias, processo que foi suportado e alavancado em pressupostos de valorização irreal dos activos (empresas e imóveis), pois estes sinais eram evidentes há muito tempo.

A forma de ultrapassar esta situação não é naturalmente fácil, mas substancialmente complicada quando o próprio tecido empresarial nacional (maioritariamente constituído por PME e microempresas de dimensão e gestão familiar) persiste em não enfrentar o problema. A crónica escassez de capitais próprios nunca será resolvida mediante o aumento do recurso ao crédito, como insiste em fazer crer o sistema financeiro e o governador do Banco de Portugal.

Se a realidade mostra que raros foram os casos de sucesso e que essa ideia apenas tem conseguido a manutenção dos lucros do sistema financeiro, será de procurar uma solução diferente, para o que serão necessárias novas abordagens. Entre estas conta-se a ideia da transformação do crédito num bem público, ou seja, a de minimizar aquela que actualmente é a sua principal função: a de acumulação e concentração da riqueza.

Se houvesse melhor distribuição da riqueza anualmente gerada em cada economia, o crédito fosse fundamentalmente utilizado enquanto instrumento de desenvolvimento – aplicado em projectos efectivamente rentáveis e de interesse geral, a taxas suportáveis e geradores de mais bens e serviços e da consequente melhoria das remunerações salariais – e desnecessário enquanto meio para suprir necessidades de consumo, nem as famílias nem os Estados estariam na situação de sobreendividamento que continuamos  conhecer, nem muitas das PME e microempresas viveriam uma situação de asfixiante dependência financeira.

Esta ideia, que nada tem de revolucionário, choca com o discurso neoliberal que defende a justiça da ambição e do egoísmo pessoais e coloca o enriquecimento individual e a qualquer preço como a prova suprema do sucesso social, escondendo que a riqueza desmesurada usufruída por uma minoria rodeada de miseráveis não é apenas socialmente condenável (há até quem simplesmente lhe chame pornográfica) como será insustentável a prazo…

 


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