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Terça-feira, Julho 16, 2024

Ciclos económicos – Parte II

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Quando permanecem bem vivos os receios em torno de uma nova crise económica (sejam eles reais ou mero produto de interesses) não será descabido abordar aqui a questão dos ciclos económicos, teorias que não explicando cabalmente as origens das crises ajudam, seguramente, a melhor entender o problema e a compreender o que muito sobre ele se diz e escreve.

Ciclos económicos e crise do capitalismo

Mas não foram apenas Schumpeter e Kondratiev que se dedicaram ou destacaram no estudo dos ciclos económicos. Assim, enquanto a ideia apresentada por Kondratiev de que o capitalismo se desenvolve em ciclos (ideia que contraria tanto as premissas leninistas da crise geral quanto a ideia dos liberais de prosperidade indefinida da economia) intimamente relacionados com o tempo e o desenvolvimento do capital, a que Schumpeter e os seus continuadores contrapõem a relação entre os ciclos económicos e os ciclos de inovação tecnológica realizados pelas empresas e a sua difusão pela economia, Keynes e os seus continuadores (keynesianos e neokeynesianos) preferem referir as crises como flutuações económicas e relacioná-las com as variações da procura efectiva enquanto ressaltam a importância do excesso de acumulação e da falta de investimento na origem dos desequilíbrios. John Maynard Keynes (1883-1946) referiu mesmo a importância do mercado financeiro e das despesas públicas sobre a procura efectiva.

Antes deles já Karl Marx (1818-1883) tinha abordado a temática do funcionamento da acumulação e circulação do capital entre sectores de uma economia capitalista e concluíra que os ciclos resultavam de desequilíbrios intersectoriais, de crises na produção e na manifestação da tendência de longo prazo para a queda da taxa de lucro no sistema capitalista.

Os marxistas defendem que as flutuações económicas no capitalismo são cíclicas e próprias da dialéctica do sistema capitalista, onde os factores que geram o crescimento (boom) são os mesmos que originam o declínio; para esta escola os ciclos económicos traduzem as flutuações recorrentes e periódicas da actividade económica a longo prazo, determinadas pela variação do nível de lucro dos empresários e de investimento na reposição do stock de capital.

Em clara oposição às teses marxistas e na linha do liberalismo clássico, a escola austríaca fundada por Ludwig von Misses (1881-1973) e continuada, entre outros por Friedrich Hayek (1889-1992), vê na redução artificial das taxas de juros pelo Banco central um processo que conduz a uma má alocação de recursos (normalmente descrita como uma bolha especulativa), devido ao facto de levar as empresas a realizarem investimentos que antes da redução das taxas de juros não seriam considerados viáveis, e que desencadeia um colapso económico; assim, é a redução artificial das taxas de juro que cria uma armadilha para os empresários ao atraí-los para investimentos insustentáveis.

As políticas contraciclo

Costumam designar-se como políticas económicas contraciclo o conjunto de acções definidas pelos governos que visam impedir ou minimizar, os efeitos da fase do ciclo económico em questão. Como os ciclos económicos resultam de situações de sobreprodução, seguidas de fases de declínio na taxa de lucro e a consequente redução dos investimentos e do nível de actividade, as políticas contraciclo surgem especialmente nas fases de recessão e depressão. Ao contrário do que pensavam os clássicos e neoclássicos, a realidade foi demonstrando que os ciclos económicos não se regulam por si mesmo e uma das novidades introduzidas pelos keynesianos foi a defesa dos gastos públicos como o principal instrumento para uma política económica que pretenda abrandar os efeitos da fase de um certo ciclo

Assim, durante a fase de crescimento do ciclo, nos períodos de prosperidade, o Estado deve aumentar os impostos e criar um fundo de reserva que possa ser utilizado durante os períodos de recessão (ou depressão) para estimular a economia, através de uma expansão do crédito e dos gastos alcançada mediante uma redução de impostos.

Conclusão

Admitindo que os ciclos económicos são uma inevitabilidade do próprio sistema de produção capitalista, as teorias desenvolvidas em torno da sua duração resultaram fundamentalmente de observações empíricas pelo que uma definição demasiado rigorosa de uma duração verificada no passado pode resultar pouco adaptada para o futuro. Ainda assim, os trabalhos de Schumpeter e Kondratiev apresentam a inegável qualidade de nos ajudarem a compreender os ciclos passados e a melhor prepararmos os ciclos que nos aguardam, permitindo até formular a ideia que existirão ciclos curtos e longos que são originados por causas diversas, com o primeiros mais dependentes de causas conjunturais e os segundos de causas estruturais.

O grande contributo de Keynes e dos seus continuadores (keynesianos e neokeynesianos) prende-se com a relevância dada ao papel do Estado na tentativa de regulação dos ciclos, ainda que os reais efeitos desta intervenção continuem a sustentar acesos debates entre defensores e críticos.

Já a escola iniciada por Karl Marx, apontando claramente para os problemas originados pela acumulação e circulação de capital, defendem a ideia que as flutuações económicas no sistema capitalista seriam em geral cíclicas e resultantes da sua própria dialéctica – onde os factores que geram o boom originam também o declínio, e assim sucessivamente – e determinadas a longo prazo pela queda da taxa de lucro.

Um pouco à margem das escolas clássica e neoclássica, Schumpeter e os seus continuadores mantém que são as inovações que explicam os ciclos económicos. Baseado neste pressuposto, Schumpeter identificou três ciclos longos:

  1. a revolução industrial, que entre 1787 e 1842 teve no algodão, nos têxteis, no ferro e na máquina a vapor os seus motores;
  2. o ciclo burguês, que entre 1842 e 1897 teve nos caminhos de ferro e no transporte marítimo a vapor, os factores de inovação da época;
  3. o ciclo neo-mercantilista, que entre 1897 e 1950 assistiu à inovação introduzida pela indústria química, a electrificação e a indústria automóvel.

Também Nikolai Kondratiev verificou a existência de três ciclos longos:

  1. entre 1800 e 1848, iniciado com a máquina a vapor terminou na crise de 1848;
  2. entre 1848 e 1896, teve no caminho de ferro o seu principal motor e terminou com o período da Grande Depressão (1873 a 1896);
  3. entre 1896 e 1940, iniciou-se com o motor de explosão e a electricidade e terminou com a Crise de 1929;

havendo depois dele quem identificasse um quarto ciclo, iniciado em 1940 com o crescimento das indústrias petrolífera e electrónica. Para este ciclo há quem o considere ainda em vigor ou terminado na década de 1970, com a crise do petróleo, e iniciado um quinto – marcado pelo sector da electrónica – e com final previsto entre 2010 e 2020…

Mas o processo de financeirização duma economia globalizada pela busca incessante de lucros crescentes pode atrasar ou acelerar o processo e assim o ciclo pode já ter terminado com a crise iniciada em 2008, ou esta ter constituído apenas mais um passo para uma crise ainda profunda.


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