O Washington Post conta como uma organização da alt-right tentou engana-lo; o jornal diz que recebeu denúncias de abusos sexuais falsas contra o republicano Roy Moore. Adotando uma postura antiética, a extrema-direita utilizou-se de uma falsa denúncia em um contexto de extrema dificuldade para as mulheres vítimas de abusos, já que raramente recebem credibilidade ao denunciarem. Com a manipulação, em nada acrescentam na luta contra o establishment.O falso relato foi feito por parte de uma mulher que, ao que tudo indica, colabora com uma organização que tem como objetivo descredibilizar os meios de comunicação social de referência nos Estados Unidos.
Roy Moore, republicano candidato às eleições para o Senado pelo estado do Alabama e apoiado por Trump, foi acusado de abuso sexual contra menores há cerca de um mês.
Como narra o jornal português Público, o Washington Post publicou as denúncias que contra Moore, no início de novembro. O republicano desmentiu os crimes e recusou afastar-se das eleições para o Senado no Alabama, apesar de algumas figuras do Partido Republicano o exigirem.
Pouco depois da publicação dessa história, o Post conta que uma de suas jornalistas foi abordada por uma mulher, que usou um nome fictício para contatar o jornal, mas que já se sabe seu nome real. Ela alegava ter informações sobre o comportamento de Moore. Em um encontro com a referida jornalista, a mulher relatou diversos episódios, alegando que manteve relações sexuais com o agora candidato a senador em 1992, quando tinha 15 anos, e que levaram a uma gravidez e depois a um aborto.
O jornal explica que não publicou os relatos pois não tinham sido fundamentados. As jornalistas confrontaram depois a mulher com as inconsistências e contradições existentes na alegação. A resposta da mulher foi dizer que não trabalhava para nenhuma organização que tem como alvo os jornais.
O Post publicou um artigo em que conta ter visto a mulher em questão entrar em um edifício-sede do Projeto Veritas, na segunda-feira (27). A organização da alt-right trabalha para atingir aquilo que chama de “comunicação social mainstream”, utilizando para isso notícias que se revelam falsas ou vídeos para comprovar a inclinação ou a parcialidade da mídia.
O Post diz ainda que tentou contatar James O’Keefe, fundador da organização (que se apresenta como um “jornalista de guerrilha” e defende que para atacar os círculos progressistas tudo é válido), mas que ele se recusou a comentar o assunto. O’Keefe foi condenado em 2010 por ter utilizado uma identidade falsa para entrar em um edifício federal no âmbito de um esquema para descredibilizar e difamar a imprensa. A campanha de Moore também foi contatada pelo jornal, mas não respondeu.
Ainda segundo o Público, Martin Baron, diretor do Washington Post, explica que as declarações foram realizadas em anonimato e que não poderiam ser divulgadas. Contudo, explica que eram “a essência de um esquema para nos enganar e envergonhar”, e por isso publicou-as. Além disso, diz que a “intenção do Projeto Veritas era publicitar a conversa” se o jornal “tivesse caído na armadilha”, já que o acordo para que as denúncias fossem anônimas foi feito com “má-fé”.
É fato que a mídia dos EUA é favorável ao establishment norte-americano. Colocou-se e ainda se coloca ao lado da ordem social, ideológica, política e econômica vigente, comandada pela elite do país. Contudo, é fato também que a alt-right possui ideais que vão contra os direitos humanos e apoia grupos com discursos e ações violentas, além de defender princípios racistas, homofóbicos e machistas. Não é à toa que após a marcha de Charlottesville, a qual deu amplo apoio, foi acusada de nazismo.
Agora, de forma antiética e mentirosa, a extrema-direita usou a estratégia de manipular um problema sério, isto é, as denúncias de mulheres que sofrem algum abuso sexual, psicológico ou físico de um homem poderoso, e que, na maioria das vezes, a credibilidade lhes é negada. Caso o plano tivesse obtido sucesso, não só o Post teria perdido sua confiabilidade, mas todas as outras mulheres que acusaram Moore seriam descridibilizadas. E, provavelmente, a desconfiança da sociedade recairia- mais do que já acontece- sobre toda mulher que tivesse coragem de denunciar.
A alt-right baseou-se em um pressuposto real e problemático (de que a imprensa norte-americana tem um lado, assim como absolutamente todo o meio de comunicação, ainda que afirme imparcialidade), mas não agiu contra o fato abertamente, levantando bandeiras como a da desconcentração de mídia e o pluralismo; aliás, não faria nem sentido, indo de acordo com a sua ideologia, fazê-lo. O que incomodou a extrema-direita foi simplesmente a publicação de relatos que incriminavam Moore e, utilizando-se de meios pouco sinceros e sem argumentos, desmentir o Washington Post e a imprensa que não os apoia. Acabaria por prejudicar indiretamente (mas não que isso fosse incomodar a alt-right) o espaço que a série de denúncias feita por mulheres, seja na política, seja em Hollywood, tem conquistado.
Por Alessandra Monterastelli | Texto original em português do Brasil
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