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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

A ameaça terrorista iraniana

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Será que a independência das instituições policiais e judiciais será suficiente para furar a lógica dos dirigentes políticos europeus de tudo ceder perante Teerão, seja por interesses particulares seja porque, apesar de quarenta anos de lições, continuam a não entender que o apaziguamento não funciona? E qual vai ser a atitude de Portugal, que ocupa agora a presidência da União Europeia?

  1. O atentado falhado de 2018 em Paris

Foi adiada para 4 de Fevereiro a leitura da sentença há muito marcada para dia 22 de Janeiro do Tribunal Criminal de Antuérpia sobre a inculpação do Ministério Público belga contra um diplomata iraniano acreditado em Viena de Áustria por dirigir uma célula terrorista que planeou um atentado terrorista falhado nos arredores de Paris a que fiz referência na edição do Tornado de 30 de novembro passado.





As provas do crime são absolutamente esmagadoras, com os restantes réus a confessar a sua participação no atentado e com o diplomata – filmado a entregar a bomba aos executantes – a recusar-se a comparecer em Tribunal, alegando os dirigentes da teocracia iraniana que o seu julgamento seria contrário ao seu estatuto de imunidade diplomática.

A questão da imunidade diplomática foi já julgada pela justiça alemã no processo da sua extradição para a Bélgica, onde o diplomata foi preso. A justiça alemã naturalmente não considerou válida a imunidade diplomática do terrorista/diplomata dado que esta imunidade foi concedida apenas pelas autoridades austríacas para ser válida no seu território e não fora deste. Juridicamente, o argumento da imunidade é totalmente absurdo.

O crime foi na verdade desenvolvido em cinco países europeus. A bomba veio através de um voo comercial e em mala diplomática do Irão para a Áustria. O diplomata/terrorista entregou a bomba ao casal iraniano encarregue de a transportar para Paris no Luxemburgo. O casal iraniano com residência em Antuérpia foi interceptado em Bruxelas a caminho de Paris, onde se encontrava o último elemento da célula com acesso à área VIP da reunião onde se encontravam muitas centenas de políticos do mundo inteiro e onde a bomba deveria ter explodido. O diplomata/terrorista, por sua vez, foi interceptado na Alemanha antes de atravessar a fronteira para a Áustria.

O grupo terrorista que estava sob vigilância apertada há já bastante tempo foi filmado e seguido em praticamente todos os pormenores pelas forças policiais de todos estes países europeus que se coordenaram de forma exemplar para poder prevenir o crime.

A decisão final quanto à jurisdição em que a célula terrorista ia ser julgada foi também concertada. O critério seguido foi o de o julgamento ser feito no país onde a bomba foi interceptada e desarmadilhada e a cidade onde ele decorre é a cidade onde residem os dois iranianos presos com a bomba, tendo assim o cúmplice preso em França e o chefe do grupo preso na Alemanha sido extraditados para a Bélgica.

  1. As ameaças iranianas

O adiamento da sentença faz naturalmente temer que a pressão feita pelas autoridades iranianas que se torna cada vez mais ostensiva e ameaçadora interfira com o funcionamento do sistema de justiça belga, como o noticiou uma recente reportagem do ‘Le Monde’. Está longe de ser claro até onde elas irão para conseguir o estatuto de quase total impunidade de que têm gozado até hoje.

Neste processo, em que pela primeira vez um diplomata no exercício de funções enfrenta um julgamento por ter sido apanhado em flagrante delito de terrorismo; o que houve de mais significativo não foi o envolvimento directo da diplomacia iraniana em actos de terrorismo – dado que essa tem sido uma prática corrente – o que constitui novidade é as autoridades terem levado a julgamento e não terem, até hoje, recuado na sua vontade de fazer face ao terrorismo iraniano.

A questão aqui não é saber se as autoridades iranianas vão utilizar os seus habituais estratagemas – tomada de reféns, pirataria sobre a navegação comercial, acções terroristas de represálias feitas directamente ou através dos múltiplos grupos terroristas controlados pela teocracia, campanhas de desinformação, pressão, suborno e chantagem sobre os actores europeus – porque é seguro que o irão fazer como o fizeram no passado, é antes de saber se a Europa está preparada para fazer face a essa escalada sem ceder ao terrorismo.

  1. O complexo jogo diplomático europeu

A travagem deste atentado terrorista iraniano não teria sido possível sem que as forças policiais e judiciais tivessem ganho independência em relação aos poderes políticos instituídos. A complexa operação policial que envolveu cinco Estados europeus não teria sido possível sem que estas polícias se tivessem coordenado de forma discreta fora das influências políticas dos seus Estados, e o mesmo é verdade em relação à forma como as entidades judicias têm tratado da questão ou, mesmo no seio das instituições europeias, sem que os grupos formados no Conselho para lidar com o terrorismo tivessem ultrapassado as entidades responsáveis pela diplomacia europeia.

Esta é por enquanto a grande novidade no funcionamento institucional europeu que merece uma atenção particular e que faz a diferença em relação ao passado. Será que essa independência das instituições policiais e judiciais será suficiente para furar a lógica dos dirigentes políticos europeus de tudo ceder perante Teerão, seja por interesses particulares seja porque, apesar de quarenta anos de lições, continuam a não entender que o apaziguamento não funciona? E qual vai ser a atitude de Portugal, que ocupa agora a presidência da União Europeia?

O veredicto adiado agora para dia 4 de Fevereiro é constitucional e juridicamente inelutável. Perante as provas esmagadoras trazidas pelo Ministério Público e a recusa de defesa das autoridades iranianas não tenho dúvidas sobre o que nos espera. Mas já não saberei dizer o mesmo em relação ao que se vai passar de seguida.

Enquanto o sistema de justiça e de segurança europeus mostraram uma capacidade inesperada de fazer face a pressões, a máquina diplomática europeia tem-se multiplicado em obscenas declarações de solidariedade com a teocracia iraniana e não disse até hoje se está preparada para aceitar o princípio de separação de poderes e deixar que as instituições europeias protejam os seus cidadãos contra o terrorismo.

As próximas semanas vão ser cruciais para sabermos se a Europa se prepara ou não para fazer face ao fascismo teocrático que ameaça o mundo inteiro.


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