As obras não construídas do arquiteto mais premiado do país, Paulo Mendes da Rocha, são tema de exposição no Itaú Cultural, em São Paulo. Dono de ideias e projetos inovadores, como o Sesc 24 de Maio e o MuBE, o urbanista é dono de uma voz crítica e incisiva em relação ao papel da arquitetura na cidade. Para ele, “a cidade não foi feita para dar lucro para ninguém. E, sim, para desfrutar da possibilidade de conversar e para amparar a imprevisibilidade da vida”[1].
Prestes a completar 90 anos, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha ultrapassa o terreno sólido da construção e vai para o espaço das palavras e das interpretações das cidades em constante mudança.
Ganhador do Pritzker (2006) – o Nobel da arquitetura – e o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, Mendes da Rocha é formado pela Escola Paulista – encabeçada por João Batista Vilanova Artigas – que valoriza uma arquitetura limpa com concreto armado e estrutura aparentes. Também chamada de “brutalismo paulista”, a escola propõe ainda a responsabilidade social da arquitetura.
Mas sua trajetória começa muito antes. Nos anos 60, junto com Artigas, Mendes da Rocha elevou, estruturou e deu aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), conhecida pela formação a partir do ponto de vista social e humanista.
É, talvez, dessa carreira acadêmica que vem o discurso cortante e incisivo do arquiteto. Didáticas, as entrevistas de Mendes da Rocha podem ser vistas como aulas feitas para questionar a arquitetura e não impor. O olhar atento e o pensamento crítico do urbanista sobre a cidade vão muito além da arte pela arte, suas obras prezam pela relação entre o homem e o espaço construído pela arquitetura.
Em seu processo de formalização, não é o apuro no detalhe construtivo ou a expressividade plástica que comandam, mas a monumentalidade da técnica. “Raciocina-se com a engenhosidade possível. Não se pensa com formas autônomas ou independentes de uma visão fabril delas mesmas”, escreve Mendes da Rocha. E completa:
Quando o arquiteto risca no papel uma anotação formal, um croqui, está convocando todo o saber necessário, mecânica dos fluidos, mecânica dos solos, máquinas e cálculos que sabe que existem para fazer aquilo. Não se trata de fantasias, mas uma forma peculiar de mobilizar o conhecimento, o modo arquitetônico”[2].
Por isso, a Ocupação Itaú Cultural traz uma reflexão sobre o arquiteto e sua obra. Desde quarta-feira (12) estão expostos 11 de seus trabalhos mais experimentais, mas que nunca saíram do papel ou foram expostos no Brasil, todos eles têm como norte o tema da água.
A ligação do autor com água remete aos laços familiares. Seu avô, Francisco Mendes da Rocha, dirigiu o serviço de navegação do Rio São Francisco, conhecido como “Rio da Unidade Nacional”. O pai, engenheiro por formação, tornou-se professor de Naval e Recursos Hídricos na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Diante dessa influência, Mendes da Rocha passou a acreditar na capacidade do homem de intervir na natureza de forma criteriosa. Em suas próprias palavras, “a primeira e primordial arquitetura é a geografia”.
Esse elemento, que conecta as obras da Ocupação, atravessa o trabalho do urbanista, desde as propostas de um sistema fluvial para a América Latina até a piscina como ideal de espaço público. Esta última concretizada em 2017 no Sesc 24 de Maio, prédio que tem uma piscina em seu 13º andar.
O arquiteto além da exposição
A exposição é apenas um dos espaços em que o arquiteto está presente na cidade. Suas obras contemporâneas estão espalhadas por São Paulo, lugar que Mendes da Rocha acredita ser uma sucessão de erros instigantes, mas que podem gerar construções imbecilizadas, como os prédios arranha-céus.
Não temos outro recurso a não ser reconstruir a cidade em cima dela mesma, portanto São Paulo não é um caso perdido. Sabemos fazer muito mais sobre aquilo que aplicamos na cidade, essa é a pura verdade. Toda sabedoria que temos à disposição está impedida pela velocidade com que se entrega tudo ao puro negócio da especulação”.
“O objetivo da arquitetura é evitar o desastre, o que equivale a dizer também que é ter o maior êxito possível. Você pegar cidades que estamos vendo, como Dubai, com essa arquitetura louvada que faz um prédio de cento e tantos andares para dizer que bateu o recorde mundial… é evidente que é estúpido para um homem trabalhar no octogésimo andar ou morar” e continua:
Não há regra para dizer onde é razoável, a que distância do chão, mas sabe-se que lá pelas tantas, é absurdo. Coisas assim são mais do senso comum do que estritamente da arquitetura e isso esse tipo de raciocínio você pode por em qualquer campo do conhecimento. Você precisa decidir o que fazer em um outro estatuto ético, não é porque você conhece a energia atômica e a sua matéria que é obrigado a fazer uma bomba atômica”, explicou[3].
Pensar as obras de Paulo Mendes da Rocha
A foto acima é um trecho do documentário Tudo é Projeto realizado por sua filha, Joana Mendes da Rocha, e expõe muito sobre o arquiteto. Além de ser comum encontrá-lo caminhando com um cigarro na mão Centro de São Paulo, a imagem é também a exposição de características de suas obras.
Filho do “brutalismo paulista”, o arquiteto tem como premissa o uso do concreto aparente em suas construções. Assim, a rua tão nítida na foto nada mais é do que a representação da cor mais usada por Mendes da Rocha em suas obras. O cinza escuro do asfalto não leva ao céu como o cinza dos prédios, ele liga “a cidade que flui no chão”, como sempre afirma Mendes da Rocha.
O crítico italiano Francesco Dal Co, por exemplo, caracteriza as obras do arquiteto como uma combinação ímpar de atributos como a “segura racionalidade”, a “essencialidade das soluções construtivas”, a “intransigência no emprego dos materiais” e o “desprezo pelo supérfluo”.
Dessa forma, pensar as obras de Paulo Mendes da Rocha é pensar na convivência em sociedade.
Capixaba, o arquiteto vive há anos na capital paulista e, por isso, boa parte de seus projetos estão em São Paulo. Entre os mais conhecidos estão o Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE), o Edifício Guaimbê e o Sesc 24 de Maio. Além do Clube Athletico Paulistano, a Praça do Patriarca, o Poupatempo Itaquera, o estádio Serra Dourada e as reformas da Pinacoteca do Estado de São Paulo, do Museu da Língua Portuguesa e do Centro Cultural Fiesp.
Um dos mais notáveis de seus projetos é o MuBE. O prédio chama atenção por sua capacidade convidativa, pois se apresenta como um espaço amplo e sem degraus, não intimidando os possíveis visitantes do museu.
O conceito de espaço para mim, e ouso dizer para a arquitetura, pressupõe público. Não há espaço privado, portanto”.
Sempre crítico em relação ao papel da cidade, Mendes da Rocha não deixa de analisar também a arquitetura em si. “O valor supremo da arquitetura, no caso da casa que é onde você mora e que não é pouco, é o endereço. Se eu começar a descrever a minha casa porque tem um telhado assim, uma chaminé, uma porta.. você pode ficar aborrecido olhando e pensando ‘vamos lá, onde vai chegar isso?’. Agora, se eu te dissesse: ‘eu moro em Ipanema’, isso por si só já é invejável, não é?”. “E dai falamos das cidades, que é a cidade para todos, a cidade que queremos morar. A palavra cidade quer dizer uma qualidade de vida. E nós já decidimos que não vamos voltar para o campo nunca mais porque nós queremos conversar e lá nós não temos como conversar”[4].
“A cidade tem virtudes incomensuráveis. A cidade não foi feita para dar lucro para ninguém. E, sim, para desfrutar da possibilidade de conversar. Para amparar a imprevisibilidade da vida. Já imaginou o homem solitário?”, questiona o arquiteto[5].
Serviço
A exposição é gratuita e pode ser vista até 4 de novembro, de terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h. Sábado e domingo, das 11h às 20h. Lembrando que além da mostra, de 6 e 27 de outubro serão organizadas visitas, a partir do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, para as obras de Paulo Mendes da Rocha na cidade.
[1] Paulo Mendes da Rocha em entrevista para a Gazeta do Povo em 2015.
[2] ROCHA, Paulo Mendes. Genealogia da imaginação. In: ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). op. cit. p. 71.
[3] Entrevista do arquiteto para o curta metragem Paulo Mendes da Rocha de 2013.
[4] Entrevista do arquiteto para o curta metragem Paulo Mendes da Rocha de 2013.
[5](5) Paulo Mendes da Rocha em entrevista para a Gazeta do Povo em 2015.
Por Verônica Lugarini | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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