No dia 1 de setembro de 2014 o Tribunal Central de Instrução Criminal passou a ser composto por dois juízes. A oito de Setembro, o inquérito número 4/13.3GALSB que foi desde o seu início, em 2013, acompanhado judicialmente pelo Juiz Carlos Alexandre, mudou de titular para o Juiz João Bártolo, o outro juiz que, a partir daquele dia, passou a fazer parte do Tribunal.
Essa mudança só pode ter ocorrido em função de uma nova distribuição tornada obrigatória em consequência desta nova realidade: o Tribunal passou a ter dois juízes. No dia seguinte, a 9 de setembro de 2014, quando o processo “Marquês” foi enviado para o Tribunal, não houve nenhuma operação de distribuição e o respetivo sorteio previsto na lei não foi efetuado, tendo a escolha do juiz sido feita, segundo o próprio Tribunal, por “atribuição manual”. Estes dois casos expõem com clareza o que se costuma designar de “dois pesos e duas medidas”, ou seja, o duplo critério: um critério para o dia 8, um critério para o dia 9; um critério para os processos “normais” e outro critério, este de exceção, para o processo “Marquês”. Distribuição, no primeiro caso, “atribuição manual”, noutro caso. As exceções começam assim – depois, não param mais.
Na verdade, o processo “Marquês” nunca foi distribuído nem sorteado. A escolha do juiz, que deveria ter acontecido em 9 de setembro de 2104, não resultou de uma operação de distribuição que deveria ter sido por sorteio ou, como diz a lei, “realizada por meios electrónicos , os quais devem garantir aleatoriedade no resultado”. Em conclusão: desde 9 de Setembro de 2014 que o processo “Marquês” não teve um juiz legal ou juiz natural. O Tribunal já comunicou também que nenhum juiz presidiu à dita “atribuição manual” e que tal intervenção terá ficado a cargo da escrivã de direito, Senhora Maria Teresa Santos. Espero que nos poupem ao debate sobre a responsabilidade da senhora escrivã, porque o que se passou com a denominada “atribuição manual” não foi uma falha, um descuido burocrático que se possa atribuir a um funcionário. Pelo contrário, o que se passou consistiu num ato intencional de escolha de um juiz, ludibriando a lei. Estamos para ver exatamente quem deu essas instruções, mas é importante que nada fique por dizer: o mais provável é que o processo tenha sido ilegalmente “avocado” e o principal suspeito é o Juiz Carlos Alexandre.
Mais uma vez: no dia 1 de Setembro de 2014 entraram em vigor duas novas leis – a lei de organização do sistema judiciário e novo regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais. O TCIC deixou então de ser um Tribunal de Competência Especializada e de juiz único para passar a ser um Tribunal de Competência Territorial Alargada, com dois juízes. Juiz único; dois juízes. Quem olhar para a situação despido de outro interesse ou agenda verá isto claramente: se há novo Tribunal, se há agora dois juízes – então uma nova distribuição de processos efetuada por sorteio é obrigatória. Simples, para quem está de boa-fé.
A questão é séria e não pode ser desvalorizada. O que está em causa, nesta questão, é o princípio constitucional do juiz natural, uma das principais garantias do processo criminal democrático. Este princípio garante, a todo o indivíduo, que o juiz não será escolhido pelo Estado no momento da causa, mas com base nas regras legais estabelecidas anteriormente. E a lei anterior é esta: a escolha do juiz será realizada “por meios electrónicos, os quais devem garantir aleatoriedade no resultado…”. Eis a lei e eis a garantia – o juiz do teu caso será o juiz que te calhar, o juiz que resultar do sorteio electrónico. Só o sorteio protege a imparcialidade do juiz e só o sorteio protege o sistema judicial contra outras motivações – as políticas, mais clássicas; ou as mais modernas, que vêm de dentro do próprio sistema. Só o sorteio mantém a venda da justiça, só o sorteio a manterá cega, só o sorteio garantirá igualdade, qualquer que seja o caso. Sorteio. Afinal, uma regra com pergaminhos democráticos: era assim que, há mais de vinte e cinco séculos, eram escolhidos os dirigentes na Atenas democrática – tiragem à sorte.
Este processo tem um longo historial de abusos. A detenção ilegal, a prisão para investigar, os prazos legais escandalosamente ultrapassados, o segredo de justiça violado ao serviço de uma violenta campanha de difamação promovida pelo Estado e ainda a entrevista televisiva do juiz de instrução, onde ostensivamente evidenciou uma completa parcialidade, fazendo desprezíveis e desonestas insinuações, visando-me diretamente. Todos estes abusos decorreram à frente de todos e constituíram violações flagrantes das normas gerais de um processo justo, a que nunca tive direito. Depois de tudo isto, ficámos agora a saber que a escolha do juiz não foi feita , como deveria ter sido, por recurso ao único método legal, transparente e justo – o sorteio.
Ao longo destes cinco anos, este processo esteve sempre onde o Ministério Público quis que estivesse – nessa gaiola de ferro constituída pelo procurador Rosário Teixeira, de um lado, e o juiz Carlos Alexandre, do outro. O que está em causa neste momento é a fundada suspeita que este processo foi viciado, corrompido desde o seu início, por forma a ter o juiz titular que uma das partes desejava, um juiz com partido, um juiz escolhido pelo Estado, isto é, pelo Ministério Público. Sorteio ou “atribuição manual”, eis a diferença – que faz toda a diferença. Diferença entre legalidade ou arbítrio; diferença entre transparência ou manipulação; diferença entre boa- fé e manipulação para que uma das partes escolha o juiz. No final, esta é a diferença entre processo justo e processo de exceção.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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