“O Brasil está sendo governado por um bando de doidos”, resumiu Lula em sua impactante entrevista concedida aos jornais Folha de São Paulo e El País após a longa censura que lhe foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal como forma de impedir sua influência nas últimas eleições – o que resultou num apoio indireto à candidatura de Bolsonaro.
Entre as avaliações e reflexões que mostraram sua inegável inteligência e sagacidade, além de uma dignidade que inexiste em seus algozes, Lula deu a melhor, mais inteligível e popular definição para o governo de Jair Bolsonaro.
O Brasil está mesmo governado por um bando de loucos. Eis a verdade que precisa ser encarada, por mais incômoda que seja, por todas e todos que são sensatos e racionais no país, ainda que alguns insistam em relativizar, minimizar ou naturalizar as ações e declarações do presidente da República e de seus ministros que explicitam essa verdade perturbadora: boa parte da imprensa, porque quer e espera que o governo Bolsonaro ponha fim à aposentadoria dos trabalhadores e privatize os ativos públicos; uma parte de seu eleitorado, por vergonha mal-disfarçada de ter votado num candidato que se sabia desqualificado; e a outra parte do seu eleitorado, por total identificação com a loucura expressa pelo presidente, seus filhos e lugares-tenentes!
Não se trata de loucura em seu sentido clínico, como definida pela psiquiatria (ainda que Jair Bolsonaro, seu filho Carluxo e alguns membros do governo e de seu partido manifestem sintomas explícitos de psicoses, como ver Jesus trepado em uma goiabeira; defender que a terra é plana, contra todas as evidências científicas; e fazer vídeo ao lado de alguém vestido como Napoleão Bonaparte, mas se dizendo Dom Pedro I, para defender a reforma da previdência), mas, sim, daquela loucura que fundamenta os grupos terroristas e/ou seitas religiosos, daquela loucura que subjaz às teorias conspiratórias. Impossível não reconhecer esse tipo de insanidade no profundamente invejoso, porque intelectualmente medíocre, ministro da Educação, que cortou verbas das mais prestigiadas universidades públicas do país, ao sabor de rancor. Difícil não ver Olavo de Carvalho como um líder de uma seita que seduz e manipula com mentiras e truques seus discípulos no governo, como o fazia o diabólico Rasputin na corte dos Romanov!
Nesse sentido, ninguém pode negar o diagnóstico feito por Lula. O ex-presidente está coberto de razão.
Ao ouvi-lo, lembrei-me imediatamente de um quadro do pintor francês Théodore Géricault, pintado entre 1818 e 1819, que me fascinou em minha primeira visita ao Museu do Louvre há alguns anos: A Balsa de Medusa. A pintura é inspirada no episódio do naufrágio da fragata A Medusa, que partiu da França em 1816 rumo ao Senegal. O visconde Hugues Duroy de Chaumereys foi nomeado capitão da fragata mesmo sem experiência de navegação. A Medusa liderava um comboio de outros três navios: Loire, Argus e Écho.
Na esperança de encurtar o tempo de viagem, A Medusa se adiantou em relação aos demais navios e acabou por se perder e, depois de algum tempo à deriva, encalhar num banco de areia em frente à costa da Mauritânia. A principal causa desse acidente foi a incompetência de De Chaumereys. Este carecia de capacidade e experiência em capitania, mas havia recebido o posto graças a acordos políticos.
Os esforços da tripulação e dos passageiros para desencalhar o navio foram em vão. Então, em 5 de julho daquele ano, decidiram encarar as 60 milhas restantes até a costa africana nos seis barcos auxiliares da fragata, embora os barcos só tivessem capacidade para cerca de 250 do total de 400 pessoas, incluídos os 160 tripulantes. Fora os dezessete que optaram por permanecer a bordo do navio encalhado, os demais passageiros – mais ou menos 146 homens e uma mulher – amontoaram-se numa balsa feita às pressas, que começou a submergir aos poucos enquanto singrava o mar. O capitão e a tripulação dos barcos auxiliares ao navio A Medusa ainda tentaram rebocar a balsa, mas esta acabou se soltando. As pessoas amontadas nessa embarcação provisória tinham apenas um saco de biscoitos, dois barris de água e seis de vinho.
Após treze dias à deriva, em 17 de julho de 1816, a balsa foi resgatada pelo Argus por mero acaso. Apenas quinze homens estavam vivos. As demais pessoas morreram de fome ou foram assassinados ou lançados pela borda fora pelos próprios companheiros ou se lançaram ao mar em completo desespero.
Théodore Géricault pintou justamente o momento desse resgate; o resultado, ou o que sobrou do fato de muita gente ter confiado a um reconhecido incompetente a condução de um navio. A Balsa de Medusa é o que restará do Brasil se os doidos que governam o país não forem detidos agora; e se a condução da embarcação não for assumida pelas pessoas sensatas e competentes que ainda não foram hipnotizadas pelo líder da seita. Os partidos e intelectuais liberais, os herdeiros de bancos que gostam de artes plásticas e de cinema ou que investem em tecnologias de ensino e os donos dos meios de comunicação de massa precisam se dar conta de que esse pode ser o fim da rota em que puseram o país.
Por fim, o fato de as palavras de Lula terem me lembrado da pintura de Géricault não foi mero acaso. O pintor francês dedicou-se a representar os loucos e alienados em suas diferentes expressões.
Estamos sendo governado por loucos e oportunistas.
por Jean Wyllys, Professor, jornalista. Ex-deputado federal pelo Psol-RJ | Texto original em português do Brasil
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