“Nem a viagem ao céu é só de ida”. Assim como ninguém pode trair as leis evolutivas a que estamos votados; ir, voltar, ir de novo, regressar uma vez mais, e assim sucessivamente, até à evolução necessária.
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“Numa noite já de despedida do Rio conheci na Avenida de Copacabana uma mulher nova que vendia rendas do Ceará e outras coisas bonitas. Eu estava acompanhada por alguém que, meio a brincar, me apresentou como escritora. E ela disse, logo expansiva e divertida: “Eu também sou escritora. Escrevo pensamentos, coisas a que tenho na ideia sobre José do Egipto e a princesa Elisa. Havemos de voltar a falar”.
– Vou-me embora amanhã – disse eu.
– Isso que tem? Nem a viagem ao céu é só de ida.
Admirei-me. O génio está no coração mais desconhecido, mais enigmático. “Nem a viagem ao céu é só de ida.” Quem não invejaria estas palavras? Eu admirei-me e invejei-as. Tenho-as, entre outras, por companhia. E com elas me despeço; com pena e alegria, que às vezes andam juntas na corrida da vida.”
Este excerto faz parte do discurso de Agustina Bessa-Luís aquando da atribuição do Prémio Camões, em 2004, no Rio de Janeiro, pelas mãos do então Ministro da Cultura brasileiro Gilberto Gil. Ele carrega uma significação e uma profundidade únicas e invulgares, tendo como foco central os dizeres de alguém, cuja condição, simples e humilde, não a impedem de fazer notar como o curso da Vida flui e age na vida de cada um de nós.
“Nem a viagem ao céu é só de ida”. Assim como ninguém pode trair as leis evolutivas a que estamos votados; ir, voltar, ir de novo, regressar uma vez mais, e assim sucessivamente, até à evolução necessária. Forçoso reconhecer que não é pela simples circunstância da morte física que nos é dado penetrar nos domínios angélicos, mas antes diante da própria consciência, cada um transporta a exclusiva tarefa que houver semeado e que nos conduz à luta por iluminar o raciocínio, preparando-nos para a continuidade do aperfeiçoamento noutro campo vibratório. A vida não cessa. Nem lá, nem cá. O progresso não sofre estacionamento e a alma caminha, incessantemente, atraída pela Luz Imortal, com cada consciência a procurar a sua justa integração com a vida mais alta, através do esforço interior, da disciplina de si mesma, do auto aperfeiçoamento.
E a vida continua plena de esperança e de trabalho, progresso e realização, em todos os lugares da Vida Cósmica ajustada às Leis que nos regem. Quem pensa ou crê numa filosofia de vida única, não encontrará resposta alguma para toda a problemática dos sofrimentos humanos. Imperioso, pois, regressar às causas transatas, a fim de compreendermos os efeitos de dor e de sombra que se manifestam pelo caminho.
O hoje são as nossas experiências pretéritas, tal como hoje nos encontramos na preparação para um futuro melhor, ou pior, mediante a nossa atuação.
Ninguém sofre sem própria razão causal, ou do contrário, a vida seria utopia e não teria sentido, quando tudo nos fala de ordem e de equilíbrio em toda a parte.
Importante retermos que enquanto não nos libertarmos dos impositivos dos resgastes intransferíveis, as consequências aflitivas tão pouco desaparecerão.
De igual modo fundamental sabermos que a perseverança no bem será o nosso melhor passaporte para vidas mais ditosas e mais livres, aqui, e em qualquer lugar. E que para a superação e a correção de angústias, derivadas de débitos que outrora contraímos, a nós nos compete gerar causas felizes para que desfrutemos de um futuro mais ameno e mais seguro.
Para que a viagem ao céu seja só de ida.
- Camelô: nome dado no Brasil aos comerciantes que vendem os seus artigos na rua; vendedor ambulante.
- O Prémio Camões é um prémio atribuído pelos Governos de Portugal e do Brasil, para com aqueles que contribuem para a cultura e o enriquecimento da cultura e da Língua Portuguesa. Este Prémio foi instituído em 1988.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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