Parece cada vez mais óbvio que um grande desastre financeiro mundial não é apenas provável, mas praticamente inevitável. Não apenas devido ao modo de funcionamento das principais economias mundiais, mas devido ao próprio sistema financeiro ocidental que elas integram.
Muito à semelhança da crise despoletada em 2007 pelo subprime norte-americano, a próxima será de natureza global, afectando todos os aspectos da vida e todas as pessoas que vivem no planeta.
Como chegámos aqui
Este é um assunto de tratamento complexo mas procuremos simplificá-lo centrando a atenção nos acontecimentos do últimos dois séculos, período em que a actividade económica aumentou exponencialmente, muito devido aos desenvolvimentos tecnológicos introduzidos pela revolução industrial até à fase actual que envolve a revolução informática.
Grande parte do crescimento induzido pela revolução industrial foi possível graças ao uso de fontes de combustível não renováveis, principalmente combustíveis fósseis (primeiro o carvão e depois o petróleo), e até mesmo os fabulosos sistemas de processamento e armazenagem de dados de hoje são completamente dependentes de uma fonte de electricidade, pelo que a necessidade global de energia é enorme e crescente. Depois, todo movimento de energia dentro do sistema envolve uma troca de valor gerida pelo sistema financeiro por meio de redes de contabilidade e troca de dinheiro e o crescimento do poder de compra, embora aparentemente sem limites naturais, aproximou-se de facto de um limiar que é definido no sistema financeiro pela quantidade de crédito em circulação.
O crédito, claro, resulta da dívida que é introduzida e gerida pelo sistema bancário ocidental que impulsionou até ao topo das transacções financeiras necessárias ao funcionamento da economia real (aquela que produz bens e serviços transaccionáveis) produtos exclusivamente financeiros supostamente criados para reduzir os riscos associados às actividades económicas e financeiras: os “derivativos”.
A criação destes sofisticados produtos financeiros contribuiu para uma acentuada redução do número de pessoas que entendem como realmente funciona o sistema bancário ocidental (entre os quais se contam os administradores e os operadores dos maiores bancos que são regularmente cooptados para administrar bancos centrais nacionais, como o Banco da Inglaterra e a Reserva Federal norte-americana, e instituições internacionais semi-públicas, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial) e como ele difere do que opera em países como a Rússia, a China e alguns outros, com sistemas parcialmente controlados e que em grande medida ainda derivam das antigas economias comunistas.
Façamos agora um pequeno parêntesis histórico para recordar que o sistema financeiro baseado em dívida emitida pelos bancos como o principal meio para introduzir moeda em circulação, foi criado pelos cambistas medievais da Europa, que, mais tarde, esse método foi usado para emprestar aos governos para o financiamento das intermináveis guerras europeias e que os principais praticantes desta actividade eram de origem judaica, uma vez que sendo um sistema baseado na usura era condenado pela Igreja Católica e estava proibido aos seus praticantes, até ao início do Renascimento quando se começaram a formar os bancos modernos e a prática da usura começou a a ser tolerada pela Igreja porque os lucros do sistema bancário e as grandes obras públicas que sustentavam passaram a ser apresentados como um benefício público.
Mais tarde foi dado um grande passo em direcção ao caos quando os bancos passaram a ser legalmente autorizados a emprestar mais do que os valores que tinham em reserva; este sistema, conhecido como “reserva fracionária” é uma consequência natural da prática permitida aos bancos de pressuporem que nem todos os seus depositantes quererão resgatar simultaneamente os seus depósitos.
Desde os primórdios do sistema que a consequência inevitável de qualquer economia baseada na usura (tanto pior se os juros cobrados forem calculados numa base composta e a taxas elevadas) é que a sua riqueza passará gradualmente para as mãos do poder financeiro, por absorver o poder de compra da esfera produtiva e por colocar todos os agentes económicos (empresas e pessoas) sob enorme pressão para gerar constantemente um nível crescente de actividade económica para evitar a ruína, situação que se agrava exponencialmente com o grau de desenvolvimento de cada economia porque quanto mais desenvolvida esta for, maior é a dificuldade para manter o seu ritmo decrescimento.
Esta situação é conhecida de longa data e para a mitigar era declarado periodicamente um “jubileu” que eliminava todas as dívidas e servidões. Esta prática, que terá começado a esmorecer com o fim da escravatura por dívidas, acabou no século XIV transformada numa mera celebração religiosa.
A inexistência de qualquer mecanismo orientado para o perdão das dívidas implica o crescimento obrigatório das economias, pelo que tudo o resto passou a ser-lhe sacrificado; quando em conflito, até os mais básicos valores humanos devem ser esquecidos para servir o crescimento constante, porque o não crescimento é desastroso.
Esta será a principal razão para o fomento dum modelo de consumismo desenfreado, no qual a rotatividade de bens de consumo é indispensável ao funcionamento das economias e a obsolescência planeada – desenvolvimento de produtos com vida útil programada – é parte integrante do mesmo; a par desta tendência desenvolveram-se também mecanismos para a desregulamentação de tudo o que possa constituir entrave àquele modelo e assim as empresas são incentivadas a reduzir custos por meio da redução de salários, da poluição arbitrária e do uso excessivo de infra-estruturas públicas, como rodovias, sem pagar a sua justa quota-parte de impostos.
Assim chegou a sociedade ocidental aos dias de hoje, onde as empresas e as famílias se vêem forçadas a aumentar continuamente a taxa de actividade económica apenas para satisfazer as suas dívidas, levando ao consumo excessivo de recursos, à competição brutal entre indivíduos e nações, à inflação dos preços e ao colapso na saúde e na ordem social.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias em áreas como a automação e a robotização, as máquinas estão cada vez mais aptas a produzir bens e serviços do que os humanos; o desemprego tecnológico está a aumentar e a tendência será para crescer cada vez mais, mesmo a expensas daqueles que perderão o rendimento necessário para comprar o que irá continuar a ser produzido. Aumentando o número dos que são deixados à margem da economia, aumentarão as situações de exploração humana que conduzirão, inexoravelmente, ao ressurgimento da escravidão humana.
Caminhamos assim para uma economia insustentável, que se por um lado é incrivelmente produtiva e geradora de ganhos para uma pequena minoria pelo outro aumenta a miséria da vasta maioria, e a culpa de semelhante assimetria é principalmente do sistema financeiro baseado na usura.