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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

A captura da ADSE pelos grandes grupos privados de saúde

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

A situação da ADSE, a transformação da ADSE em mútua como defende a Ministra Alexandra Leitão e a rápida captura da ADSE pelos grandes grupos privados de saúde

Respondendo o dever que sinto, como membro do Conselho diretivo da A DSE eleito pelos representantes dos beneficiários no Conselho Geral de Supervisão, de informar os beneficiários, elaborei esta informação onde analiso, por um lado, a situação atual da ADSE mostrando que as dificuldades importantes que enfrenta atualmente a ADSE, com consequências negativas para os beneficiários (elevados atrasos no pagamento dos reembolsos no Regime livre, falta de convenções com prestadores para tornar mais fácil o acesso a cuidados de saúde, etc.) não resultam da falta de dinheiro (a ADSE tem aplicados a prazo no IGCP 350 milhões €) mas sim de atos de gestão das representantes do governo no Conselho Diretivo da ADSE e do próprio governo.

E, por outro lado, procuro esclarecer o que aconteceria à ADSE se fosse transformada numa mútua como defende a ministra Alexandra Leitão do atual governo que, conjuntamente com o ministro Mário Centeno tutelam atualmente a ADSE, mostrando que ela seria rapidamente capturada pelos grandes grupos privados de saúde (LUZ, JMS, LUSÍADAS, TROFA, GRUPO HPA, SANFIL).

Mesmo que não seja trabalhador da Função Pública agradeço a sua ajuda para que esta informação chegue ao maior número de trabalhadores e aposentados das Administrações Públicas e aos seu familiares.

 


 

Estudo

A situação da ADSE, a transformação da ADSE em mútua como defende a Ministra Alexandra Leitão e a rápida captura da ADSE pelos grandes grupos privados de saúde

Informação nº7/2019 aos beneficiários da ADSE

A ADSE enfrenta atualmente dificuldades importantes criadas pelo governo e pelos seus representantes no Conselho Diretivo. Quem as conheça e as viva diariamente muitas vezes é obrigado a pensar que elas são deliberadamente criadas para depois justificar que é necessário substituir o atual Instituto por uma mútua com o objetivo de desresponsabilizar o governo da ADSE, embora a ADSE faça parte do Estatuto laboral dos trabalhadores das Administrações Públicas.

As dificuldades atuais da ADSE, não resultam da falta de dinheiro (em 2019, os trabalhadores e os aposentados descontaram das suas remunerações e pensões até Novembro 562 milhões € quando em 2018 tinha sido 546 milhões € e a previsão no Orçamento de 2020 é que atinja os 633 milhões € no próximo ano e a ADSE tem aplicados a prazo no IGCDP 350 milhões €), mas sim de atos de gestão das representantes do governo no Conselho Diretivo onde têm a maioria,  e de obstáculos e declarações do governo, como as feitas recentemente pela ministra Alexandra Leitão, que criam dificuldades e instabilidade aos beneficiários. É exemplo comprovativo dos efeitos das dificuldades os elevados atrasos nos pagamentos dos reembolsos aos beneficiários no Regime livre, bem como a reação de todos os prestadores à nova proposta de Tabela de preços do Regime convencionada que, depois de prometida há mais de um ano e meio por força do Decreto Lei 33/2018 de 15 de Maio de 2018, ainda não é completa e que poucos dias depois de enviada se disse que se vão mudar preços  pondo em causa a credibilidade da própria tabela. Em relação às IPSS, as representantes do governo Conselho Diretivo elaboraram e enviaram, na minha ausência, uma nova tabela, embora isso não constasse do DLEO-2018, que reduz muitos dos preços fechados (máximos) que vigoravam para os hospitais desses entidades apenas desde Junho de 2018.

As representantes do governo no Conselho diretivo da ADSE têm-se oposto também a assinatura de convenções com pequenos e médios prestadores, de que é exemplo os Hospitais das Misericórdias que se encontram espalhados por todo o país, mesmo em concelhos onde o numero de prestadores que têm convenções com a ADSE é manifestamente insuficiente, criando assim dificuldades aos beneficiários no acesso a cuidados de saúde e promovendo, desta forma, uma maior  concentração nos grandes grupos de saúde pois obrigam os beneficiários a deslocaram-se aos seus hospitais.

Até parece que a intenção era virar todos – beneficiários, grandes, pequenos e médios prestadores e IPSS – contra a ADSE como efetivamente aconteceu para depois justificar a intenção do governo de transformar a ADSE numa mutua, desresponsabilizando o Estado, o que permitiria  a fácil e rápida captura da ADSE pelos grandes grupos de saúde (Luz, JMS, Lusíadas, Grupo HPA, Trofa, SANFIL), como este governo mal tomou posse anunciou pela voz da ministra Alexandra Leitão.

 

As dificuldades criadas pelas representantes do Governo no Conselho Diretivo da ADSE e pelo Governo aos beneficiários

Um dos problemas que enfrenta a ADSE é falta de trabalhadores, e a deficiente motivação dos atuais por falta de meios, para poder funcionar normalmente, respeitar os direitos dos beneficiários, e combater eficazmente a fraude e o consumo desnecessário muito dele promovido pelos prestadores para aumentar a faturação e os lucros. A falta de trabalhadores está a estrangular a ADSE, a causar a insatisfação dos beneficiários e a fragilizá-la face aos grandes grupos privados de saúde.

A ADSE tem atualmente 194 trabalhadores quando precisa 270, e o governo conjuntamente com os seus representantes no Conselho Diretivo da ADSE tem criado continuas dificuldades no seu preenchimento. Desde o fim de do 1º semestre de 2018, que o Conselho Diretivo da ADSE, em que participo, decidiu que era urgente lançar concursos externos para contratar os trabalhadores que a ADSE necessitava para poder funcionar normalmente. Mais ou menos na mesma altura, a maioria do Conselho diretivo, que é constituída pelas representantes do governo,  decidiu tirar -me o pelouro de pessoal, que me tinha sido atribuído, e entregar a uma representante do governo no Conselho Diretivo que nada fez até Abril de 2019, causando um escândalo pelo facto de nessa data, o Secretario de Estado Adjunto da Saúde, confrontado pelos jornalistas com a falta de trabalhadores na ADSE, que estava a determinar enormes atrasos nos pagamentos aos beneficiários, ter respondido, que não tinha recebido qualquer pedido da ADSE.

Na mesma data (Abril/2019), o Ministério das Finanças de Mário Centeno decidiu centralizar neste ministério os concursos de técnicos superiores do Estado, o que determinou que a ADSE ficasse impedida de lançar um concurso para contratar os técnicos superiores que precisava. A contratação destes trabalhadores está paralisada há muito tempo no Mistério das Finanças, porque o serviço que ficou responsável pela realização do concurso (ex-INA) não tem recursos para fazer a avaliação dos 20.000 candidatos que se inscreveram, e Mário Centeno tem recusado aprovar um orçamento para aquisição desses recursos. Em relação aos restantes trabalhadores que a ADSE precisa, a representante do governo responsável no Conselho diretivo da ADSE pouco tem feito para que o concurso se realize, e o Gabinete de Recursos Humanos não tem meios para realizar o concurso.

Cerca de 650.000 documentos de despesa entregues no Regime livre da ADSE pelos beneficiários estão por tratar (e não inclui os que estão por digitalizar, onde o atraso atinge 2 semanas, devia o máximo ser uma), e os enormes atrasos nos pagamentos não diminuem. É de prever que aumentem no 1º Trim.2020 devido ao atraso na aprovação do OE-2020. Eis a forma como se estrangula e destrói a ADSE, virando os beneficiários contra esta, para depois justificar a transformação da ADSE numa mútua.

A juntar a tudo isto, há um Conselho diretivo não funcional, em que não existe delegações de competências quer nos seus membros quer nos diretores o que obriga os membros do conselho diretivo a assinarem tudo; as reuniões do Conselho diretivo são difíceis de se realizar e continuamente adiadas; o mesmo acontecendo com decisões importantes, havendo casos em que cadernos de encargos importantes para a ADSE ficaram parados durante meses na secretária de um membro do conselho diretivo; existem membros do Conselho diretivo que passam a maior do seu tempo a fazer cálculos ou ocupados com a matérias que deviam ser tratadas pelos serviços ignorando os problemas prioritários de gestão da ADSE; e tomam medidas sem avaliar o seu impacto para os beneficiários e para os serviços; etc.. Tudo isto acontece na ADSE com efeitos, muitos deles negativos, nos beneficiários, nos trabalhadores, em que não existe um plano para os motivar e aumentar a produtividade, e nos próprios prestadores, nomeadamente médios e pequenos.

 

Uma proposta de tabela do regime convencionado que foi alterada profundamente na minha ausência e uma tabela para as IPSS que não tinha sido aprovada

A história da elaboração da proposta da Tabela do Regime convencionada mostra a forma como as representantes do governo no Conselho diretivo da ADSE, em articulação com o Ministério das Finanças, funcionam e criam problemas à ADSE.

A elaboração da tabela foi centralizada num membro do Conselho diretivo que está em representação do governo por decisão da maioria do Conselho diretivo, maioria essa que é constituída pelas representantes do governo, e até a Abril de 2019 foi-me recusado qualquer informação sobre o trabalho que estava a ser realizado com a justificação de que eu não merecia confiança. Depois de muita pressão minha, foi-me disponibilizada uma tabela de preços máximos de próteses, medicamentos e procedimentos cirúrgicos, com a indicação de que era a tabela final.

No entanto em Agosto, aproveitando o período em que estive de férias (e foram apenas 11 dias), as representantes do governo no Conselho diretivo alteraram profundamente a proposta de tabela que me tinha sido dada em Abril (a que me disseram que era definitiva), penso que por orientação do Ministério das Finanças pois não fariam isso se não tivessem orientação superior (alteraram milhares de preços uns para mais outros para menos, por vezes alterações significativas). Pergunto:  Qual foi a razão para alterar a tabela que tinha sido elaborada durante muitos meses em alguns dias e para esta quebra de lealdade? Nunca me foi dada qualquer explicação nem o seu impacto para a ADSE.

Para construir a nova tabela realizada na minha ausência (e eu tive que descobrir, pois nem fui alertado para isso mesmo depois de ter regressado de férias) foi-se à Tabela da IPSS que tem um conjunto de procedimentos com preços máximos fixados desde 2018 e transpuseram 33 preços introduzindo com poucas diferenças na proposta de Tabela enviada aos grandes prestadores. Tenha-se presente que os preços pagos às IPSS são cerca de 10% a 15% inferiores aos pagos aos grandes prestadores. Poucos dias após o envio da proposta da Tabela um grande prestador protestou e a resposta da maioria do Conselho é que esses preços iriam ser aumentados entre 10% e 15%. E para além disso foram a preços que já estavam para outros prestadores e alteram-se causando um aumento de encargos para a ADSE de 1,2 milhões €/ano. E foi esta tabela assim construída assim que os grandes prestadores recusaram com a justificação de que os preços eram, em muitos casos, inferiores aos custos (entre 15% e 30%, o que era previsível dizerem seja qual fosse a tabela) e que a tabela não estava completa para poderem avaliar se os preços dos restantes atos compensavam os dos que tinham sido enviados, como lhes tinha dito a representante do governo no Conselho Diretivo.  Forneceu-se de mão beijada o argumento e depois estranhou-se que eles o utilizassem. Terá sido apenas ingenuidade? É uma questão que deixo para reflexão.

Para agravar tudo isto enviou-se a proposta de nova Tabela do Regime convencionado aos prestadores numa altura em que eu estava ausente (21/8/2019), e não se marcou qualquer prazo para resposta, criando-se assim uma situação de indefinição,  o que determinou que eles adiassem indefinidamente a resposta criando condições para exigir o prolongamento da vigência do Memorando, que contem uma metodologia de “regularizações” muito mais favorável que a aplicada aos restantes prestadores, criando assim desigualdades de tratamento entre os diferentes prestadores da ADSE (por ex. Misericórdias e IPSS). E a nova ministra, Alexandra Leitão, sem ouvir o Conselho Diretivo (apenas se reuniu  com uma representante do governo no Conselho diretivo) veio já publicamente dizer que as negociações são para continuar (indefinidamente?), sem por quaisquer condições, ingerindo-se na gestão corrente da ADSE, o que por lei está vedado ao governo.

Em relação às IPSS, as representantes do governo no Conselho Diretivo da ADSE, ultrapassando o Decreto-Lei 33/2018, pois nele não consta essa incumbência, na minha ausência, pegaram na Tabela de preços do Regime Convencionado das IPSS que vigorava apenas desde de junho de 2018, e baixaram os preços máximos que tinham sido fixados em 2018, preços esses que as IPSS consideravam muito baixos (eram 10% a 15% inferiores aos pagos aos restantes prestadores), e baixaram-se ainda mais entre 10% a 15%, sem qualquer justificação, o que determinou que se virasse as IPPS contra a ADSE. Até parece que se quer criar problemas aos pequenos e médios prestadores.

 

A transformação da ADSE em mútua e a sua rápida captura pelos grandes grupos privados de saúde

(Luz, JMS, Lusíadas, Trofa, Grupo HPA, SANFIL)

A transformação da ADSE numa mútua como defende a ministra Alexandra Leitão (ECO e EXPRESSO-ONLINE, 18/12/2019), abriria a porta a uma rápida e fácil captura da ADSE pelos grandes grupos privados da saúde. A ADSE movimenta anualmente mais de 680 milhões € por ano, sendo 630 milhões € resultantes dos descontos feitos nas remunerações e pensões dos trabalhadores da Função Publica constituindo, por isso, um “fruto apetecível”, nomeadamente para os grandes prestadores privados da saúde. Sem a proteção do Estado rapidamente seria capturada por aqueles grupos que encontrariam quem estivesse disposto a isso, em troca de alguns benefícios pessoais, e utilizando os enormes meios que dispõem e o controlo que têm nos media colocariam à frente da mútua uma administração “amiga”. E assim criariam as condições para transformar a ADSE num seguro de saúde igual aos muitos que já existem com “plafonds” na despesa e com copagamentos elevados, transformando a ADSE num instrumento de obtenção de lucros ainda maiores do que aqueles que já tem. Mesmo que a direção da futura mútua não fosse da sua confiança, sem o apoio do Estado, rapidamente a capturariam com o enorme poder de mercado que possuem (mais de 60% dos serviços faturados à ADSE têm como origem os 6 maiores grupos privados de saúde), o que lhes dá um enorme poder de chantagem. Dificilmente qualquer administração resistiria sem o apoio do Estado. Pensar o contrário é pelo menos ingenuidade.

O que aconteceu no Montepio devia servir de reflexão para os muitos que falam de mutualismo sem qualquer conhecimento e experiência da realidade concreta do mutualismo em Portugal. No Montepio um pequeno grupo apoderou-se da administração da Associação Mutualista  e delapidou mais de 1500 milhões € das poupanças que os associados têm no Montepio, atribuindo-se a si privilégios chocantes (os membros do Conselho de Administração usufruem remunerações mensais que variam entre 26.000€ e 31.000€, têm direito cada um deles a viatura de alta gama com todas as despesas pagas, a cartões de crédito, e direito a pensão completa, igual à sua remuneração mensal, ao fim de 20 anos de serviço, quando os trabalhadores do próprio Montepio, que são associados, precisam de 40 anos de serviço). E este grupo depois de se ter instalado aproveitou os meios e recursos do próprio Montepio para se perpetuar no poder. E o Montepio não é um caso isolado em Portugal, muito pelo contrário.

O que a ADSE verdadeiramente precisa é do aumento do  poder dos beneficiários que deviam ter direito a dois membros do Conselho Diretivo e não apenas de um, cabendo ao governo a nomeação do presidente do conselho diretivo, e tendo o governo o poder de veto sobre algumas matérias claramente definidas; e também o aumento do poder do Conselho Geral de Supervisão, deixando de ser órgão um meramente consultivo e passando a ter poder vinculativo em várias matérias (por ex. pessoal, orçamento embora impondo que ele seja equilibrado, etc.) e tendo poderes também para fazer uma verdadeira fiscalização da atividade do Conselho diretivo, o que atualmente não sucede. Para além disso, a ADSE precisa de um Conselho Diretivo onde os seus membros tenham efetivamente experiência e competências de gestão e a maioria não seja apenas da confiança e obedientes às instruções do governo, mesmo em matérias de gestão corrente que a lei não permite, como atualmente sucede. E o governo não pode fugir as suas responsabilidades como garante da ADSE pois esta faz parte do Estatuto laboral dos trabalhadores da Função Pública.



 

 


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