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Sábado, Dezembro 21, 2024

A captura do Ocidente pela teocracia iraniana

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Dois jornais web, o Iran International, baseado em Londres, e o Semafor, baseado em Washington DC, publicaram o resultado de uma fuga de informação à correspondência electrónica de altos funcionários da diplomacia iraniana com uma rede de agentes iranianos colocada no Governo e em grupos de reflexão ocidentais, com frequente presença na imprensa institucional ocidental, que eles denominaram de ‘Iniciativa de Peritos Iranianos’.

A rede foi constituída a partir de 2014 por pessoas de origem iraniana, e foi decisiva para a conclusão do acordo nuclear entre o Irão e o chamado grupo P5+1, onde se incluem os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França) mais a Alemanha.

Robert Malley, designado por Biden como ‘enviado especial para o Irão’ e que tinha sido já um elemento chave da Administração Obama nas negociações nucleares com o Irão, foi o responsável pela penetração da diplomacia e da defesa americana de três dos membros do grupo. Foi recentemente despedido depois de se tornar pública a sua ligação ao regime iraniano.

A penetração dos agentes do regime iraniano nas esferas onde se produz a opinião institucional europeia é também clara, embora não tenham sido expostos casos da sua contratação para áreas tão sensíveis do executivo, como aconteceu nos EUA.

A título de exemplo, o ‘grupo de reflexão’ institucional do Parlamento Europeu contratou um desses agentes iranianos para promover o acordo nuclear com o Irão. O principal agente iraniano na Alemanha aparece frequentemente lado a lado da actual responsável da diplomacia, sendo que o seu grupo de reflexão é financiado pelo erário público alemão.

Em suma, aquilo que a imprensa institucional europeia, os mais reputados grupos de reflexão, e mesmo funcionários governamentais, apresentam como análises e subsequentes propostas políticas a ser seguidas pelo Ocidente em relação ao Irão, são feitos pelas autoridades iranianas que assim capturaram os mecanismos de decisão ocidentais.

Não é por isso de estranhar que o Ocidente faça aquilo que o Irão deseja, por que o Irão se instalou nos mecanismos de poder para que isso assim aconteça. É um claro exemplo de captura do poder.

Posto isto, a exposição deste sistema de captura levanta várias questões que são mais difíceis de responder.

Em primeiro lugar, as comunicações agora expostas utilizam sistemas de correio electrónico que são regularmente fiscalizadas pelas agências oficiais de informação norte-americanas. Por que razão estas não deram conta antes do problema e por que razão as autoridades iranianas não tomaram as devidas providências para evitar que as suas comunicações fossem tornadas públicas?

A este propósito é deveras curioso que as primeiras informações sobre o escândalo em desenvolvimento viessem do ‘Tehran Times’ organismo da imprensa oficial do regime iraniano, e que, os chamados ‘reformistas’ – esta rede foi constituída pelo anterior Presidente iraniano, Hassan Rouhani em nome desta facção do regime – acusem implicitamente a facção rival no poder de ser a verdadeira fonte desta fuga de informação.

Não seria a primeira vez que algo deste género teria lugar. O primeiro e mais monumental escândalo de cooperação irano-americana, pelo qual o regime iraniano apenas libertou os diplomatas americanos reféns no dia da investidura de Ronald Reagan, foi publicitado por Gary Sick, responsável americano na equipa Carter, cofundador da ‘Human Rights Watch’, e um dos mais importantes lobistas iranianos nos EUA, na altura ligado à facção iraniana contrária à que fez o acordo com a equipa de Reagan.

Ou seja, a guerra entre facções no Irão é de tal forma intensa e a facilidade com que essas facções organizam operações de captura de poder no Ocidente é tão grande, que ambas as facções estarão dispostas a recorrer à denúncia da facção rival junto do Ocidente para lutarem contra ela.

A segunda e mais importante questão é a de entender a razão pela qual é tão fácil capturar os mecanismos de decisão ocidentais. À partida, há três razões que facilitam essa captura.

A primeira é a do funcionamento em circuito fechado das elites ocidentais. A partir do momento em que se entra no circuito por via da imprensa institucional, dos negócios, dos círculos da moda ou do poder político, torna-se fácil transitar de um lado para o outro. A facilidade com que estes agentes iranianos agora identificados se movimentaram entre estas instituições corrobora a importância desse factor.

Em segundo lugar, o espírito de apaziguamento, que leva as elites a favorecer as soluções milagrosas, sem conflito, às que pressupõem o confronto. Um Irão seduzido pela paz é uma figura mais apetecível do que a de um regime apostado em desfazer o Ocidente. Como apêndice deste espírito de apaziguamento há a ignorância que ajuda a não ver o que estraga os cenários idílicos.

Aqui, há a assinalar que isso nem sempre é assim, e que por vezes, a captura se faz pelo fenómeno contrário, o do belicismo, e foi isso que aconteceu com a invasão do Iraque de 2003. Aqui o belicismo apareceu como forma de obter a desforra do 11 de setembro, apesar de o Iraque nada ter tido a ver com esse atentado e, pelo contrário, ter sido o principal instigador da invasão do Iraque, o regime iraniano, um dos principais implicados nesse atentado.

Em terceiro lugar, o dinheiro, sem o qual tudo o resto é mais difícil ou quase impossível. Por vezes, a ideologia torna-se tão ou mais importante do que o dinheiro, mas se é verdade que o sonho comunista terá sido quiçá a mais importante das molas de captura usada pela União Soviética, a atracção pelo fanatismo islâmico nas elites ocidentais, sendo por vezes real, é muito menor.

Esta é a área menos explorada, mas provavelmente a que é mais vital para defender o Ocidente dos seus inimigos. Na mesma altura em que se catapultou este grupo para, em lugares chave das instituições ocidentais, papaguear o discurso do clero iraniano, montou-se uma impressionante máquina financeira para impulsionar esse grupo.

Por que razão um conjunto de instituições americanas supostamente caritativas se uniram para financiar o acordo iraniano? Porque essas instituições agem pelas mesmas razões que o resto da sociedade, incluído por razões financeiras. Instituições como as ‘Fundações Sociedade Aberta’ – que contrariamente ao que fazem crer, não são uma entidade legalmente registada – são apenas capas de fundos de investimentos registados nas ilhas Caimão.

Estou em crer que saber onde e como se investem esses milhares de milhões de dólares que alimentam toda a máquina de infiltração e conquista das instituições ocidentais é a melhor forma de deslindar o puzzle dessa captura.

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