Anunciada e com texto distribuído à imprensa no passado dia 12 – mas não publicitado, aparentemente pela leitura ortodoxa da Constituição e da Lei que dá um máximo de três dias para o seu debate – a moção de censura do Chega deverá ser votada no dia 19.
Mas mesmo antes de o documento ter sido formalmente apresentado, os Estados Maiores das principais forças políticas anunciaram o sentido do voto, sabendo-se que vai ser reprovada, não conseguindo sequer o apoio dos restantes grupos da direita parlamentar.
Segundo o cartaz alusivo publicitado no site do ‘Chega’, a habitação é, ao lado da saúde, o tema maior da sua moção, o que faz sentido por ser esse um dos temas em que mais se faz sentir o descontentamento popular, e por ser esse o principal tema que opõe o Presidente da República ao Governo.
A rejeição parlamentar da moção de censura será naturalmente um factor que fortalece a posição do Governo, e nesta situação em particular, dado que o principal argumento publicamente avançado pelo Presidente da República para o seu veto foi o da ‘falta de consenso partidário’, isso será mais assim ainda.
Posto isto, e como assinala uma recente análise de Ana Sá Lopes, o sistema político português girou sempre à volta da oposição entre Governo e Presidente da República, especialmente no final do segundo mandato deste. Com uma maioria absoluta socialista, é, portanto, necessariamente a oposição do Presidente da República que deve preocupar o Governo, mais do que a que vem do parlamento.
E a questão aqui colocada é a de saber se o Governo está a tomar a melhor opção quando anuncia que vai reapresentar o seu pacote habitacional sem lhe tocar, querendo com isso implicar que o veto político do Presidente da República lhe é totalmente indiferente.
As opções tomadas pelo Governo são por sua natureza discutíveis. Pessoalmente, como de resto o expus várias vezes aqui nas páginas do Tornado, acho que a perseguição às iniciativas do Alojamento Local – embora populares um pouco por toda a Europa – se enganam completamente no alvo, contrariando o principal motor que conseguiu travar a desertificação e a demolição de velhos centros urbanos (e Lisboa é um caso óbvio).
Creio também que a extrema complicação adicional do sistema fiscal proposto para a obtenção de tão magros incentivos (baixa de 28% para 25% nas taxas liberatórias) não é uma aplicação eficaz de recursos. O favorecimento fiscal em matéria locativa parece-me importante, mas só vale a pena pensar nele se diminuir a carga burocrática que lhe é subjacente.
Posto isto, e no que parece ser um dos principais cavalos de batalha, acho que o Governo tem razão em matéria de imposição fiscal adicional sobre edifícios abandonados, embora, prejudique o seu argumento quando dela exclui os edifícios públicos nessas condições.
Neste último domínio, penso que a questão deveria ser tratada de forma descentralizada pelos municípios e que, dentro destes, seria necessário fazer distinções de forma objectiva (uma ruína rural não é a mesma coisa que uma ruína num centro urbano) e deveria permitir mesmo a expropriação pública, ou seja, creio que o Governo poderia e deveria ter ido mais longe do que o que foi.
O que me parece faltar no pacote habitacional são dois pilares essenciais; a promoção da oferta pública, ou estimulada pelo público, nomeadamente em habitação social, e um programa de verdadeira descentralização que desconcentre a carga administrativa de Lisboa.
Em qualquer caso, com esta visão (que é a minha) ou qualquer outra, creio que o Governo em caso algum deveria passar a mensagem de que o veto presidencial lhe é indiferente e que não toca em nada do que propôs.
O Presidente da República é o chefe da oposição, ou é mesmo a oposição, e não é boa ideia fazer de conta que ele não existe.