Em 2015, num país onde a pobreza, a exclusão e a falta de horizonte são conhecidos, o debate que importa ter não existe nos meios de comunicação social, pela simples razão de que aborda… os meios de comunicação social.
A questão não é nova mas, infelizmente, o diagnóstico também não: persiste um claro favorecimento dos sectores mais instituídos da sociedade, da política e da economia, em detrimento de novas ideias e agentes. As vozes são sempre as mesmas, e varridas as purpurinas da conjuntura, afirmam imutavelmente a utilidade e a segurança de manter tudo como está.
A argumentação em prol da prevalência desse status quo é conhecida, e indefensável: critérios sempre mais próximos do rendimento económico que do desenvolvimento cívico ou civilizacional privilegiam o que o público quer, e não a oferta do que o público não tem. Tal opção – e é importante afirmar que se trata de uma opção e não de uma inevitabilidade criada pelas obrigações colocadas pela entidade invisivelmente visível afirmada por Adam Smith – radica num conjunto de premissas reduzidas a números, a tal entidade mágica a que tudo deve resumir-se: se x pessoas viram o programa do tipo y, então precisamos de mais programas do tipo y. Não é preciso pensar muito para concluir que, a ser verdade essa lógica, qualquer ideia de posicionamento ou de inovação não faria sentido, e estaríamos hoje a ler/ouvir/ver o mesmo desde a emergência do respectivo medium.
Em paralelo, é também conhecida a resposta habitual a qualquer pensamento que coloque o desafio de dar mais à cidadã e ao cidadão: que se trata de uma posição paternalista, de imposição ou negação do livre-arbítrio, e anti-inovacional. Ora, nem o livre-arbítrio pode ser praticado se a natureza da oferta for semelhante, nem tal desmente que aquilo que está verdadeiramente em causa é o contributo que, conscientemente, os meios de comunicação social oferecem à reprodução, à mimetização, e a um imobilismo do pensamento que cria passividade onde – jurídica mas também civilizacionalmente – se exige acção de reinterpretação, e de reflexão. Se de pouco serve um meio de comunicação social que se resume a devolver, sem acréscimo, o reflexo do que vê, ainda de menor utilidade cívica será aquele que escolhe selectiva e convenientemente apenas uma parte desse reflexo. Na prática, aponta à domesticação da cidadã e do cidadão, convidando-a/o a aceitar como natural e como inquestionável não apenas a situação do país mas a legitimidade do lugar de quem o conduz.
Sinais disto mesmo são visíveis na inacreditável monotonia ideológica das escolhas de comentadores, plano ao qual qualquer diversidade ou novidade são quase absolutamente estranhas, mas também, e mais grave ainda, na selecção, enquadramento e alinhamento das peças. É relativamente comum dedicar considerável tempo à actividade – por vezes a mais irrelevante – de representantes políticos eleitos, sobretudo em órgãos de poder central, e não apenas atribuir menor tempo a ideias de outros representantes (actuais ou potenciais) mas hierarquizar estes de acordo com a probabilidade de serem eleitos, assim reforçando uma tendência centrípeta, fazendo lembrar uma auto-censura ideológica prévia difícil de acreditar – e de tolerar – em Democracia.
Além disso, também ao nível da linguagem – textual, visual, sonora – o trabalho dos meios de comunicação social é inacreditavelmente parcial, bastando para tal alguma atenção aos planos escolhidos para enquadramento, os momentos e as circunstâncias que a edição entendeu serem mais relevantes para veicular uma determinada imagem da/o reportada/o – processo no qual se pratica, uma escolha que tem subjacente uma determinada orientação – e às palavras e tom escolhidos para lançar ou (d)escrever a peça, universo no qual nenhuma opção é neutra. As capas, os títulos, os adjectivos, e todas as restantes ferramentas discursivas são, neste particular, um verdadeiro arsenal de instrumentos de definição da forma como a cidadã e o cidadão devem valorizar uma pessoa ou uma ideia, permitindo a um medium praticar um apoio ou uma censura sem afirmá-lo.
Deste modo, e voluntariamente, os nossos meios de comunicação social colocam-se do lado do problema cívico e civilizacional, afirmando e reproduzindo valores que deviam ser estranhos à sua actividade, e prestando-se à domesticação em vez do escrutínio, do esclarecimento, e do pluralismo com vista à evolução das ideias e dos agentes. Anteriormente considerado um Poder que vigiava outros Poderes, e muito longe do seu próprio ideal, parece confortavelmente instalado na partilha de protagonismo e reputação com quem devia escrutinar, reduzindo-se a uma versão 2.0 de um Narciso valorizado pela conivência e embevecido pela ilusão.