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Domingo, Dezembro 22, 2024

A concentração de poder nas grandes empresas

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

O World Economic Outlook de Abril, apresentado esta semana pelo FMI, inclui um trabalho de dois dos seus especialistas (Federico Díez e Romain Duval) que versa sobre as consequências do crescente poder das grandes empresas.

O estudo conclui que o aumento do poder do mercado daquele tipo de empresa tem tido um impacto económico negativo razoavelmente limitado até ao momento, mas que se não for devidamente controlado, poderá prejudicar no futuro o crescimento económico, o investimento e a inovação e prejudicar os rendimentos do trabalho.

Para fundamentarem as suas conclusões recorreram ao estudo da evolução das margens – comparação entre os preços de venda e os custos de produção – observando que desde 2000 a margem média das empresas aumentou em cerca de 8% nas economias avançadas mas em menos de 2% nas economias de mercados emergentes.

Mais concretamente as empresas que alcançaram margens mais elevadas (as que se situam nos 10% do topo da distribuição) aumentaram as suas margens em mais de 30%, enquanto estas se mantiveram praticamente inalteradas para os restantes 90%; estes aumentos registaram-se especialmente entre as que usam tecnologias digitais de forma mais intensiva.

Estas empresas variam de dimensão mas são relativamente pequenas, dominam nichos de mercado e situam-se especialmente entre as que usam tecnologias digitais de forma mais intensiva. Globalmente revelam melhor desempenho, sendo em média cerca de 50% mais lucrativas, 30% mais produtivas e usam 30% a mais de activos intangíveis, como patentes ou software, do que as restantes.

Uma das explicações adiantadas pelos autores para este resultado aponta para aumento do poder de mercado das empresas mais produtivas e inovadoras em resultado da sua melhor capacidade para explorar activos intangíveis de marca, efeitos de rede e das chamadas economias de escala (redução dos custos unitários em função do aumento da produção).

Embora o digam limitado, Federico Díez e Romain Duval sempre vão afirmando que desde o início do século que ao aumento das margens tem estado associada uma redução no investimento das empresas, pois o seu maior poder de mercado permite-lhes aumentar os lucros por via da mera conjugação da subida dos preços com a redução da produção, ou com a destruição de stocks, como foi relatado nesta notícia da VISÃO.

Dizem ainda que, se as margens tivessem permanecido nos níveis de 2000, o stock actual de bens de capital seria, em média, cerca de 3% maior e o PIB, cerca de 1% maior e que a redução do investimento enfraqueceu a procura agregada o que terá contribuído para ampliar o impacto da crise financeira de 2008.

Neste século e nas economias mais avançadas o aumento do poder de mercado foi ainda responsável pela redução de cerca de 10% dos rendimentos do trabalho, o que contribuiu para uma ampliação da desigualdade na distribuição do rendimento, pois o aumento do rendimento do capital beneficia exclusivamente os segmentos de rendimento mais elevado.

Para contrariar este cenário, os próprios especialistas do FMI reconhecem a necessidade da intervenção dos governos para evitar que o crescimento do poder de mercado afecte a economia de forma mais negativa, pois o seu contínuo crescimento conduzirá a novas quedas no investimento e nos rendimentos do trabalho, podendo até reduzir a inovação, uma vez que às empresas dominantes faltarão os incentivos necessárioss para se diferenciarem dos concorrentes por via da inovação.

Numa perspectiva grata ao FMI aquela intervenção pública deve ser orientada no sentido de assegurar a igualdade de condições e favorecer a concorrência, reduzindo os encargos administrativos para as novas empresas e as barreiras ao comércio e ao investimento estrangeiro directo no sector de serviços, podendo ainda passar pelo fortalecimento da actuação dos reguladores de mercado e pela melhoria das garantias de que os direitos de propriedade intelectual incentivem mais o pioneirismo do que as pequenas inovações incrementais.

Um pouco fora do receituário habitual do FMI é a sugestão para uma reforma fiscal orientada para a tributação dos rendimentos de capital excedentes derivados do poder de mercado, e que surgindo numa altura em que estão a aumentar as preocupações com o crescimento das grandes multinacionais, especialmente de tecnológicas como a Amazon, cujos tentáculos causam perturbação em vários sectores de actividade, acaba por reforçar um pouco as preocupações daqueles que na UE têm procurado contrariar a actuação das gigantes norte-americanas e chinesas.

Quererá isto dizer que o grande impulsionador da aplicação do Consenso de Washington – conjunto de medidas composto por dez regras básicas: Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Livre formação das Taxas de Juro; Livre formação das Taxas de Câmbios; Abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras); Eliminação de restrições ao investimento estrangeiro directo; Privatização das empresas públicas; Desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e do trabalho); Direito à propriedade intelectual, que foi formulado em Novembro de 1989 por economistas do FMI, do Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do economista John Williamson, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser receitado” para promover o “ajustamento macroeconómico” dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades – está a deixar cair o dogma da livre concorrência e o princípio do “trickle down economics” – ideia defendida pelas correntes monetaristas e neoliberais, segundo a qual a concentração da riqueza nos mais abastados e com maior propensão à poupança acabará por “deslizar” até aos estratos mais desfavorecidos – ou, mais prosaicamente, os malefícios da concentração empresarial e da riqueza já começam assustar os seus próprios mentores?


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