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João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

A direita francesa abriu as portas aos alemães

Charles Maurras (1868-1952) foi um célebre ativista da direita francesa anterior à Segunda Guerra. É extraordinária a semelhança ideológica daquele momento de inflexão da História da França, quando fanáticos da anti-política abriram o caminho para a derrota francesa, sua ocupação pela Alemanha por quatro anos e o posterior renascimento francês pelas mãos de De Gaulle.
O líder ideológico dessa direita raivosa era Charles Maurras, um pensador com grande número de seguidores, que achava a Revolução Francesa um erro histórico que desviou de seu caminho a “França dos 40 reis” em sua grandeza milenar. Maurras criou um movimento, a Ação Francesa, anti-democracia e anti-progressista, ideologicamente confusa mas com todos os cacoetes da direita enraivecida, movimento catalisador de uma larga faixa da classe média tradicionalista e de parte da alta burguesia, que protagonizou um processo de acirramento de ânimos que precedeu a invasão alemã de 1940.

Esses seguidores da Action Française eram puristas fanáticos da anti-corrupção, de fato a atividade partidária da Terceira República pré-Guerra era essencialmente corrupta, participante de inúmeros escândalos financeiros,como o caso Stavisky. Com base nessa visão tosca e primitiva, hoje também presente no Brasil, que a “a política deve ser purificada” destruindo-a, a purificação não se dá pela reforma e sim pela fogueira dos impuros.

Os seguidores de Maurras preferiam uma França derrotada e ocupada pelo estrangeiro a ter que conviver com políticos que eles consideravam corruptos. Esses moralistas de almanaque não têm capacidade intelectual para entender que a política não é limpa em lugar algum do mundo, nem no tempo histórico, que o preço da Democracia é tolerar um certo nível de impurezas porque a Alternativa é uma ditadura, onde a corrupção além de ser muito maior anda de braços dados com a opressão e facilmente deriva para a tirania.

O papel da Imprensa

Outra semelhança do processo francês com o atual processo brasileiro é a grande participação da Imprensa no acirramento dos ânimos, no atiçamento das rivalidades, no açulamento das massas para corroer o ambiente político. Ao fim, após junho de 1940, a mesma imprensa ou se vendeu aos alemães ou foi fechada e seus jornalistas presos ou exilados.

A França na década de 30 teve um conturbado governo de esquerda, o Front Populaire chefiado por Leon Blum, político judeu, algo insuportável para um larga faixa de franceses que viam na política e nos políticos a desgraça da França, eram contra tudo e contra todos, na linha “sou contra tudo isso que está aí”, estado de espírito que muito facilitou a vitória alemã de junho de 1940, quando o invasor passou a ser visto como parceiro contra a esquerda corrupta.

O Front Populaire era uma frente de socialistas e comunistas, formada em dezembro de 1935, ganhou as eleições de maio de 1936, para grande escândalo da direita, na realidade o Front Populaire era um governo reformista na linha do PT no Brasil, sem romper com o establishment das 200 famílias que mandavam na França, mas assustando a média burguesia.

Maurras, que era um intelectual com certa notoriedade, poeta e escritor, membro da Academia Francesa, apoiou a França de Vichy, o regime colaboracionista da Alemanha que aceitou a ocupação. Esse grande grupo da opinião pública francesa via nos alemães o remédio necessário contra a esquerda e nesse grupo estava a maior parte da direita francesa, com Maurras na frente, apoiando o novo governo pro-alemão chefiado pelo Marechal Pétain, herói na Primeira Guerra e traidor na Segunda Guerra.

O filme de Costa Gravas “Seção Especial de Justiça” sobre o qual já escrevi, demonstra a subserviência do poder judiciário francês aos alemães, mantido o cerimonial da tradição, as togas, os selos e os rituais, quem dava as ordens eram os alemães.

No filme, um oficial alemão, ao acompanhar um processo criminal de interesse da Alemanha para condenar dois sabotadores franceses, observou ao juiz francês que aquela sentença era tão absurda que seria ilegal até na Alemanha, observando “Excelência, não se pode condenar alguém com lei retroativa, isso é possível na França?” demonstrando seu desprezo pela bajulação do judiciário francês ao invasor alemão, fruto desse ambiente de direita.

Os alemães souberam tirar partido desse cenário para invadir e ocupar a França com baixo custo militar. Seu Embaixador em Paris desde 1936 era Otto Abetz, um alemão refinado, culto, que se insinuou com grande sucesso nos “salons” da alta sociedade francesa, a quem encantava com seu charme, seu francês perfeito, seu conhecimento da cultura francesa.

Não era todavia só o charme. A Embaixada alemã subornava, com mesadas, 12 jornais para serem simpáticos à Alemanha e abria seus salões para magnificas recepções a jornalistas, colunistas e colaboradores da imprensa para que apoiassem a causa da Alemanha nazi.

Semelhança com o Brasil actual

A grande semelhança entre aquela direita obtusa, raivosa, fanática e uma faixa da atual direita brasileira, da mesma forma constituída por pequenos burgueses sem fortuna mas que odeiam a esquerda e tudo o que esta representa.

A direita francesa de 1939 preferia os alemães à esquerda, achavam que os alemães iriam “por ordem na bagunça” e eliminar a corrupção. Na realidade a ocupação alemã foi o apogeu da corrupção na história da Europa com seus “escritórios de compra” de produtos no mercado negro para enviar à Alemanha, especialmente bens de luxo, Hitler fazia questão que as esposas de oficiais das forças armadas tivessem perfumes e moda refinada, que só a França dispunha.

Os escritórios de compra, chamados “esquema Otto” pagavam as compras em dinheiro vivo, tudo sem documentos, absorveram boa parte do champagne, das sedas, dos perfumes, das iguarias disponíveis no mercado paralelo, os alemães não olhavam preço, queriam o máximo de mercadorias para enviar à Alemanha e agradar a população civil e a classe média das cidades. Há um célebre livro de Jacques Delarue “Trafics et Crimes sous l´Occupation” onde esse mecanismo de compras alemãs no mercado negro é descrito em detalhes.

Maurras foi eleito para a Academia Francesa, assim como Pétain, apoiou o regime de Vichy até o fim, como consequência foi preso e condenado à prisão perpétua por crime de alta traição, morrendo em 1952. Maurras simbolizou o francês mesquinho, de visão pequena, não humanista, anti-democracia, anti-políticos, a sua tipologia intelectual se replica em jornalistas e comentaristas atuais da mídia brasileira, com a mesma visão pobre da História, da vida, da sociedade, como aqueles franceses que viam nos alemães a salvação da França contra sua democracia parlamentar corrupta de muitos partidos, aqui alguns dessa direita ideológica vêem no Departamento de Justiça dos EUA a salvação do Brasil.

As regras impuras

Por ironia e por absoluta falta de capacidade de compreensão, esses fanáticos do moralismo irreal na política não percebem que o jogo do poder se pratica sempre com regras impuras.

Enquanto a corrupção eleitoral, baseada nos partidos e na política, faz arrepiar esses fanáticos, outra corrupção, infinitamente maior, passa sob seus olhos sem que eles vejam.

A corrupção da propina em torno da política alcançou com muito exagero US$ 10 mil milhões em 12 anos, mas um só semestre de manipulação cambial no Banco Central (1º semestre de 2016) trouxe ao país um Prejuízo de R$ 207 mil milhões, isso em apenas meio ano.

Um contumaz acusador da política que fala cem vezes por dia em certo “projeto criminoso de poder”, jamais falou um décimo de segundo sobre as proezas do Banco Central basicamente estruturadas para garantir segurança e lucros aos especuladores de Nova York, não fala porque não sabe, não entende, não conhece, trata-se de algo acima de seu alcance mental, mas propina é uma coisa simples que qualquer um entende o que é e como se faz. 

Graças aos fanáticos do moralismo de almanaque, o Brasil está destruindo suas grandes empresas que pagaram propina por necessidade de funcionar, deixando a terra arrasada para empresas chinesas cujo jogo é bem mais pesado do que nossas simplórias empresas, como os “bons cidadãos” franceses destruíram a democracia parlamentar francesa para entregar o governo aos alemães no crença que os alemães seriam bons administradores.

O momento atual do Brasil é o momento do irrealismo, para um País com 500 anos de corrupção pretender um purismo do convento das carmelitas descalças na área política e se assim não for preferem entregar o País aos americanos do que ter a paciência de reformar o errado no tempo histórico.

Por ironia, como na França de 1940, os apóstolos da pureza não são nada puros, há grande simulação de desprendimento encobrindo ambições e vantagens imodestas, o virtuosismo esconde um vasto jogo de poder, a virtude sempre foi eficiente bandeira para conquista da cidadela infiel.

André Araújo, Formou-se em Direito, em 1968, pela Universidade Mackenzie. E fez pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas – EASESP. Actualmente é director executivo do CELE – Centro de Estudos da Livre Empresa, entidade que pesquisa as instituições sindicais e associativas, de carácter patronal no Brasil.
Texto original em português do Brasil
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