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Terça-feira, Julho 16, 2024

A dívida na origem da pobreza

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Segundo dados oficiais, a dívida global atingiu um montante gigantesco de 307 biliões de dólares em meados de 2023, valor que há uma década era estimado em 210 biliões de dólares.

Dados do FMI mostram que até à década de 1980 o valor da dívida global era elevado (já ultrapassava os 100% do PIB mundial), mas longe dos actuais 240% do PIB.

Esta enorme dívida global, que é o verdadeiro problema de que ninguém fala, é a principal causa da pobreza generalizada e tem vindo a revelar-se como uma verdadeira arma de destruição em massa, especialmente em países onde grassa a fome e a subnutrição ou onde faltam a água potável e as condições básicas de higiene, claros sinais de falta de financiamento, mas onde não faltam os pagamentos de milhares de milhões de dólares aos seus credores. Este serviço da dívida é duplamente oneroso para as populações que vêem os seus produtos e recursos naturais vendidos a preços baixos, para assim se obterem as divisas estrangeiras desesperadamente necessárias ao mesmo tempo que agravam as suas balanças de pagamentos para pagarem a dívida externa ou os seus juros.

A esta já de si delicada situação junta-se ainda a actuação dos financiadores internacionais ao imporem políticas de aumentos de tarifas e impostos que tornam os países cada vez mais dependentes da ajuda externa, ou seja, as instituições pensadas para ajudar na erradicação da pobreza global e na protecção dos países aos empréstimos ruinosos, como o FMI e o Banco Mundial, estão, afinal, a agravar estes problemas (veja a propósito o artigo «O ESGOTAMENTO DE BRETTON WOODS», aqui no Tornado). Senão, veja-se a facilidade com que durante a crise de 2008 foram eliminados biliões de dólares dos passivos dos mesmíssimos bancos que foram responsáveis pela formação e explosão da bolha do mercado imobiliário nos EUA, ou como se explica que a ortodoxia económica considere bancos como o Goldman Sachs demasiado grandes para falir, mas não revele o mesmo tipo de apreciação e preocupação relativamente às centenas de milhões de habitantes dos países endividados.

Quando no rescaldo da Segunda Guerra Mundial e graças acordo de Bretton Woods se estabeleceu um sistema de pagamentos baseado no dólar, que fixava a cotação de todas as moedas em relação a uma divisa que garantia a sua convertibilidade em ouro, e se estabeleceu que os recém-criados Banco Mundial e FMI o usariam como sua moeda-padrão, colocou-se nas mãos das administrações norte-americanas um poder desmesurado, aumentado quando em 1971 a administração Nixon cancelou o processo de conversão da sua moeda. Desde então foi este sistema fiduciário que permitiu que a economia norte-americana imprimisse moeda à descrição e que os seus orçamentos de defesa se expandissem desproporcionalmente, a ponto desta ganância desenfreada se ter convertido na origem da inflação global e deixado os países em desenvolvimento, ou com economias mais débeis, particularmente vulneráveis aos problemas da dívida.

Fortemente dependentes dos credores externos, as economias menos desenvolvidas têm sido forçadas ao longo dos tempos a seguir os seus ditames e em especial os do FMI e do seu malogrado Consenso de Washington – conjunto de medidas compostas por dez regras básicas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos; reforma tributária; livre formação das taxas de juro e de câmbios; abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras); investimento estrangeiro directo, com eliminação de restricções; privatização das empresas públicas; desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e laborais); direito à propriedade intelectual, formulado em Novembro de 1989 por economistas do FMI, do Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do Institute for International Economics – e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser “receitado” para promover o “ajustamento macroeconómico” dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades.

Este modelo neoliberal é globalmente preconizado pela generalidade dos credores, apresentado como obrigatório para assegurar os financiamentos do FMI e garantia para uma melhoria da classificação financeira atribuída pelas agências de notação de risco e para a disponibilidade de novos fundos de outros credores e mercados. A intenção de levar os governos a melhorar os seus rendimentos e a diminuir as despesas não é disparatada, nem descabida, mas o que tem resultado da aplicação daquele conjunto de medidas neoliberais, sempre justificados pelas crises e pela necessidade, tem sido o comprovado empobrecimento generalizado das populações e uma clara concentração da riqueza.

Agências internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, foram criadas como instituições estabilizadoras e tiveram um desempenho muito bom na reconstrução das economias europeias do pós-guerra, mas depois disso tornaram-se ferramentas de controlo por parte dos poderes estabelecidos e um instrumento determinante no processo de concentração da riqueza e de criação da pobreza. O endividamento é algo incontornável e essencial em qualquer economia, já a liberalização e a desregulamentação impostas pela escola neoliberal são, a pretexto de um dogmático melhor funcionamento da economia, um meio para contornar e eliminar os mecanismos económicos que asseguravam alguma protecção do interesse geral contra a voragem do interesse individual e do lucro.

Como podemos agora constatar, a acelerada internacionalização do capital, sustentada nas teses neoliberais e monetaristas, facilitada pela desregulamentação e rapidamente implementada a partir da última década do século passado, conduziu a uma situação que, tanto ao nível local como ao nível global, transferiu o ónus das dívidas para os mais vulneráveis e débeis, assim contribuindo para o crescimento da pobreza.

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